São Paulo, sexta-feira, 02 de abril de 2010

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ANÁLISE

China, Irã e Brasil, tudo a ver

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O começo da mudança de posição da China em relação às sanções ao Irã se deve, ao que tudo indica, ao fracasso da mais recente tentativa chinesa (e russa) de convencer o governo iraniano a aceitar o esquema idealizado em outubro, nas negociações entre Teerã e o P5+1 (EUA, Rússia, França, China e Reino Unido, membros permanentes do Conselho de Segurança, mais a Alemanha).
A proposta previa que o Irã enviaria seu urânio levemente enriquecido à Rússia e à França. Receberia de volta urânio enriquecido na proporção necessária para uso médico, que os iranianos dizem ser a finalidade de seu programa nuclear.
Do ponto de vista ocidental, se dilataria ou se anularia a chance de o Irã conseguir urânio enriquecido na medida necessária para a bomba.
A gestão sino-russa foi feita no início do mês passado e de seu malogro diz bem a reação de um diplomata russo não-identificado falando a jornalistas em Moscou: "Há cada vez menos espaço para manobras diplomáticas".
Parece razoável supor que o governo chinês tenha chegado a idêntica conclusão, ainda mais se se lembrar que, no fim, a China acabou apoiando os três pacotes anteriores de sanções ao Irã.
Convém lembrar também que todos eles foram inócuos como meio de pressionar o regime dos aiatolás a suspender seu programa atômico. Recente relatório apresentado ao Congresso americano mostra, aliás, que, nos últimos dez anos, Washington concedeu mais de US$ 107 bilhões em contratos, empréstimos e outros benefícios a empresas multinacionais do próprio país e do exterior, enquanto continuavam a fazer negócios com o Irã (uma das citadas é a brasileira Petrobras).
Para a China, portanto, sanções que não sejam "paralisantes" [da economia iraniana] são aceitáveis. Para os EUA, principais proponentes do endurecimento, no entanto, trata-se de um sinal político altamente positivo, na medida em que mostraria o isolamento do regime iraniano.

Brasil
Se confirmada, a mudança de posição chinesa tem implicações diretas para a diplomacia brasileira. Primeiro, porque China e Brasil vinham tendo idêntica posição: ainda há espaço para o diálogo e, portanto, não é o tempo para punições.
Segundo porque o diálogo que o Brasil mantém com Teerã (à parte os negócios que são parte essencial da diplomacia moderna) gira exatamente em torno da proposta que os chineses e os russos levaram de novo ao Irã só para vê-la rejeitada.
No mais recente encontro de alto nível entre autoridades brasileiras e iranianas, em janeiro, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, discutiu com seu colega Manoucher Mottaki "tempos e quantidades" da troca de urânio iraniano pobremente enriquecido por combustível de enriquecimento suficiente para programas civis.
"Tempos" refere-se ao fato de que o Irã desconfia tanto do Ocidente que exige que haja troca imediata de um urânio pelo outro, o que é tecnicamente inviável: não se encontram nos supermercados barras de urânio enriquecido adaptadas aos reatores iranianos.
"Quantidades", como é óbvio, refere-se a quanto de seu estoque de urânio o Irã aceita enviar ao exterior.
Se essa discussão -que é o centro da questão- está vencida, como parece indicar o fracasso da gestão sino-russa, o Brasil se verá obrigado, mais cedo ou mais tarde, a repensar a sua posição.


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