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ANÁLISE
China, Irã e Brasil, tudo a ver
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O começo da mudança de posição da China em relação às
sanções ao Irã se deve, ao que
tudo indica, ao fracasso da mais
recente tentativa chinesa (e
russa) de convencer o governo
iraniano a aceitar o esquema
idealizado em outubro, nas negociações entre Teerã e o P5+1
(EUA, Rússia, França, China e
Reino Unido, membros permanentes do Conselho de Segurança, mais a Alemanha).
A proposta previa que o Irã
enviaria seu urânio levemente
enriquecido à Rússia e à França. Receberia de volta urânio
enriquecido na proporção necessária para uso médico, que
os iranianos dizem ser a finalidade de seu programa nuclear.
Do ponto de vista ocidental,
se dilataria ou se anularia a
chance de o Irã conseguir urânio enriquecido na medida necessária para a bomba.
A gestão sino-russa foi feita
no início do mês passado e de
seu malogro diz bem a reação
de um diplomata russo não-identificado falando a jornalistas em Moscou: "Há cada vez
menos espaço para manobras
diplomáticas".
Parece razoável supor que o
governo chinês tenha chegado
a idêntica conclusão, ainda
mais se se lembrar que, no fim,
a China acabou apoiando os
três pacotes anteriores de sanções ao Irã.
Convém lembrar também
que todos eles foram inócuos
como meio de pressionar o regime dos aiatolás a suspender
seu programa atômico. Recente relatório apresentado ao
Congresso americano mostra,
aliás, que, nos últimos dez anos,
Washington concedeu mais de
US$ 107 bilhões em contratos,
empréstimos e outros benefícios a empresas multinacionais
do próprio país e do exterior,
enquanto continuavam a fazer
negócios com o Irã (uma das citadas é a brasileira Petrobras).
Para a China, portanto, sanções que não sejam "paralisantes" [da economia iraniana] são
aceitáveis. Para os EUA, principais proponentes do endurecimento, no entanto, trata-se de
um sinal político altamente positivo, na medida em que mostraria o isolamento do regime
iraniano.
Brasil
Se confirmada, a mudança de
posição chinesa tem implicações diretas para a diplomacia
brasileira. Primeiro, porque
China e Brasil vinham tendo
idêntica posição: ainda há espaço para o diálogo e, portanto,
não é o tempo para punições.
Segundo porque o diálogo
que o Brasil mantém com Teerã (à parte os negócios que são
parte essencial da diplomacia
moderna) gira exatamente em
torno da proposta que os chineses e os russos levaram de novo
ao Irã só para vê-la rejeitada.
No mais recente encontro de
alto nível entre autoridades
brasileiras e iranianas, em janeiro, o ministro das Relações
Exteriores, Celso Amorim, discutiu com seu colega Manoucher Mottaki "tempos e quantidades" da troca de urânio iraniano pobremente enriquecido
por combustível de enriquecimento suficiente para programas civis.
"Tempos" refere-se ao fato
de que o Irã desconfia tanto do
Ocidente que exige que haja
troca imediata de um urânio
pelo outro, o que é tecnicamente inviável: não se encontram
nos supermercados barras de
urânio enriquecido adaptadas
aos reatores iranianos.
"Quantidades", como é óbvio, refere-se a quanto de seu
estoque de urânio o Irã aceita
enviar ao exterior.
Se essa discussão -que é o
centro da questão- está vencida, como parece indicar o fracasso da gestão sino-russa, o
Brasil se verá obrigado, mais
cedo ou mais tarde, a repensar a
sua posição.
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