São Paulo, sábado, 02 de abril de 2011

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Incerteza Portuguesa

Com cortes de salários, aumentos dos impostos e greves, jovens de Portugal acham que a saída está no aeroporto; em liquidação, lojas estão vazias e há medo da violência

VAGUINALDO MARINHEIRO
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA E COIMBRA

Um papel afixado na bilheteria da estação Entrecampos, em Lisboa, avisa: greves podem paralisar os serviços de trem e metrô de 26 a 31 de março. Não haverá transporte alternativo.
Uma mulher de uns 70 anos esbraveja: "O pior é a incerteza. Nunca sabemos de nada. Só descubro aqui que não tem comboio [trem]".
Abordada, se recusa a conversar. "Jornalistas só falam mal do país, o que piora ainda mais a situação", diz, e sai andando, praguejando.
A cena ilustra a realidade de Portugal hoje. As medidas de austeridade (corte de salários e de benefícios e aumento de impostos) adotadas para tirar o país da crise geraram uma onda de greves.
Todo dia tem uma paralisação: de trem, metrô, ônibus, serviço público... a paciência das pessoas parece estar no fim. Para agravar, sobram incertezas.
"Ninguém sabe o que vai acontecer com o país amanhã. Só sabemos que vai ficar pior. O governo fala em recessão para este ano e também para 2012. Se tiver ajuda do FMI (Fundo Monetário Internacional), serão uns dez anos de sofrimento", afirma Luís Soares Lomba, 23, estudante de economia.
A ajuda do FMI, e também do Banco Central Europeu, é dada como certa.
Portugal não tem caixa para saldar suas dívidas crescentes, e o mercado exige juros cada vez mais altos para emprestar ao país.
O estudante Lomba é um dos muitos jovens portugueses que, como os brasileiros nos anos 80, acham que a saída está no aeroporto.
"O futuro aqui é sombrio. Vou tentar outro lugar", diz.
Ele conclui a faculdade em junho e não crê que encontrará trabalho. A taxa de desemprego para pessoas com menos de 25 anos é de 21,3% em Portugal. Menos que na Espanha (43,5%), mas mais que na Alemanha (13,4%) ou na Holanda (7,4%).
A crise econômica acabou por gerar uma crise política. No dia 23, o primeiro-ministro José Sócrates renunciou após o Parlamento rejeitar seu quarto pacote de cortes.
As eleições foram marcadas para 5 de junho. Até lá, vigora o que os portugueses chamam de "governo de gestão". Sócrates fica no cargo, mas não tem poder.
"Já estava ruim e piorou. Depois da renúncia do Sócrates, não vendo mais nada. Todo mundo tem medo de gastar", diz Rui Simas, dono de uma loja de eletrônicos.
Para o taxista Paulo Sá, em breve as pessoas vão começar a tomar atitudes extremas. "Os salários caem, as preços aumentam. Não haverá dinheiro para a comida. Vai começar a ter assaltos."
Para outro taxista, Domingos Pimentel, a criminalidade piorou. "Há as ondas dos africanos" -portugueses chamam arrastões de ondas.
A crise não é muito aparente nas ruas. Há pedintes, mas bem menos que em São Paulo. A maioria é imigrante.
Nos shoppings, a impressão é que ninguém compra. A reportagem da Folha visitou quatro deles. Três em Lisboa (na praça de Touros, na estação Oriente e o Atrium Saldanha) e um em Coimbra, o Fórum. Há muita liquidação e algumas lojas anunciam descontos porque vão fechar. Mesmo assim, não se veem sacolas cheias.
Na contramão do pessimismo, Isabel (ela pediu que não fosse publicado seu sobrenome) resolveu abrir há um mês uma loja de brinquedos no Atrium Saldanha.
Ela é formada em inglês e alemão e não arrumava emprego. "Muitas de minhas amigas só reclamam e não fazem nada. O português é muito passivo. Não creio que tenha de haver atos violentos nas ruas, mas é preciso fazer algo além de reclamar."
A Folha passou 40 minutos na loja na quinta-feira. Não entrou nenhum cliente. "Quem sabe amanhã", ela diz. O país espera o mesmo.


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