São Paulo, domingo, 02 de maio de 2010

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"Império impede aproximação com Obama"

Chávez diz ver boa-vontade em americano, mas afirma que poderiam matá-lo caso ele rompesse com "máquina imperial"

Presidente venezuelano afirma que não há ditadura em seu país e que gosta de "navegar nas águas da maior liberdade de expressão"


DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Na continuação da entrevista, Hugo Chávez diz que, se Barack Obama romper com os conservadores dos EUA, poderá ser morto e revela um encontro com o presidente americano durante a Cúpula das Américas, em Trinidad e Tobago. (KENNEDY ALENCAR)

 


DITADURA
Bom, na Venezuela, isso aconteceu [haver uma ditadura]. Mas não foi precisamente comigo e conosco. Aconteceu a partir de 1961, com a Constituição que foi aprovada naquele ano, que foi feita como um pacto de cúpulas, sem consultar a população. Depois houve um conjunto de governos que governaram ferreamente aquilo.
Por 40 anos, perseguindo, fazendo desaparecer pessoas, torturando, roubando, saqueando o país. Isso acabou sendo uma verdadeira ditadura fantasiada de democracia.
Não é segredo para ninguém que desde antes da prisão [em 1992, quando participou de uma tentativa de golpe de Estado] nós já tínhamos um foco no aspecto estratégico: convocar uma Assembleia Nacional Constituinte e fundar novamente a República. Coisa que foi conseguida, graças a Deus, não pela via militar, mas pela via popular democrática, por meio de uma Constituição que foi discutida por todos e aprovada em referendo nacional.
É a única Constituição em nossa história que foi feita em referendo e aprovada por todo um povo. Então, que ditadura?
Uma vez Lula disse, quando foi questionado sobre o ditador Chávez, que a Venezuela tem excesso de democracia, do ponto de vista que na Venezuela há eleição todo ano. Há uma democracia plena, profunda.

REELEIÇÃO ILIMITADA
O que nós queremos, e o que vai ser perpetuado no poder na Venezuela é um povo, é um regime democrático. Na Venezuela existe a possibilidade de que o presidente possa ser reeleito tantas vezes quanto o povo quiser. O mais importante é que é uma decisão do povo. Que eu seja reeleito de novo dependerá de muitas variáveis. Isso não está escrito desde agora, dependerá de muitas coisas.
Afinal de contas, será o povo venezuelano a votar em eleições livres e com um dos sistemas eleitorais mais avançados do mundo, dos mais transparentes do mundo, tudo de maneira eletrônica, com observadores internacionais. Será decidido pelo povo. Isso se chama democracia, é o poder do povo.

OPOSIÇÃO
No início do meu governo, tentei fazer uma política de aproximação a outros setores, de incorporação de grupos políticos distintos, mas terminamos num golpe de Estado. Temos uma oposição na Venezuela que não reconhece resultados eleitorais quando perde e que, além disso, apoia golpes de Estado. É uma oposição violenta, golpista, que muitas vezes promove abertamente o golpe, promove que me assassinem, promove que os EUA interfiram na Venezuela.

GOLPE DE 2002
Fui detido. Durou só uma noite porque as pessoas começaram a ir às ruas imediatamente. Então, os golpistas decidiram me levar a uma baía, à beira do mar. Foi uma tirania de dois dias, mataram mais de cem pessoas, eliminaram todos os poderes -e depois me acusam de ditador. No dia 24, eliminaram o Congresso, o Supremo Tribunal e todos os tribunais, os governos dos Estados, os governos municipais, o Supremo Tribunal Eleitoral, eliminaram tudo.
Apagaram a Constituição. Lembro-me de que em um momento eu estava ali disposto a ser morto e, em seguida, apareceu um grupo de soldados dizendo que, se me matassem, todos se matariam. Aí, a situação mudou. Eu, que estava morto, ressuscitei.
Não tenho nenhuma dúvida de que a linha vinha de cima [dos EUA]. Conhecendo quem estava no governo dos EUA, que era Bush, e conhecendo os assassinos que haviam me capturado, não há dúvida de que iam me matar.

DISCURSOS DUROS
Se você avaliar cada vez que respondo com uma palavra ou outra, uma expressão mais forte, sempre estou respondendo a agressões. Os colombianos me acusam de ter, na Venezuela, não sei quantos guerrilheiros, acampamentos guerrilheiros, campos de treinamento para terroristas, que temos um santuário para o narcotráfico. Cada vez que respondo, não é por mim. O que importa é a verdade e a dignidade de um povo, o povo venezuelano.

IMPRENSA
Eu gosto de navegar nas águas da maior liberdade de expressão e me sinto como um peixe dentro d'água neste debate televisivo ou no rádio. Tenho uma coluna aos domingos. Criei uma conta no Twitter ontem [na terça], em duas horas já tinha 30 mil seguidores. Adoro comunicação. As cadeias de rádio e TV na Venezuela têm tradição de muitos anos, quase todos os presidentes as usaram, uns mais, outros menos.
O assunto da concessão a uma empresa de televisão [RCTV, que não teve a concessão renovada]... Disseram que houve fechamento. Não houve nenhum fechamento. Simplesmente o sinal é do Estado, e o Estado considerou que não era conveniente renová-lo.
Era uma emissora que tinha não menos do que 20 processos de investigação, violação de leis, e prosseguia se negando a cumprir as leis. Prosseguiram violando as leis abertamente, desafiando o governo e a Constituição. Pelas leis, a concessão não foi renovada. Quem pode dizer que isso é violar a liberdade de expressão?
Eu te convido a ir a Caracas e ligar nos canais de TV, sintonizar as emissoras de rádio. Você poderá ver e desfrutar da maior liberdade de expressão de um povo e as diferentes correntes. Lá me insultam na televisão, e eu não me importo. Fazem sátiras, humor, eu não me importo.

BARACK OBAMA
Não estou decepcionado. Apenas creio que se deva entender, como disse Fidel Castro, que Obama parecia ser um homem inteligente, e é, de boa-vontade, muito trabalhador, com experiência política. Que bom que tivesse boas intenções, mas à parte isso, ele é o presidente do império, de uma máquina imperial. É uma grande contradição.
Te digo que, se Obama seguisse uma linha pacifista de verdade, se seguisse uma linha de se aproximar à Venezuela, como parece que tentou no começo... Nos EUA caíram em cima dele só por ter nos oferecido a mão. Poderiam matar Obama. Se ele romper com a máquina imperial, podem matá-lo como mataram John F. Kennedy (1963).

LULA FAZ PONTE
Lembro-me da reunião particular que fizemos em Trinidad e Tobago. Lula falou com Obama de coração. Eu estava ao seu lado [de Obama], e Lula disse uma coisa sublime, que me deixou muito emocionado, e até o abracei. Ele disse a Obama: "Chávez é um homem bom. Ele não é isso que dizem por aí". Lula pediu que eu me aproximasse de Obama, e até sorrimos, brincamos um pouco, a ponto de Evo [Morales] dizer: "Isso parece o fim do mundo, Chávez e Obama abraçados".
Inclusive, quando ele foi se despedir, se aproximou e falamos em particular por uns cinco minutos. Ele deu a mão de novo, e um sorriso, mas depois caíram em cima dele. Eu disse a ele: quero ser seu amigo, Obama. Quero que discutamos sobre narcotráfico, sobre segurança, sobre a guerrilha colombiana, sobre a paz, sobre o petróleo, sobre a economia, mas que possamos fazê-lo com respeito. Mas não foi possível, acho que ele deixou que a avalanche imperial o derrotasse.

FHC E BUSH
Fomos bons amigos [eu e Fernando Henrique Cardoso]. Lembro que na conferência do Canadá, Cardoso pediu que eu me aproximasse e falasse com Bush. Logo estávamos eu e Bush conversando, com Cardoso servindo de intérprete. Falamos por volta de 10 minutos.


CUBA
Eu acho que não [responde a pergunta se a Revolução Cubana, um sonho, virou pesadelo]. Cuba não é nenhum pesadelo. Eu acho que o pesadelo do mundo é o império ianque. O Iraque é um pesadelo. O Afeganistão é um pesadelo. A miséria na América Latina e na África é um pesadelo.

Chávez fala sobre a infância e diz que torce para o Brasil na Copa

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