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Bandidos se aproveitam do caos em Darfur
Violência diminuiu em relação aos primeiros anos do conflito, mas ONU alerta para a "subdivisão dos grupos armados"
Disputa étnica em região sudanesa deixou até agora 300 mil mortos, a maioria vítima de ação de árabes armados pelo governo
FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A EL FASHER (SUDÃO)
Do alto, as vilas queimadas
no deserto de Darfur lembram
conchas na areia da praia, mas
hoje a chance de serem obra de
bandidos comuns aproveitando-se do caos generalizado é
grande -talvez até mais do que
um resultado da disputa étnica
que originou o conflito nessa
região no oeste do Sudão.
Ao completar sete anos, o
primeiro genocídio do século
21 (segundo os EUA e a maioria
das ONGs; a ONU reluta em
usar o termo) entrou numa nova fase, mais complexa.
"O maior problema para nós
hoje é a subdivisão dos grupos
armados, às vezes até níveis ridiculamente pequenos. Alguns
não passam de uma dúzia de caras com alguns rifles AK-47 e
um telefone por satélite", afirma Kemal Saiki, diretor de Comunicação Pública da Unamid,
a missão de paz mista da ONU e
União Africana.
Até hoje são 300 mil mortos e
2,7 milhões de refugiados, lotando 200 campos nos três Estados que compõem a região de
Darfur e no vizinho Chade.
A maioria é vítima de uma
ação de árabes pastoralistas, armados pelo governo do Sudão,
contra agricultores negros de
tribos fur, de onde a região tirou o nome (literalmente, significa "casa dos fur").
Em cavalos, camelos, carros
ou aviões, essas milícias popularizaram o nome janjaweed
("os que andam a cavalo") e o
tornaram tão simbólico da matança em Darfur quanto foram
a interahamwe em Ruanda ou
as SS na Alemanha nazista.
O governo sudanês nega que
tenha patrocinado uma ação
orquestrada e reconhece "apenas" 10 mil mortos. Mas as evidências são tantas que o ditador Omar al Bashir foi indiciado no ano passado pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra e contra a humanidade (a acusação de genocídio ainda pode ser incluída).
As mortes começaram em
2003, após o surgimento de
dois grupos que pegaram em
armas para reagir ao avanço de
criadores de camelo e gado árabes sobre suas escassas terras
férteis. Darfur assiste a um processo de desertificação, e por
esse motivo alguns chamam o
conflito de "a primeira guerra
ecológica da história". O governo reagiu, armou os janjaweed
e investiu contra civis.
Paz só no papel
Após anos de guerra, acordos
de paz foram assinados com os
dois grupos rebeldes originais,
o Movimento Justiça e Igualdade e o Movimento de Libertação do Sudão. Mas a violência
agora é fragmentada. Células
rebeldes continuam operando.
As cadeias de comando e hierarquia são frágeis, e acordos de
paz são ignorados.
Do lado árabe, janjaweed insatisfeitos por não terem sido
recompensados pelo governo
fazem terrorismo avulso. Suspeita-se que um grupo desses
esteja por trás do sequestro de
quatro capacetes azuis sul-africanos, no início de abril.
Há ainda violência "comum",
com sequestradores em busca
de resgate, muitos deles veteranos da campanha de extermínio, vagando pela região.
Outra dor de cabeça para a
missão de paz internacional é a
rivalidade entre criadores de
camelo e de gado, pelo mesmo
motivo -pastagens. Detalhe:
ambos os grupos são árabes.
A ONU, que tem 14 mil homens na região, comemora "só"
3.000 mortes violentas em
2009. Numa população de 7
milhões, é uma proporção ainda alta (42 para cada 100 mil
habitantes, ou quatro vezes a de
São Paulo), mas está longe das
dezenas de milhares registradas nos primeiros anos do conflito. "Temos agora uma guerra
de baixa intensidade", diz Saiki.
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