São Paulo, domingo, 02 de junho de 2002

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Às 10h18, Tom McGinnis falou à sua mulher: "Estamos no 92º andar, numa sala da qual não conseguimos sair"

"Isso parece a Terceira Guerra Mundial"

9h02, 81º andar, torre sul, 57 minutos antes do desabamento

Sim, disse Stanley Praimnath à pessoa que lhe telefonou de Chicago, ele estava ótimo. Ele tinha deixado o saguão da Torre Sul, mas um segurança o instruíra a retornar. Agora, estava novamente sentado à sua mesa, no escritório do Banco Fuji. "Estou ótimo", ele repetiu. Conforme contaria mais tarde, foram suas últimas palavras antes de ver o avião.
Uma forma cinzenta no horizonte. Um avião, voando ao lado da Estátua da Liberdade. O jato da United Airlines foi ganhando volume, até que Praimnath conseguia enxergar a lista vermelha em sua fuselagem. Então, o avião inclinou-se lateralmente e dirigiu-se diretamente contra ele.
"Deus, você assume a direção!", ele gritou, escondendo-se debaixo de sua mesa metálica.
Às 9h03, o nariz do avião bateu de frente no andar de Praimnath, a cerca de 40 metros de sua mesa. Uma bola de fogo se formou. Partes de aço e peças de chapa de alumínio do avião viraram estilhaços incandescentes. Uma onda de explosão atirou computadores e mesas pelas janelas e arrancou fora feixes de cabos elétricos. Então a Torre Sul pareceu inclinar-se, pendendo pouco a pouco em direção ao rio Hudson, testando seu esqueleto de aço até o limite antes de voltar, com um estalido.
Na maior parte das duas torres, as escadas formavam um núcleo apertado, e, na Torre Norte, todas ficaram imediatamente cortadas ou obstruídas pela explosão. Mas, na zona de impacto da Torre Sul, do andar 78 ao 84, as escadas tinham de desviar das máquinas pesadas que moviam os elevadores. Assim, em lugar de ficarem ao lado do centro do edifício, duas das escadas foram construídas mais perto do perímetro da torre. Uma delas, no lado noroeste, sobreviveu. E foi isso que fez toda a diferença para Praimnath.
Por ter entrado num ângulo oblíquo, o avião rasgou seis andares. Três andares acima, no 84º, ficava o escritório da Euro Brokers. A maior parte do local foi reduzida a nada. Mas mesmo ali, no epicentro do impacto, outras pessoas continuavam vivas. Em minutos, se dirigiram à escada mais próxima, liderados por Brian Clark, inspetor de incêndios do andar, que tinha farolete e apito.
Uma poeira fina misturada com fumaça leve flutuava pelo vão da escada. Quando eles se aproximaram do 81º andar, recorda Clark, encontraram um homem esbelto e uma mulher pesada. ""Não dá para descer", gritou a mulher. ""Vocês têm de subir. Há fumaça e chamas demais lá embaixo."
A observação mudou tudo. Centenas de pessoas chegaram a uma conclusão semelhante, mas a fumaça e os escombros que havia no vão da escada não foram um obstáculo tão grande quanto o medo. Exatamente essa escada era a única saída do prédio, percorrendo a Torre Sul de alto a baixo. Quem tivesse encontrado a escada a tempo poderia ter saído andando, alcançando a liberdade.
Essa oportunidade não foi interpretada como tal pelo grupo de sobreviventes no hall do 81º andar, momentos após o choque do avião. Eles discutiram as alternativas. Clark iluminava o rosto de seus colegas com o farolete, perguntando a cada um: ""Para cima ou para baixo?". A discussão foi interrompida por gritos vindos do mesmo andar. "Ajudem-me, ajudem-me!", gritava Praimnath. ""Estou preso. Não me deixem!".
Sem falar mais nada, o grupo que estava na escada se separou, partindo em direções diferentes.
Praimnath viu a luz do farolete e se arrastou até ela. Finalmente, ele chegou até uma parede danificada que o separava do homem segurando o farolete, Clark.
Os dois destruíram juntos o obstáculo. Eles correram até a escada e começaram a descer.
Enquanto isso, o grupo que havia subido não conseguia sair da escada -as portas não se abriam. Exaustas, respirando fumaça espessa, todas se deitaram, incluindo Ronald DiFrancesco, da Euro Brokers. ""Todo mundo estava começando a dormir", contou. Então ele se sentou, pensando: ""Preciso ver minha mulher e meus filhos outra vez". E correu escada abaixo, se salvando.

9h05, 78º andar, torre sul, 54 minutos antes do desabamento

Mary Jos não sabe dizer ao certo quanto tempo ficou deitada, desmaiada, no chão do Sky Lobby -um saguão central no 78º andar-, diante do elevador expresso. O primeiro momento em que se recorda de ter se mexido foi quando sentiu o calor queimando suas costas e seu rosto. Pensou que talvez estivesse pegando fogo. Instintivamente, rolou para sufocar as chamas. Viu fogo ardendo no centro do ambiente e nos poços dos elevadores.
Isso já era suficientemente apavorante. Mas, em seguida, ela foi pouco a pouco enxergando algo ainda pior. O saguão central, que, minutos antes, estivera repleto de pessoas, indecisas se deveriam deixar o edifício ou voltar ao trabalho, agora estava repleto de corpos imóveis. O teto, as paredes, as janelas, o balcão de informações, até mesmo o mármore que enfeitava os elevadores estavam destruídos, depois que o segundo avião sequestrado passara a ponta de sua asa pelo 78º andar.
Num instante, contam as testemunhas, elas se depararam com um clarão de luz, uma explosão de ar quente e uma onda de choque que derrubou tudo. Deitada em meio ao silêncio mortal, queimada e sangrando, Mary Jos pensava em uma única coisa: seu marido. ""Não vou morrer", disse ela, recordando suas palavras.
Nos 16 minutos que se passaram entre os dois ataques, as pessoas na Torre Sul mal tiveram tempo de absorver os horrores que viam e decidir o que fazer.
Na corretora Keefe, Bruyette & Woods, quase todo o departamento de investimentos deixou o prédio -e sobreviveu. Quase todos os corretores de ações ficaram -e morreram.
Nos momentos que antecederam o segundo impacto, todos que estavam no Sky Lobby se aprontavam para subir ou para descer. Kelly Reyher, que trabalhava no 100º andar, na Aon Corporation, entrou no elevador local, que estava subindo. Queria pegar sua agenda eletrônica, já que imaginava que pudesse levar algum tempo até conseguir voltar ao escritório. Judy Wein e Gigi Singer, também da Aon, discutiram se deveriam ou não voltar para o 103º andar para buscar suas carteiras. Mas seu colega Howard L. Kestenbaum lhes disse para esquecer a idéia e falou que lhes daria o dinheiro para o táxi.
No instante do impacto, um saguão agitado, repleto -pelas estimativas de testemunhas, havia entre 50 e 200 pessoas no local-, ficou escuro, em silêncio e praticamente sem vida. Algumas poucas pessoas sobreviveram, pois se protegeram numa reentrância.
Quando Judy Wein voltou a si, descobriu que seu braço direito estava quebrado, três costelas estavam fraturadas e seu pulmão direito tinha sido perfurado. Em outras palavras, tivera sorte. À sua volta, via pessoas com ferimentos medonhos, mortas ou quase mortas. Wein gritou, procurando seu chefe, o senhor Kestenbaum. Quando o encontrou, ele estava em silêncio, imóvel, sem expressão alguma no rosto.
Pouco a pouco, quem conseguia começou a se mover. Um homem desconhecido surgiu em cena, com a boca e o nariz cobertos por um lenço vermelho. Ele procurava o extintor de incêndio. Conforme recorda Judy Wein, ele apontou para as escadas e disse algo que salvou vidas: "Quem conseguir andar levante e saia andando agora. Quem conseguir ajudar encontre alguém que precisa de ajuda e depois desça".
Das dezenas de pessoas que estavam aguardando no Sky Lobby quando o segundo avião atingiu a Torre Sul, sabe-se que 12 conseguiram escapar com vida.

9h38, 93º e 97º andar, torre sul, 21 minutos antes do desabamento

"Tome cuidado, Ed", gritou Alayne Gentul, diretora de recursos humanos do Fiduciary Trust, quando Edgar Emery escorregou da mesa sobre a qual estivera em pé, caindo no chão cada vez mais quente e esfumaçado do 97º andar da Torre Sul.
Para retirar os funcionários do Fiduciary que trabalhavam nesse andar, Emery e Gentul tinham subido sete andares, desde seus próprios escritórios. Agora eles dois e os seis ou sete funcionários que tentavam salvar estavam em muito maus lençóis.
Entre os fadados a morrer, conforme deixam claro os telefonemas, as mensagens e os depoimentos, havia muitas pessoas que se colocaram em risco porque pararam para dar uma mão a colegas de trabalho ou desconhecidos. Outros agiram com grande ternura quando não havia mais esperança de saída. Gentul e Emery, do Fiduciary, cujos escritórios iam do 90º ao 97º andar, tinham optado por ajudar seus colegas.
Conhecido por sua calma em emergências, Emery começou a levar pessoas para a escada, incluindo Anne Foodim, do departamento de recursos humanos, que relatou os acontecimentos. Eles desceram 12 andares, até o 78º andar e o elevador expresso, com Emery incentivando-os.
""Se você conseguiu fazer quimio, então consegue descer esses degraus", disse Emery a Foodim, exausta, que acabava de completar uma rodada de quimioterapia. Quando eles finalmente chegaram ao elevador lotado do 78º andar, Emery certificou-se de que todos tinham entrado. Ele apertou o ombro de Foodim, num gesto de amizade, e deixou a porta fechar. Então tornou a subir, indo juntar-se a Alayne Gentul.
Como ele, Gentul conduziu um grupo para fora antes de o segundo avião atingir o edifício. Uma recepcionista, Mona Dunn, a viu no 90º andar, onde funcionários estavam discutindo se deixavam o prédio ou não. Gentul decidiu a questão instantaneamente. "Desçam, e em ordem", ela falou, indicando a escada. ""Foi como se a professora tivesse dito que podíamos sair", recordou Dunn.

9h45, 105º andar, torre sul, 14 minutos antes do desabamento

Para as pessoas que estavam nos andares superiores, a cobertura parecia ser a escolha óbvia -e a única viável. Um helicóptero da polícia tinha retirado pessoas da cobertura da torre norte em fevereiro de 1993, depois da explosão de uma bomba terrorista no subsolo. Mas, naquela manhã, os comandantes da polícia excluíram a possibilidade de resgate aéreo.
Seja qual for o grau de acerto ou erro da decisão, ela foi um choque para muitas pessoas que se viram presas nas torres, de acordo com seus familiares e o resumo das chamadas feitas ao número 911 (emergências). Apenas algumas poucas se deram conta de que a escada A poderia levá-las até o solo em segurança, e a informação não chegou a subir de volta, transmitida por quem estava escapando ou pelas autoridades. Frank Doyle, um corretor de ações na Keefe, Bruyette & Woods, telefonou para sua mulher, Kimmy Chedell, para lembrar do amor que tinha por ela e seus filhos. Ela recorda que ele também disse: ""Subi até a cobertura, mas as portas estão trancadas. Você precisa ligar para o 911 e contar a eles que estamos presos aqui".
O 105º andar foi a última parada para muitas das pessoas que tinham subido em direção à cobertura, uma turma formada, em sua maioria, por funcionários da Aon. Sean Rooney telefonou para Beverly Eckert. Tinham acabado de completar 50 anos juntos.
Rooney tentara descer, mas não conseguira. Então subira cerca de 30 andares, até chegar à cobertura, com sua porta trancada. Agora queria mapear uma rota de saída, então pediu à mulher que descrevesse a localização do incêndio, seguindo as imagens que ela estava vendo na TV. Ele não entendia a razão de a porta da cobertura estar trancada, ela contou. Eckert lhe implorou que tentasse de novo, enquanto ela ligava para o 911 na outra linha. Ele pôs o telefone no chão, mas voltou minutos mais tarde, dizendo que a porta não cedera.
"Ele estava preocupado com as chamas", recordou Eckert. "Fiquei falando que não estavam sequer perto delas. Ele dizia: "Mas as janelas estão quentes". Sua respiração estava ficando ofegante." O teto estava desabando. O chão se retorcia e levantava. Os telefonemas foram sendo cortados. Sean Rooney estava só, numa sala que estava rapidamente se enchendo de fumaça. Eles se despediram. ""Ele estava me dizendo que me amava. Então deu para ouvir uma explosão bem alta."

10h, 92º andar, torre norte, 28 minutos antes do desabamento

""Mãe", perguntou Jeffrey Nussbaum, ""isso foi uma explosão?"
A 32 quilômetros de distância do WTC, em Oceanside, Nova York, Arline Nussbaum podia ver na televisão o que seu filho, a 50 metros de distância, não conseguia. Ela se recorda das últimas palavras de ambos: ""A outra torre acaba de desabar", disse Arline Nussbaum. ""Oh, meu Deus", falou seu filho. ""Eu te amo."
Então o telefone ficou mudo.
A Torre Norte, que tinha sido atingida 18 minutos antes da Sul, ainda estava em pé. Estava morrendo -mais devagar, mas tão certeiramente quanto sua gêmea. Os chamados diminuíam. Aumentava o número de pessoas que caíam das janelas.
Naquela manhã, o escritório da Carr Futures, no 92º andar, estivera mais cheio do que de costume, com 68 pessoas.
Cerca de 24 corretores tinham sido convocados para uma reunião especial às 8h. Quando o edifício se projetou para a frente e para trás, como uma antena de automóvel, as molduras das portas se torceram e emperraram, trancando vários deles dentro de uma sala de conferências.
Os funcionários restantes da Carr, cerca de 40, migraram para um espaço grande no lado oeste do edifício. Jeffrey Nussbaum telefonou para sua mãe e dividiu seu celular com Andy Friedman. As famílias de funcionários da Carr já contabilizaram ao todo 31 chamados dos familiares que perderam, de acordo com Joan Dincuff, que perdeu o filho Christopher.
A Carr ficava dois andares abaixo da zona de impacto, e todos que estavam lá sobreviveram ao impacto. Mas as pessoas não conseguiram sair. Entre 10h05 e 10h25, como mostram os vídeos, o fogo espalhou-se para oeste, atravessando a face norte do 92º andar e aproximando-se do local onde as pessoas estavam.
Às 10h18, Tom McGinnis, um dos corretores que tinha sido convocado para a reunião especial, conseguiu falar com sua mulher, Iliana McGinnis. As palavras que eles trocaram ficaram gravadas na memória dela.
""A coisa está parecendo realmente feia, feia mesmo", disse ele.
""Eu sei", respondeu Iliana, que acalentara a esperança de que a reunião de seu marido tivesse terminado antes do choque do avião. ""Isso parece a Terceira Guerra Mundial." Alguma coisa no tom da resposta de seu marido a deixou alarmada. ""Você está bem? Sim ou não?", ela perguntou. ""Estamos no 92º andar, numa sala da qual não conseguimos sair", disse McGinnis. ""Quem está com você?", ela perguntou. McGinnis mencionou três velhos amigos: Joey Holland, Brendan Dolan e Elkin Yuen. ""Eu te amo", disse McGinnis. ""Cuide bem de Caitlin." Mas Iliana ainda não estava disposta a ouvir um adeus.
""Não perca a calma", ela o encorajou. ""Vocês aí são tão durões, você é sempre cheio de idéias. Vocês vão conseguir sair daí."
""Você não entende", respondeu McGinnis. ""Há pessoas pulando dos andares acima de nós."
Eram 10h25. O fogo devorava o lado oeste do 92º andar. As pessoas caíam das janelas. McGinnis voltou a dizer a sua mulher que amava a ela e à filha deles, Caitlin.
""Não desligue", implorou Iliana. ""Tenho de me deitar no chão", disse McGinnis.
Com isso, a conexão telefônica se desfez. Eram 10h26, dois minutos antes de a torre desabar. O World Trade Center caíra em silêncio.



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