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IRAQUE SOB TUTELA
Após seis meses preso, ex-ditador mantém altivez, desafia juiz e diz que audiência é parte de campanha de Bush
"Isso tudo é um teatro", diz Saddam na corte
DA REDAÇÃO
Abatido, mas com ar desafiador, o ex-ditador Saddam Hussein reapareceu ontem diante das
câmeras pela primeira vez desde
sua captura pelos EUA, há mais
de seis meses, para ouvir as acusações da corte criada no Iraque para julgá-lo. "Isso tudo é um teatro
do Bush, o criminoso, para ajudá-lo em sua campanha", disse, citando o presidente norte-americano, em trecho não gravado do
depoimento.
A Casa Branca ignorou as acusações, limitando-se a declarar,
por meio do porta-voz Scott
McClellan, que "o importante é
que Saddam Hussein enfrentará a
Justiça do povo iraquiano".
Em quase meia hora de audiência, Saddam manteve-se calmo,
questionou a legalidade da corte,
das leis que seriam usadas, e se fez
de desentendido diante das acusações, sempre mantendo a altivez, conforme relato de jornalistas presentes e imagens gravadas
e exibidas em TVs do mundo todo ao fim dos procedimentos.
Suas primeiras palavras diante
do juiz, ao ser indagado sobre sua
identidade, foram: "Sou Saddam
Hussein al Majid, presidente do
Iraque". O juiz pediu que o escrivão registrasse "ex-presidente".
O julgamento de Saddam é o
primeiro ato de peso do novo governo iraquiano, que assumiu na
segunda com o título de "soberano", mas segue sob tutela dos
EUA. Entre as sentenças possíveis
para o ex-ditador, está a pena de
morte, cuja reinstauração (os
EUA a suspenderam) está sendo
discutida pelo gabinete.
A audiência de ontem serviu
apenas para que as queixas contra
Saddam fossem apresentadas
-na véspera, em uma primeira
audiência fechada e não gravada,
ele havia se apresentado oficialmente ao tribunal. As acusações
remontam a campanhas de assassinato e de extermínio praticadas
durante os 35 anos de ditadura do
partido Baath, o qual ele liderava e
pelo qual se manteve na Presidência entre 1979 e o ano passado.
É possível que haja mudanças
até que o ex-ditador seja indiciado oficialmente -o que deve demorar meses-, mas, a princípio,
são sete as queixas contra ele: a invasão do Kuait, em 1990; a repressão violenta de um levante xiita e
de um levante curdo após a Guerra do Golfo em 1991; uma campanha de "limpeza étnica" contra os
curdos que matou dezenas de milhares de pessoas entre 1987 e
1988; o uso de gás tóxico na cidade
curda de Halabja (1988); o assassinato de diversos líderes e ativistas
políticos; o assassinato premeditado de uma série de líderes religiosos em 1974 e o massacre de
cerca de 8.000 membros do clã
curdo Barzani em 1983.
Saddam foi levado ao tribunal,
montado em um antigo palácio
bagdali usado como base militar
pelos EUA, sob forte esquema de
segurança. Ele segue sob guarda
americana em um local ignorado,
embora sua custódia legal tenha
sido passada aos iraquianos.
O ex-ditador, de 67 anos, chegou ao palácio vestindo um macacão azul de prisioneiro, mas recebeu uma camisa social branca e
um terno cinza-chumbo -comprados em uma loja popular-
para não ser exibido de maneira
humilhante ou pomposa. Por isso
as algemas usadas no trajeto até a
corte foram retiradas antes de ele
entrar no foco das câmeras. Segundo autoridades iraquianas, todo o julgamento, que deve levar
anos, será televisionado.
Apesar de parecer cansado, trazendo o rosto mais marcado e
bolsas maiores sob os olhos do
que nos tempos em que governava o Iraque, a imagem do ex-ditador contrastava com aquela exibida no momento de sua prisão, em
dezembro. Em lugar do Saddam
desorientado, sujo e desgrenhado
sob poder dos EUA, surgiu um
homem lúcido e contundente em
suas declarações.
Enquanto ouvia o juiz, fazia
anotações em um bloquinho
amarelo. Às vezes, permanecia silencioso por momentos, Às vezes,
tentava interromper. Quando foi
confrontado com as acusações,
recusou-se a assinar o documento, dizendo que seus advogados
não estavam presentes -a equipe de defesa, formada por 20 profissionais de diferentes países nomeados por sua mulher, não viajou ao Iraque.
No fim da audiência, Saddam
foi encaminhado a um veículo
militar blindado, que o levaria até
o helicóptero no qual retornaria à
prisão. Depois se seguiram as audiências dos outros 11 acusados
-entre eles o ex-vice-premiê Tareq Aziz e o ex-general Ali Hassan
al Majid, o "Ali Químico".
Em outros locais do país, a violência prosseguiu com a morte de
um marine, a de um soldado de
nacionalidade não identificada e a
de dois guardas iraquianos em diferentes ataques da insurgência.
Na capital, o general George Casey assumiu o lugar de Ricardo
Sanchez no comando das tropas
americanas no país.
Com agências internacionais
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