São Paulo, sexta-feira, 02 de julho de 2004

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Defesa ataca legitimidade do tribunal

RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK

Os advogados do ex-ditador Saddam Hussein, contratados por sua mulher, Sajida Khairallah, questionaram ontem a legitimidade do tribunal instalado para julgá-lo e disseram que a guerra que o tirou do poder foi ilegítima e que, portanto, Saddam continua sendo o presidente do Iraque legalmente.
Tim Hughes, advogado britânico do ex-ditador, questionou a legitimidade do tribunal estabelecido para o julgamento, pondo em xeque a veracidade da soberania do atual governo iraquiano.
"Afirmamos que o regime atual não tem fundamento na lei. E as forças da coalizão ainda estão no Iraque", declarou. "O atual governo iraquiano é um governo interino. Não temos o devido Estado soberano. Vamos argumentar que Saddam continua sendo o presidente do Iraque devido à guerra ilegal que depôs o governo [que ele liderava]."
Integrantes da Anistia Internacional e do grupo Human Rights Watch criticaram o sistema jurídico estabelecido no Iraque para o julgamento de Saddam.
Eles pediram maior envolvimento internacional no julgamento e afirmaram que Saddam deveria ter tido direito a um advogado na sua primeira audiência.
Richard Dicker, diretor do programa de Justiça internacional do Human Rights Watch, disse à Folha que Saddam tem direito a um advogado mesmo nos processos iniciais anteriores ao julgamento.
"Ele não assinou [o documento dado a ele pelo juiz iraquiano], e não acredito que muitas pessoas tivessem assinado o documento sem o acompanhamento de um advogado", declarou Dicker.
Said Boumedouha, da Anistia Internacional, afirmou que vê com preocupação a alegação dos cerca de 20 advogados de Saddam que estão na Jordânia. Eles disseram ainda não ter tido permissão para entrar no Iraque.
Dicker também vê problemas no modelo adotado para o julgamento de Saddam. Ele diz que o documento de criação do tribunal vê como legítimas provas conseguidas por meio do uso de tortura. Os dois especialistas criticaram a possibilidade de a pena de morte ser aplicada a Saddam.
Tanto Boumedouha quanto Dicker declaram ainda que o Iraque não tem experiência em julgamentos independentes. "Não houve tribunais livres no país por anos", diz o representante do Human Rights Watch.
Ambos disseram defender uma participação maior das Nações Unidas no julgamento. Dicker afirmou não ser favorável à remoção da corte do Iraque, mas disse que juízes indicados pela ONU deveriam participar do processo ao lado de autoridades iraquianas. Segundo ele, "o governo americano não queria nada que sugerisse participação internacional no processo". "Eles [os americanos] não gostam do multilateralismo e menos ainda de cortes internacionais", afirmou.
Já Helle Dale, diretora de política externa e estudos de defesa da Fundação Heritage -um dos principais centros de estudos de direita dos EUA-, disse considerar legítimo o tribunal instalado no Iraque. "Não acredito que seus direitos estejam sendo violados", afirmou Dale sobre Saddam.
Ela disse acreditar que o julgamento do ex-ditador "possa ajudar a administração" de George W. Bush, que é candidato à reeleição. Isso porque, ela afirma, o processo trará à tona provas dos "crimes horrendos" de Saddam e reforçará o argumento da necessidade da Guerra do Iraque.


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