São Paulo, domingo, 02 de julho de 2006

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Defensor de autonomia estatal vê tentativa de autoritarismo

DO ENVIADO A SANTA CRUZ

Um dos líderes emergentes da oposição boliviana, o senador cruzenho Oscar Ortiz, 36, do Podemos, defende que o resultado do referendo de hoje seja levado em conta a partir de cada departamento e acusa o governo Evo Morales de querer usar a Constituinte para legalizar um regime autoritário. A seguir, a entrevista concedida na quinta-feira à Folha na sede do Podemos, principal agremiação oposicionista, que, após a eleição presidencial de dezembro, se mudou de La Paz para Santa Cruz. (FM)  

FOLHA - Por que o referendo deve ser considerado pelos resultados de cada um dos departamentos?
OSCAR ORTIZ
- O referendo está orientado como uma consulta para estabelecer autonomias departamentais. Isso é um processo longo, de três anos, quando a Assembléia Constituinte ainda não estava convocada. No ano passado, houve um acordo para convocar a Assembléia e o referendo para 2 de julho. Neste ano, chegamos a um acordo sobre a pergunta. E ela fala claramente de vinculação departamental: basta que o "sim" ganhe num departamento para que a Constituição tenha de criar um regime de autonomia para esse departamento. E o "sim" ganhará em mais de um.

FOLHA - O governo de Evo Morales tem uma interpretação diferente da pergunta e deve ter pelo menos uma maioria simples na Assembléia. Como fica o cenário político?
ORTIZ
- A nossa grande preocupação é que não vemos um projeto autenticamente democrático adiante. É um projeto da linha de Chávez [presidente da Venezuela], que busca uma hegemonia para que a democracia legalize uma ditadura. O presidente Chávez disse a eles: "Tenham 80% da Assembléia Legislativa", e o vice-presidente, Alvaro García Linera, repete a mesma coisa. Com a Assembléia, eles querem constitucionalizar a sua visão, não a visão do conjunto boliviano, sobre como deve ser o país. Eles querem dar uma embalagem democrática para um regime autoritário.

FOLHA - De que forma o governo agiu durante a campanha eleitoral?
ORTIZ
- Temos um governo que basicamente não respeita a lei, que segue o modelo de Hugo Chávez. Aqui, se estão somando várias coisas: por um lado, o presidente Chávez vem para um ato, no qual presenteia com computadores, o que é contrário à nossa lei. Em segundo lugar, aparece a PDVSA [estatal petrolífera venezuelana] fazendo propaganda, comprando os direitos de transmissão da Copa do Mundo para a zona rural e, no último mês, ela inunda de propaganda todos os canais televisivos. E a PDVSA não tem nenhuma operação na Bolívia. Além disso, temos todos os ministérios fazendo propaganda, usando a loa "Evo cumpre", falando da Constituinte. E a último que apareceu foi a campanha do MAS (Movimento ao Socialismo) -a única que deveria ter ocorrido. Agora, o canal 7, estatal, só transmite os atos do presidente, dissimulados como atos de governo, mas fala das eleições, critica os opositores e ainda transmite o programa [de Chávez] "Alô, Presidente" durante cinco horas. Para a oposição, não deram nenhum minuto. Estamos em absoluta desigualdade de condições.

FOLHA - O governo de Santa Cruz produziu material de campanha em favor do "sim" no referendo, como cartazes e adesivos. Também não é uso de dinheiro público?
ORTIZ
- É preciso confirmar com o governo, mas tenho entendido que, em boa parte dessa campanha, o governo pediu o apoio de atores privados.

FOLHA - Mas é a marca do governo em propaganda política.
ORTIZ
- Pela primeira vez em 180 anos nós elegemos um governador. É o primeiro passo das autonomias. É natural que eles queiram a vitória do "sim", porque, sem isso, não têm razão de existir. Eles foram eleitos, mas não receberam mais poderes e recursos. Para que isso ocorra, é necessário mudar a Constituição e incluir um capítulo criando os governos departamentais.


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