São Paulo, sábado, 02 de setembro de 2006

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China muda ênfase de livros de história

Novos textos didáticos do 2º grau reduzem espaço de revoluções e guerras a favor de tecnologia e economia globalizada

Volumes revistos, que serão introduzidos nas histórias de Xangai no próximo semestre letivo, provocam debate entre historiadores

JOSEPH KAHN
DO "NEW YORK TIMES", EM PEQUIM

O novo texto padrão dos livros didáticos de Xangai sobre a história mundial deixa de fora guerras, dinastias e revoluções comunistas, em favor de matérias didáticas e coloridas sobre economia, tecnologia, costumes sociais e globalização. O socialismo foi reduzido a um único e curto capítulo no livro de história do segundo grau. O comunismo chinês anterior à reforma econômica iniciada em 1979 é coberto em uma só sentença. O texto só menciona Mao uma vez -num capítulo sobre etiqueta.
Os autores das modificações dizem que elas fazem parte de um esforço para promover uma visão mais estável e menos violenta da história chinesa, que se adequaria às metas econômicas e políticas de hoje. Os livros didáticos chineses mudaram pouco no último quarto de século, marcado pelas reformas de mercado.
Mas os críticos das inovações dizem que os novos livros trocaram uma agenda política por outra. Para eles, os livros não reescrevem a história tanto quanto a reduzem. Os novos textos focalizam idéias e palavras de ordem que dominam o discurso oficial: crescimento econômico, inovação, comércio exterior, estabilidade política, respeito por culturas diversas e harmonia social.
J.P. Morgan, Bill Gates, a Bolsa de Valores de Nova York, o ônibus espacial e o trem-bala japonês ganham destaque. As revoluções Francesa e Bolchevique, no passado vistas como momentos de virada, agora passam a merecer muito menos atenção. Mao, a Longa Marcha, a opressão colonial da China e o Massacre de Nanquim são ensinados apenas num currículo comprimido, nos últimos anos do ensino fundamental.
"Nossa versão tradicional da história focalizava a ideologia e a identidade nacional", comentou o historiador Zhu Xueqin, da Universidade de Xangai. "A nova história é menos ideológica, e isso se enquadra às metas políticas de hoje." As mudanças se limitam a Xangai, pelo menos num primeiro momento. Mas os livros didáticos vêm promovendo uma discussão acalorada entre historiadores, antes de sua introdução plena no semestre letivo que começa no outono.
Alguns estudiosos criticaram o que viram como uma tentativa de minimizar a história como um todo. A história chinesa e mundial na segunda parte do ensino fundamental foi comprimidas em dois anos, em lugar dos três anteriores, e o único ano do ensino médio em que os alunos estudam história agora focaliza culturas, idéias e civilizações. "O livro didático de história no ensino fundamental castra a história, enquanto o do ensino médio a elimina por completo", escreveu um professor de história numa discussão online. Zhou Chunsheng, professor da Universidade Normal de Xangai e um dos principais autores da nova série de livros, disse que seu objetivo foi resgatar a história da ênfase tradicional sobre líderes e guerras, fazendo dos povos e das sociedades seu tema central. "A história não pertence aos imperadores e generais", disse ele. "Pertence ao povo." Zhou disse que os novos livros seguem as idéias do historiador francês Fernand Braudel, que advogou a inclusão da religião, dos costumes, da economia e da ideologia em uma nova "história total".
Os livros ainda dizem que o socialismo tem um "futuro glorioso". Mas o conceito é reduzido a um em 52 capítulos no livro do ensino médio. Hoje os alunos estudam Mao Tsé-tung -ainda reverenciado oficialmente como o fundador da China moderna- apenas na segunda parte do ensino fundamental. No livro de história do ensino médio, ele é mencionado na aula sobre o costume de se hastear as bandeiras a meio-pau durante funerais de Estado como o dele, em 1976.
Os novos livros didáticos deixam de fora marcos da história antiga. Os estudantes de Xangai não vão mais aprender que Qin Shihuang, que unificou o país e se tornou o primeiro imperador da China, ordenou uma campanha para queimar livros e matar estudiosos, com o objetivo de erradicar a resistência dos intelectuais a seu governo.
Fatos e personalidades históricas foram substituídos por referências a costumes. "Você preferiria que os estudantes lembrassem o estilo das vestes da Antiguidade, ou que soubessem que a dinastia Qin unificou a China em 221 a.C.?", disse um professor num fórum online.
As revisões feitas em Xangai não respondem a preocupações sobre parcialidade. Os novos livros reduzem a importância de erros e atrocidades como a Revolução Cultural e a repressão às manifestações pacíficas pró-democracia em 1989.
Segundo críticos, os novos livros didáticos diminuem a ênfase dada às mudanças dinásticas e lutas camponesas porque a atual liderança chinesa prefere criar a impressão de que a China sempre se interessou mais por inovação, tecnologia e relacionamentos comerciais com o mundo externo.


Tradução de CLARA ALLAIN


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