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China muda ênfase de livros de história
Novos textos didáticos do 2º grau reduzem espaço de revoluções e guerras a favor de tecnologia e economia globalizada
Volumes revistos, que serão introduzidos nas histórias de Xangai no próximo semestre letivo, provocam debate entre historiadores
JOSEPH KAHN
DO "NEW YORK TIMES", EM PEQUIM
O novo texto padrão dos livros didáticos de Xangai sobre
a história mundial deixa de fora
guerras, dinastias e revoluções
comunistas, em favor de matérias didáticas e coloridas sobre
economia, tecnologia, costumes sociais e globalização. O
socialismo foi reduzido a um
único e curto capítulo no livro
de história do segundo grau. O
comunismo chinês anterior à
reforma econômica iniciada
em 1979 é coberto em uma só
sentença. O texto só menciona
Mao uma vez -num capítulo
sobre etiqueta.
Os autores das modificações
dizem que elas fazem parte de
um esforço para promover
uma visão mais estável e menos
violenta da história chinesa,
que se adequaria às metas econômicas e políticas de hoje. Os
livros didáticos chineses mudaram pouco no último quarto
de século, marcado pelas reformas de mercado.
Mas os críticos das inovações
dizem que os novos livros trocaram uma agenda política por
outra. Para eles, os livros não
reescrevem a história tanto
quanto a reduzem. Os novos
textos focalizam idéias e palavras de ordem que dominam o
discurso oficial: crescimento
econômico, inovação, comércio exterior, estabilidade política, respeito por culturas diversas e harmonia social.
J.P. Morgan, Bill Gates, a
Bolsa de Valores de Nova York,
o ônibus espacial e o trem-bala
japonês ganham destaque. As
revoluções Francesa e Bolchevique, no passado vistas como
momentos de virada, agora
passam a merecer muito menos atenção. Mao, a Longa
Marcha, a opressão colonial da
China e o Massacre de Nanquim são ensinados apenas
num currículo comprimido,
nos últimos anos do ensino
fundamental.
"Nossa versão tradicional da
história focalizava a ideologia e
a identidade nacional", comentou o historiador Zhu Xueqin,
da Universidade de Xangai. "A
nova história é menos ideológica, e isso se enquadra às metas
políticas de hoje."
As mudanças se limitam a
Xangai, pelo menos num primeiro momento. Mas os livros
didáticos vêm promovendo
uma discussão acalorada entre
historiadores, antes de sua introdução plena no semestre letivo que começa no outono.
Alguns estudiosos criticaram
o que viram como uma tentativa de minimizar a história como um todo. A história chinesa
e mundial na segunda parte do
ensino fundamental foi comprimidas em dois anos, em lugar dos três anteriores, e o único ano do ensino médio em que
os alunos estudam história agora focaliza culturas, idéias e civilizações.
"O livro didático de história
no ensino fundamental castra a
história, enquanto o do ensino
médio a elimina por completo",
escreveu um professor de história numa discussão online.
Zhou Chunsheng, professor
da Universidade Normal de
Xangai e um dos principais autores da nova série de livros,
disse que seu objetivo foi resgatar a história da ênfase tradicional sobre líderes e guerras, fazendo dos povos e das sociedades seu tema central. "A história não pertence aos imperadores e generais", disse ele. "Pertence ao povo."
Zhou disse que os novos livros seguem as idéias do historiador francês Fernand Braudel, que advogou a inclusão da
religião, dos costumes, da economia e da ideologia em uma
nova "história total".
Os livros ainda dizem que o
socialismo tem um "futuro glorioso". Mas o conceito é reduzido a um em 52 capítulos no livro do ensino médio. Hoje os
alunos estudam Mao Tsé-tung
-ainda reverenciado oficialmente como o fundador da
China moderna- apenas na segunda parte do ensino fundamental. No livro de história do
ensino médio, ele é mencionado na aula sobre o costume de
se hastear as bandeiras a meio-pau durante funerais de Estado
como o dele, em 1976.
Os novos livros didáticos deixam de fora marcos da história
antiga. Os estudantes de Xangai
não vão mais aprender que Qin
Shihuang, que unificou o país e
se tornou o primeiro imperador da China, ordenou uma
campanha para queimar livros
e matar estudiosos, com o objetivo de erradicar a resistência
dos intelectuais a seu governo.
Fatos e personalidades históricas foram substituídos por referências a costumes. "Você
preferiria que os estudantes
lembrassem o estilo das vestes
da Antiguidade, ou que soubessem que a dinastia Qin unificou
a China em 221 a.C.?", disse um
professor num fórum online.
As revisões feitas em Xangai
não respondem a preocupações
sobre parcialidade. Os novos livros reduzem a importância de
erros e atrocidades como a Revolução Cultural e a repressão
às manifestações pacíficas pró-democracia em 1989.
Segundo críticos, os novos livros didáticos diminuem a ênfase dada às mudanças dinásticas e lutas camponesas porque
a atual liderança chinesa prefere criar a impressão de que a
China sempre se interessou
mais por inovação, tecnologia e
relacionamentos comerciais
com o mundo externo.
Tradução de CLARA ALLAIN
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