|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Falta de sobreviventes "estressa" cães
SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK
Eles são os primeiros a chegar
aos escombros e os últimos a sair.
Nunca reclamam, não ficam chocados e custam pouquíssimo ao
governo. São os verdadeiros heróis entre as equipes de resgate do
World Trade Center. São os cachorros, que chegam divididos
em duas turmas: os farejadores de
seres vivos e os de cadáver.
Os animais fazem parte da divisão K-9, da Unidade de Serviços
de Emergência da Polícia de Nova
York. O nome é um trocadilho
com a pronúncia da sigla em inglês e a palavra "canine" (canino).
Essa é de longe a tarefa mais importante da divisão, que usualmente age em aeroportos, shows e
ameaças de bomba. São 350 cachorros, a maioria labradores e
pastores. Entre eles a estrela absoluta é Porkchop (costeleta de porco), um pastor australiano de um
ano, que nas horas livres gosta de
assistir ao Discovery Channel.
Um dos mais hábeis, ele é enviado
em uma cestinha suspensa aos lugares mais profundos e perigosos.
Segundo cálculos da Prefeitura
de Nova York, pode haver até 1
milhão de pedaços de corpos nos
escombros dos prédios. Isso criou
um problema para a divisão K-9.
A cada corpo (inteiro ou não) que
os cachorros farejadores de cadáver acham, eles ganham um agrado. A recompensa geralmente
vem em forma de ração ou outro
tipo de comida. Há tantos pedaços de gente sendo achados que a
polícia teme que sua matilha acabe engordando além da conta.
A outra complicação deriva de
outro fato igualmente triste. A última sobrevivente localizada pelas
equipes de resgate foi retirada dos
escombros no dia seguinte ao ataque. Desde então, ninguém mais
foi encontrado vivo.
Isso estressou os cachorros farejadores de gente viva. Eles se sentem fracassados na função para a
qual foram treinados. Assim, os
policiais combinaram uma pantomima com os bombeiros. Esses
se escondem sob lonas, para que
os cães os "achem" e sejam recompensados.
Os animais chegam para trabalhar às 5h e só saem depois de escurecer. "São os que mais tempo
passam nas ruínas", disse à Folha
o policial Justin Harvin, que dá
plantão nos escombros.
"Cheguei antes deles hoje, mas a
gente consegue alternar com outros colegas e parar para almoçar,
tomar café, usar o banheiro. A cachorrada vem sem idéia de que
horas o dia vai acabar. Eles trabalham muito mais duro do que
qualquer um de nós e não têm
sindicato", afirmou Harvin.
Subordinada à Divisão de Operações Especiais, a K-9 existe há
vários anos e é uma das mais populares da polícia. Tanto que a entrada dos cães na cena do crime
tem de ser mudada a cada dois
dias: uma vez descoberta, a rua
por que chegam enche.
"Quando sabem que o trabalho
dos cachorros é um sucesso e que
eles às vezes se machucam, as pessoas começam a fazer plantão
aqui, trazendo comida, biscoitos,
cobertores, brinquedos", disse o
policial John Mortimer.
Além de terem o olfato treinado,
os cachorros devem reaprender a
andar. Normalmente, um cão enfia as garras no chão ao correr.
Não os da K-9. Sabem caminhar
com as patas afastadas, para não
mudar a superfície em que estão
nem se desequilibrar.
Terminado o dia, os times caninos voltam para o Centro de Convenções Jacob Javits, onde estão
acampados. Antes de irem dormir, passam pela avaliação de
uma equipe de veterinários.
Na porta, há uma faixa, pintada
pelos bombeiros: "Para o melhor
amigo do homem, que está enfrentando o maior inimigo da humanidade. Deus os abençoe".
Texto Anterior: Giuliani busca apoio em reunião da ONU Próximo Texto: Fundos ligam Bin Laden a atentados Índice
|