São Paulo, terça-feira, 02 de outubro de 2001

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Falta de sobreviventes "estressa" cães

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

Eles são os primeiros a chegar aos escombros e os últimos a sair. Nunca reclamam, não ficam chocados e custam pouquíssimo ao governo. São os verdadeiros heróis entre as equipes de resgate do World Trade Center. São os cachorros, que chegam divididos em duas turmas: os farejadores de seres vivos e os de cadáver.
Os animais fazem parte da divisão K-9, da Unidade de Serviços de Emergência da Polícia de Nova York. O nome é um trocadilho com a pronúncia da sigla em inglês e a palavra "canine" (canino).
Essa é de longe a tarefa mais importante da divisão, que usualmente age em aeroportos, shows e ameaças de bomba. São 350 cachorros, a maioria labradores e pastores. Entre eles a estrela absoluta é Porkchop (costeleta de porco), um pastor australiano de um ano, que nas horas livres gosta de assistir ao Discovery Channel. Um dos mais hábeis, ele é enviado em uma cestinha suspensa aos lugares mais profundos e perigosos.
Segundo cálculos da Prefeitura de Nova York, pode haver até 1 milhão de pedaços de corpos nos escombros dos prédios. Isso criou um problema para a divisão K-9. A cada corpo (inteiro ou não) que os cachorros farejadores de cadáver acham, eles ganham um agrado. A recompensa geralmente vem em forma de ração ou outro tipo de comida. Há tantos pedaços de gente sendo achados que a polícia teme que sua matilha acabe engordando além da conta.
A outra complicação deriva de outro fato igualmente triste. A última sobrevivente localizada pelas equipes de resgate foi retirada dos escombros no dia seguinte ao ataque. Desde então, ninguém mais foi encontrado vivo.
Isso estressou os cachorros farejadores de gente viva. Eles se sentem fracassados na função para a qual foram treinados. Assim, os policiais combinaram uma pantomima com os bombeiros. Esses se escondem sob lonas, para que os cães os "achem" e sejam recompensados.
Os animais chegam para trabalhar às 5h e só saem depois de escurecer. "São os que mais tempo passam nas ruínas", disse à Folha o policial Justin Harvin, que dá plantão nos escombros.
"Cheguei antes deles hoje, mas a gente consegue alternar com outros colegas e parar para almoçar, tomar café, usar o banheiro. A cachorrada vem sem idéia de que horas o dia vai acabar. Eles trabalham muito mais duro do que qualquer um de nós e não têm sindicato", afirmou Harvin.
Subordinada à Divisão de Operações Especiais, a K-9 existe há vários anos e é uma das mais populares da polícia. Tanto que a entrada dos cães na cena do crime tem de ser mudada a cada dois dias: uma vez descoberta, a rua por que chegam enche.
"Quando sabem que o trabalho dos cachorros é um sucesso e que eles às vezes se machucam, as pessoas começam a fazer plantão aqui, trazendo comida, biscoitos, cobertores, brinquedos", disse o policial John Mortimer.
Além de terem o olfato treinado, os cachorros devem reaprender a andar. Normalmente, um cão enfia as garras no chão ao correr. Não os da K-9. Sabem caminhar com as patas afastadas, para não mudar a superfície em que estão nem se desequilibrar.
Terminado o dia, os times caninos voltam para o Centro de Convenções Jacob Javits, onde estão acampados. Antes de irem dormir, passam pela avaliação de uma equipe de veterinários.
Na porta, há uma faixa, pintada pelos bombeiros: "Para o melhor amigo do homem, que está enfrentando o maior inimigo da humanidade. Deus os abençoe".



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