São Paulo, sábado, 02 de outubro de 2004

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CINEMA E POLÍTICA

Produzido e financiado por republicanos, documentário que contesta "Fahrenheit 11 de Setembro" tem pré-estréia nos EUA

"Celsius 41.11" rebate tese de Michael Moore

JOHN TIERNEY
DO "NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON

Os republicanos americanos finalmente encontraram uma resposta a Michael Moore: "Celsius 41.11 - The Temperature at Which the Brain Begins to Die" (41,11 Graus Celsius -A Temperatura em que o Cérebro Começa a Morrer). Trata-se de um documentário feito em seis semanas e que vem sendo divulgado como "a verdade que existe por trás de "Fahrenheit 11 de Setembro" ".
O filme teve sua pré-estréia na noite de terça-feira, em Georgetown, e após a exibição as reações dominantes entre o público presente, formado por 300 pessoas quase todas republicanas, se dividiram em duas principais. Uma das opiniões era que o "Celsius 41.11" é bem mais preciso do que "Fahrenheit 11 de Setembro". A outra era que o filme não vai render US$100 milhões.
Mas o objetivo não era mesmo esse, como não paravam de insistir os conservadores de Hollywood (sim, existem alguns). "Poderíamos ter ido muito mais longe com isso, mas não o fizemos propositalmente", comentou Lionel Chetwynd, roteirista e um dos produtores do filme. Chetwynd tem entre seus créditos o roteiro de "The Apprenticeship of Duddy Kravitz" e documentários sobre o Dia D, o Vietnã e o 11 de Setembro. "As farpas gratuitas ou injustificadas do filme de Moore podem ser divertidas", acrescentou, "mas nós quisemos apresentar argumentos intelectuais e fazer mais do que apenas pregar para os já convertidos."
A versão de Hollywood da campanha presidencial parece ser o avesso daquela que está sendo travada a partir de Washington. Os democratas se lamentam de que seu candidato tem cérebro demais e coração de menos, em contraste com a mensagem republicana, que apela para as emoções dos eleitores.
Na tela grande, porém, os republicanos optaram por uma abordagem cerebral, procurando mostrar que seus cérebros não estão superaquecidos. "Celsius 41.11" faz uma defesa do presidente Bush divida em pontos organizados, apresentada por políticos, jornalistas e acadêmicos que falam da legalidade da recontagem dos votos na Flórida em 2000, do histórico da gestão Clinton no combate ao terrorismo e da teoria da excepcionalidade dos EUA.
O filme traz alguns momentos de justaposição ao estilo "Fahrenheit", como, por exemplo, uma imagem do World Trade Center em chamas enquanto Michael Moore declara: "Isto precisa ser dito na televisão nacional. Não existe ameaça terrorista". A discussão da demora da Europa em reagir a Hitler é ilustrada com uma imagem de manifestantes antiguerra franceses em 1938 erguendo cartazes dizendo "Non". Essa imagem, aliás, foi recebida com uma leve vaia pelos republicanos na terça-feira.

Música country
O senador John Kerry é saudado com uma canção do cantor country Larry Gatlin. Soando um pouco como Pete Seeger, ele canta: "John, menino, conte para nós em que sentido o vento está soprando". Mas a canção não é acompanhada pela já famosa foto de Kerry fazendo windsurf.
"Seria fácil fazer uma montagem de imagens de Kerry mostrando-o como atleta em suas horas vagas, como um diletante rico, do mesmo jeito que Moore fez com Bush", comentou Chetwynd, aludindo às imagens constantes de Bush em férias em "Fahrenheit 11 de Setembro". "Mas queríamos desconstruir o argumento "qualquer pessoa, menos Bush", enfrentando Kerry como o que ele é, um homem sério."
O filme foi financiado e produzido pelo Citizens United (Cidadãos Unidos), grupo conservador de Washington. Em junho o grupo pediu à Comissão Eleitoral Federal que proibisse Moore de publicar anúncios de seu filme durante o período pré-eleitoral em que é proibida a publicidade política por grupos externos. O pedido foi arquivado quando Moore declarou que não publicaria os anúncios em questão.
Em decisão separada tomada este mês, a comissão proibiu o Citizens United de anunciar "Celsius 41.11" ou de pagar para que seja exibido na televisão. O presidente do grupo, David Bossie, disse esta semana que várias distribuidoras estão interessadas em "Celsius 41.11" e que ele espera que o filme comece a ser exibido em cinemas em duas semanas.
Ninguém, nem mesmo seus criadores, espera que o filme exerça o mesmo impacto popular de "Fahrenheit 11 de Setembro", e a pré-estréia, na terça-feira, não contou com celebridades de Washington como as que compareceram à pré-estréia do filme de Moore. As pessoas que compareceram, porém, pareceram muito satisfeitas por alguém estar enfrentando Michael Moore.
Debra Burlingame, cujo irmão era piloto do avião que se chocou com o Pentágono em 11 de setembro, disse que achou o tom sóbrio de "Celsius 41.11" um contraste bem-vindo com a abordagem de Michael Moore. "Moore chegou a utilizar imagens do Pentágono em chamas como gag visual", comentou Burlingame, fundadora de um grupo de familiares de vítimas de 11 de setembro que estão manifestando seu apoio a Bush.


Tradução de Clara Allain


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