São Paulo, sábado, 02 de outubro de 2004

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EUROPA

Papa o beatifica no domingo

Áustria se divide sobre o novo beato Carlos 1º

WILLIAM J. KOLE
DA ASSOCIATED PRESS, EM VIENA

Alguns acreditam que ele tenha sido um santo, porque procurou um fim pacífico para a Primeira Guerra Mundial. Outros o consideram um calhorda, por comandar tropas que usavam gás venenoso como arma e por encetar duas sangrentas tentativas de retomar o trono.
No domingo, o papa João Paulo 2º beatificará Carlos 1º, o último imperador austríaco, mas a decisão do Vaticano de colocá-lo no caminho da santidade deflagrou um acalorado debate político e religioso na Áustria.
Viena sofreu ataques por pretender enviar uma delegação de notáveis a Roma. E a Igreja Católica foi ridicularizada pelo milagre que atribui a Carlos: uma freira brasileira cujas veias varicosas se curaram depois que ela orou pela beatificação do monarca.
"Como católico praticante, protesto contra a beatificação do imperador Carlos", disse Rudolf Stanzel, um dos fiéis que acreditam que o Vaticano esteja cometendo um erro. "A Igreja está se posicionando em favor daqueles que têm a riqueza e o poder."
Carlos 1º assumiu o trono em 1916, e trabalhou pela paz com o Império Austro-Húngaro chegando ao fim. Abdicou no fim da guerra, em 1918, e morreu em Portugal, em 1922, aos 34 anos.
O Vaticano, que em dezembro formalmente atribuiu um milagre a Carlos -um dos diversos passos necessários à beatificação-, em abril aprovou a "virtude heróica" do imperador. O cardeal José Saraiva Martins, diretor da Congregação das Causas dos Santos, disse que o monarca "serviu ao povo com justiça e caridade".
"Ele procurou a paz, ajudou os pobres, cultivou a vida espiritual com grande dedicação", disse.
Martin Kugler, porta-voz dos Habsburgo, dinastia do Império Austro-Húngaro, disse não compreender o motivo da agitação.
"Como imperador, Carlos promoveu um programa social abrangente", disse Kugler à Austria Press Agency. "Criou o primeiro Ministério de Assuntos Sociais do mundo, e protegeu os inquilinos e as crianças. Instituiu um sistema de proteção para os trabalhadores e o direito familiar ao seguro social. A essência de suas medidas continua em vigor."
Mas os críticos alegam que Carlos 1º, como imperador, era responsável pelo comando de tropas que usavam gás venenoso na frente italiana, se bem que historiadores digam que tentou limitar o uso dessa arma, irritando o comando de suas Forças Armadas.
Alguns desdenham o milagre que o Vaticano atribui a Carlos 1º. O Vaticano alega que uma freira que vivia enclausurada no Brasil se curou depois de orar pela beatificação do imperador nos anos 70. Os líderes da igreja austríaca alegam que ela sofria de um caso severo de veias varicosas.
Outros argumentam que Carlos 1º fez duas tentativas de retomar o poder à força, depois que a monarquia foi abolida, em 1918, como parte do acordo que pôs fim à Primeira Guerra Mundial, e que algumas dezenas de pessoas foram mortas em combates de rua em ambas as ocasiões.
O imperador e sua família foram embarcados num navio sob escolta britânica e conduzidos à ilha da Madeira, de Portugal, onde ele morreu de pneumonia.
"Carlos era um jovem fraco e indeciso, que dependia totalmente daqueles que o cercavam", disse a historiadora Brigitte Hartmann à respeitada revista "Profil".
A decisão do governo de enviar uma delegação comandada pelo presidente do Parlamento, Andreas Khol e outros importantes funcionários austríacos foi criticada como flagrante violação da separação entre igreja e Estado.
Khol defendeu sua decisão de participar da cerimônia na praça de São Pedro, em Roma, onde Carlos 1º se tornará o 11º austríaco beatificado pela Igreja.
Carlos 1º "procurou a paz e levou uma vida dedicada e religiosa", disse Khol, insistindo que "igreja e Estado são completamente separados" na Áustria.


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