São Paulo, domingo, 02 de outubro de 2005

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EUROPA

Na véspera da data marcada para o início das negociações históricas, adesão da Turquia enfrenta vários obstáculos

Cresce resistência à entrada turca na UE


Uma pesquisa recente prevê o apoio à Turquia em 11% na França, 15% na Alemanha e 32% no Reino Unido
DANIEL DOMBEY
DO "FINANCIAL TIMES"

No começo do ano, alguns funcionários do governo turco conceberam uma maneira de ampliar o conhecimento dos europeus comuns sobre seu país e cultura. Planejavam aproveitar o sucesso de "Os Turcos", uma exposição de artefatos turcos em Londres, e levar a mostra à França. Não funcionou. Uma sondagem deixou claro que, em um momento no qual a adesão da Turquia à União Européia (UE) está entrando na agenda política, o público francês tem pouco interesse nas obras-primas das artes daquele país.
Não só na França, mas em toda a UE a adesão turca inspira pouco entusiasmo e muita oposição dos eleitores. Mas as negociações para a admissão da Turquia -se acontecerem- estão marcadas para amanhã, em Luxemburgo. A questão mais importante é determinar se a UE é séria quanto a seus planos de permitir a adesão.
Um esforço diplomático do Reino Unido, que detém a presidência da UE neste semestre, tentou remover a maior parte dos obstáculos para que as negociações começassem no prazo, e as reservas expressas pela Áustria continuam a ser a principal barreira. Se houver sucesso, ninguém duvida de que tanto a Turquia quanto a UE viriam a ser transformadas.
Mas há um risco grande de que algo dê errado nos dez anos de negociações que aguardam os envolvidos, especialmente porque a França terá a palavra final na admissão -e uma nova emenda à Constituição francesa estabelece que todos os novos acordos de admissão à UE, a partir de 2007, sejam aprovados em plebiscito.
Os sinais não são favoráveis. Uma pesquisa recente do German Marshall Fund, dos EUA, estima o apoio à admissão turca em 11% na França, 15% na Alemanha e 32% no Reino Unido. "A impopularidade na França se deve ao fato de que a Turquia não é percebida como européia, e sua admissão alteraria a natureza e identidade do projeto europeu", disse François Heisbourg, diretor da Fundação de Pesquisa Estratégica, de Paris. "Ela serve como representante de tudo aquilo que é árabe, muçulmano, embora evidentemente não seja um país árabe e vigore lá a separação entre igreja e Estado."
A oposição à admissão da Turquia vem crescendo em um momento no qual a UE está em crise depois da derrota da Constituição européia em referendos na Bélgica e na Holanda, e em que os líderes nacionais travam disputas ferozes quanto ao orçamento. Em circunstâncias assim, os políticos raramente se dispõem a ignorar as preferências de seus eleitores.
A inquietação é reforçada por algumas notícias surgidas na Turquia neste ano. Depois de uma extensa série de reformas em 2003 e 2004, o ritmo de mudanças legislativas na estrutura do governo turco se desacelerou dramaticamente neste ano. "Temos um círculo vicioso, de modo que a opinião pública negativa na Europa exerce impacto sobre os líderes políticos", disse Olli Rehn, comissário encarregado da ampliação da UE. "Isso por sua vez reduz a credibilidade das perspectivas de adesão, aos olhos dos turcos, e exerce impacto negativo sobre a reforma. Para romper esse círculo, os políticos mais importantes deveriam defender a importância das negociações para a segurança e a estabilidade da Europa."
Em dezembro passado, os líderes dos três mais poderosos países da UE -Gerhard Schröder, Jacques Chirac e Tony Blair- defenderam a causa da Turquia na cúpula de Bruxelas, que definiu a data de 3 de outubro para o início das negociações. Hoje, Schröder luta para manter o poder na Alemanha, Chirac está preocupado com a ascensão de Nicolas Sarkozy, aspirante à Presidência e adversário da adesão turca, e resta Blair para promover a Turquia.
Para o chanceler britânico, Jack Straw, a ampliação continuada dos quadros da UE a ajuda a enfrentar os desafios econômicos, bem como questões internacionais como terrorismo, crime e alterações climáticas. "A posição geográfica da Turquia a torna estrategicamente vital", disse em discurso.
A Turquia teve enorme importância estratégica para o Ocidente nos 150 anos antes da queda do Muro de Berlim, quando servia de obstáculo ao expansionismo russo. Mas quando os líderes da UE decidiram, em dezembro passado, que as negociações começariam em outubro de 2005, sua motivação era menos estratégica do que a de não violar quatro décadas de promessas a Ancara.
A adesão à UE talvez não sirva para cimentar as relações com o mundo islâmico mais amplo, já que a Turquia é um país não-árabe, tem um relacionamento próximo com Israel e não se dá muito bem com grande número das nações do Oriente Médio.
"O argumento estratégico é mais difícil de defender, hoje, porque o Exército Vermelho não está mais posicionado na fronteira da Turquia", reconhece Rehn. "Mas não quero nem pensar nas conseqüências de fechar as portas à Turquia, tanto em termos do desenvolvimento político do país quanto no que tange ao relacionamento entre a Europa e o islã."
No entanto há uma escola de pensamento que sustenta que a abertura de negociações na forma atualmente planejada só serviria para elevar o risco de fracasso. A Áustria, sucessora da dinastia Habsburgo, rivais históricos da Turquia, é o único dos 25 países-membros da UE a insistir em que as negociações contemplem explicitamente uma "parceria" entre a UE e a Turquia como alternativa à admissão pura e simples.
Angela Merkel, que pode se tornar chanceler [premiê] da Alemanha, propôs uma idéia semelhante de "parceria privilegiada". Mas a Turquia rejeitou esquemas desse tipo, argumentando que seu único interesse é a admissão plena. O país já tem tropas estacionadas na Bósnia dentro de uma missão militar da UE, um acordo alfandegário e apóia as decisões de política externa do bloco.
Outros governos da UE esperam que seja possível superar as objeções austríacas. O Reino Unido argumenta que elas poderiam desmantelar o compromisso criado em dezembro e pôr fim às negociações antes que começassem.
Mas, de qualquer forma, é improvável que a Turquia receba oferta de adesão em termos semelhantes aos obtidos pelos ex-membros do bloco soviético. A estrutura de negociação adotada pela Comissão para a Turquia contempla "longos períodos de transição, arranjos específicos ou cláusulas permanentes de salvaguarda" quanto a questões como livre movimento de mão-de-obra, subsídios e agricultura.
O medo da Europa quanto aos trabalhadores imigrantes e o atual clima de introspecção que a toma significam que a tentativa de admissão de Ancara pode fracassar no meio do caminho ou, o que seria mais perigoso, terminar rejeitada pelos eleitores europeus. Diante de um panorama como esse, os líderes europeus apenas mantêm suas posições, felizes por chegar ao final de um ano difícil sem ter de romper a promessa de que as negociações começariam no prazo. Quando elas começarem, os políticos de ambos os lados terão de assumir papel mais ativo, se quiserem a adesão turca.
Tradução de Paulo Migliacci

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