São Paulo, quinta-feira, 02 de outubro de 2008

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Carta garantirá governabilidade, diz Rafael Correa

Presidente do Equador afirma que não acumulará poderes e aponta prerrogativa do Congresso de destituir presidente

Equatoriano mantém críticas à Odebrecht e diz que, quanto menos obras a empreiteira brasileira tiver, melhor para o seu país

KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS

Fortalecido pela vitória no referendo do último domingo que ratificou a nova Constituição do país, o presidente do Equador, Rafael Correa, defendeu a Carta e negou que esteja promovendo um regime "hiperpresidencialista", com acúmulo de poderes. "[A Constituição] vai acabar com a falta de governabilidade de que o país vem sofrendo", disse. Os três presidentes eleitos no Equador antes de Correa não terminaram seus mandatos.
Em entrevista exclusiva à Folha após um dia de reuniões em Manaus com os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Evo Morales (Bolívia) e Hugo Chávez (Venezuela), o economista de 45 anos disse que, embora esteja agora autorizado a dissolver o Congresso, o Legislativo detém a mesma prerrogativa quanto à Presidência. Em ambos os casos, argumentou, novas eleições têm de ser convocadas, no que é chamado de "morte cruzada".
Correa afirmou ainda que não irá "retroceder um passo" na intervenção nas operações da empreiteira brasileira Odebrecht no Equador. Seu governo embargou as operações da empresa no país na semana passada, sob acusação de falhas na construção de uma hidrelétrica: "Quanto menos contratos tiver a Odebrecht, melhor para o país". Leia trechos da entrevista, concedida por Correa ao lado de assessores, membros do governo e técnicos que filmaram a conversa.

 

FOLHA - O que ocorreu com a Odebrecht no Equador?
RAFAEL CORREA
- A Odebrecht fez uma obra [hidrelétrica San Francisco] com terríveis problemas. Em menos de um ano, uma obra de mais de US$ 300 milhões e que deveria durar mais de 30 anos ter deixado de funcionar é responsabilidade direta da empresa.
Estamos estudando um acordo por iniciativa da empresa [a Odebrecht divulgou nota ontem à tarde dizendo que concordava com as exigências do governo equatoriano]. Parece que ela não entende que há um novo governo no Equador, que não pode ser subornado, pressionado. Não estamos negociando com a empresa, mas exigindo nossos direitos e não vamos retroceder nem um passo.

FOLHA - Como ficará o futuro da Odebrecht no Equador? A empreiteira poderá participar de licitações, como a do projeto Manta-Manaus?
CORREA
- Depois do que temos vivido, quanto menos contratos tiver a Odebrecht, melhor para o país, porque começamos a analisar outros contratos, sempre lesivos ao interesse nacional [...], coisas inauditas que só puderam ser feitas por ousadia da empresa, com cumplicidade de funcionários equatorianos corruptos. A Odebrecht tem que entender que esse velho país acabou em 15 de março de 2007 [data de sua posse].

FOLHA - A Petrobras recentemente devolveu ao Equador o bloco de exploração de petróleo 31, após o sr. aumentar a carga tributária das petroleiras. Essas mudanças não afugentarão investimentos externos?
CORREA
- Qual será o papel do Estado? O que sempre deveria ter sido, de acordo com a Constituição atual e com a aprovada: o petróleo é dos equatorianos, e o que se fez foi um contrato de participação, em que o Estado era um sócio minoritário e sem voz. Estamos renegociando rumo a contratos de prestação de serviços, onde o dono do recurso é o Estado.

FOLHA - Sobre a Constituição, a principal crítica é que ela garantiu superpoderes ao sr., que poderá inclusive dissolver o Congresso. Por que a inclusão desse artigo?
CORREA
- Temo que a sra. tenha má informação. A Constituição não é hiperpresidencialista. Pelo contrário, prevê uma série de controles ao presidente, devolve ao Congresso a atribuição de destituir ministros de Estado.
Há apenas duas atribuições novas [do presidente]: planificação, capacidade que tinha antes da Constituição de 1998 e que foi destruída pelo neoliberalismo, e dissolver o Congresso.
Posso dissolver o Congresso em caso de boicote ao plano de desenvolvimento do país, mas nesse momento tenho que colocar meu cargo à disposição do povo equatoriano. O que não se diz é que o Congresso também pode destituir o presidente em caso de grave comoção interna, mas nesse momento se antecipam as eleições presidenciais e legislativas. Isso é o que se chama de "morte cruzada", um instrumento moderno para promover a governabilidade.
Na história recente do Equador, a todo momento o Congresso destituiu presidentes, declarando-os loucos por conveniência política, porque nada acontecia ao Congresso. Com essa possibilidade de destituir o Congresso uma única vez, se elimina essa fonte de boicote, e acabará a falta de governabilidade de que o país vem sofrendo nos últimos anos.

FOLHA - E quais são os planos do sr. sobre uma futura reeleição, que lhe permitiria ficar no poder até 2017?
CORREA
- Não penso nisso. Isso será uma decisão do partido ao qual pertenço.

FOLHA - Está superada pelo seu governo a questão com o governo da Colômbia [que em março invadiu o território equatoriano para atacar uma base das Farc]?
CORREA
- De nenhuma maneira. Nossas relações estão cortadas porque, entre outras coisas, a Colômbia tem informações de gravações do bombardeio e nada nos informou. Esse caso nunca será superado porque há uma clara agressão deliberada e desleal ao território equatoriano por parte de um país que consideramos irmão, porém tem um governo [Álvaro Uribe] que não consideramos amigo.
Temos que seguir com dignidade e isso implica, entre outras coisas, que a Colômbia entregue todas as informações de como se realizou esse ataque e que compense ao menos a vítima equatoriana desse ataque.

FOLHA - O presidente Lula disse que está tranqüilo com a crise nos EUA, mas a vê com apreensão. A crise atingirá o Equador?
CORREA
- O efeito efeito dependerá da resposta que os EUA derem à crise. Em todo caso, a América Latina tem que se preparar para não depender do que acontece nos EUA.


Colaborou FABIANO MAISONNAVE

Leia a íntegra da entrevista www.folha.com.br/082752


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