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São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2003

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Repressão à lavagem é longa e difícil, diz especialista

DA REPORTAGEM LOCAL

Patrick Moulette, 45, é o secretário-executivo do Gafi, o órgão internacional mais ativo na definição de normas legais e políticas que permitem reprimir a lavagem de dinheiro.
Ele diz que o combate ao terrorismo por meio de suas fontes de recursos é algo complicado porque mexe com o sistema financeiro dos países e com hábitos da economia informal. O trabalho é longo e não apresentará muitos resultados imediatos. A seguir, os principais trechos de sua entrevista à Folha. (JBN)
 
Folha - Desde o 11 de Setembro foram congelados em fundos destinados ao terrorismo apenas US$ 113 milhões. Não é muito pouco?
Patrick Moulette -
Admito que as quantias confiscadas são pequenas. Mas os terroristas não precisam de fortunas para seus atos. Os fundos que os financiam são incomparavelmente menores que o dinheiro lavado pelas redes internacionais de tráfico de drogas, que mobilizam centenas de bilhões de dólares. Os US$ 113 milhões são uma cifra da qual se fala. Nós, do Gafi, não fazemos estatísticas. Acho, mesmo assim, que já é um passo importante.

Folha - Como avaliar hoje a impressão predominante, no final de 2001, de que bastava a vontade política dos EUA para secar as fontes financeiras do terrorismo islâmico?
Moulette -
A lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo são problemas mundiais. É compreensível que os EUA queiram atingir rapidamente resultados. Ao lado deles estão os membros do Gafi, que, já em outubro de 2001, adotaram em Washington medidas para conter esse financiamento.
O esforço é grande e envolve três dezenas de países e uma quinzena de organizações, como o FMI e a ONU. Por ser uma questão internacionalizada é preciso que todos adotem políticas semelhantes, o que nem sempre é possível, diante da complexidade de questões que afetam todo o sistema financeiro. Em suma, é algo demorado, sem muitos resultados visíveis imediatos.

Folha - O sr. poderia exemplificar essa complexidade?
Moulette -
É o caso dos fundos de origem legal e que são em seguida desviados para financiar organizações clandestinas.

Folha - São as entidades filantrópicas do mundo árabe?
Moulette -
São entidades sem fins lucrativos que atuam em muitos países, muitas vezes de origem religiosas, cujas finalidades são bastante nobres. Em alguns casos há um desvio de doações, em outros os próprios doadores estimulam esse desvio.

Folha - Uma lista negra de entidades não resolveria o problema?
Moulette -
Não é tão simples. Não temos critérios rígidos para definir quem entraria ou quem ficaria de fora da lista. Preferimos que os governos forcem essas organizações a ter transparência sobre seus gastos e fontes de contribuição.
Em outubro de 2002, o Gafi publicou documento com sugestões de normas. Mas, como é algo muito recente, será necessário voltar ao assunto.

Folha - O Gafi publica uma lista de países que não cooperam no combate à lavagem de fundos. Entre eles, o Egito, a Indonésia e a Nigéria, países muçulmanos. Não estaria aí um dos "ralos" por onde escapa o dinheiro terrorista?
Moulette -
Uma coisa precisa ficar clara: o Gafi nunca elaborou lista com países que financiam o terrorismo. Fizemos, isso sim, uma lista de países que não adotaram medidas de combate à lavagem de dinheiro.

Folha - A Arábia Saudita chegou a pedir ao Gafi normas técnicas para interromper o "dinheiroduto"?
Moulette -
Em setembro último, uma missão técnica do Gafi esteve na Arábia Saudita para avaliar os mecanismos de controle impostos pelo governo e pelas instituições financeiras.
As informações estarão em relatório, e a partir dele saberemos se os sauditas precisam de assistência técnica. Esse país tem atuado com o Conselho de Cooperação do Golfo, que é um dos membros do Gafi.

Folha - Documentos mencionam a "hawala" (transferência informal de dinheiro, paralela à rede bancária) e a dificuldade em reprimi-lo.
Moulette -
Há com relação à "hawala" algo semelhante ao que ocorre com as entidades sem fins lucrativos. A "hawala" responde a uma demanda legítima, sobretudo de trabalhadores emigrados que enviam dinheiro a seus familiares.
O Gafi não sugeriu reprimir os cambistas dessa rede informal. Sugerimos que eles sejam credenciados, sejam obrigados a registrar as operações e denunciem transações suspeitas.

Folha - Há algum país em que essa forma de enquadramento já vem sendo aplicada?
Moulette -
Sim. Os Emirados Árabes Unidos estão tirando a "hawala" da economia informal.



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