São Paulo, terça-feira, 02 de novembro de 2004

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Mais solto, Kerry se prepara para a decisão

JODI WILGOREN
DO "NEW YORK TIMES",
EM NEW HAMPSHIRE

Dentro de um elevador de hotel, na madrugada do sábado, o senador John Kerry deu um tapa de brincadeira na cabeça de seu leal secretário de imprensa, David Wade, que tudo vem agüentando há muito tempo. "Nada mal para quem está com queda de 30 pontos em New Hampshire, não acha?", disse, segundo Wade.
Um ano atrás, como comentou o ex-presidente Bill Clinton quando se posicionou ao lado de Kerry na semana passada, em Filadélfia, diante de cerca de 100 mil fãs, a busca de Kerry pela indicação como candidato do Partido Democrata parecia fadada ao fracasso. Agora Kerry está empatado com o presidente pelo grande prêmio da corrida. Na eleição primária neste Estado, o fato de Kerry ter demitido o coordenador de campanha e hipotecado sua casa para lutar contra uma desvantagem aparentemente insuperável parece não passar de uma lembrança ruim.
Na subida final da montanha russa que vem sendo a atual campanha eleitoral, Kerry vem se mostrando tranqüilo e brincalhão, mas, ao mesmo tempo, centrado e prático, visivelmente cansado -e extremamente supersticioso. Ao mesmo tempo em que as pessoas que o cercam traem cada vez mais o estresse crescente ao qual andam submetidas, este Kerry mais solto e mais jovial vem tomando o lugar da persona superséria que o senador demonstrou durante boa parte do ano.
Atrás das cortinas de sua cabine no avião, Kerry e alguns de seus amigos mais íntimos terminaram de assistir à trilogia de Indiana Jones em DVD. Outro dia, em Wisconsin, ele convocou o fotógrafo da campanha para captar seu estrategista, o sério Bob Shrum, usando uma cabeça de "queijo" feita de espuma amarela.
Kerry vem entrando no chuveiro antes mesmo de receber seus chamados para acordar, reduzindo seus bate-papos telefônicos com seu círculo interminável de assessores e, sobretudo, fazendo seus enxutos discursos de comício em tom de determinação.
Na tarde da sexta-feira, após o surgimento de uma fita gravada por Osama bin Laden, ele soube imediatamente que queria fazer uma afirmação de unidade sobre o assunto e atravessou sozinho uma pista em West Palm Beach, na Flórida, para fazê-lo.
Entretanto, à medida que suas olheiras crescem, Kerry vem consumindo a energia de alguns públicos com seus modos não exatamente fascinantes, além de já ter cometido várias gafes, como quando torceu pelos Badgers, da Universidade de Wisconsin, enquanto estava no Estado vizinho do Iowa.
Carregando em um bolso um trevo de quatro folhas que ganhou antes de sua volta por cima espantosa nas reuniões políticas de Iowa e, no outro, um castanheiro-da-Índia, símbolo do Ohio, que alguém lhe deu quando ele se tornou o porta-bandeira do Partido Democrata, Kerry não quer correr riscos. Basta olhar para o boné do Boston Red Sox que enfeita os cabelos cacheados de seu redator de entrevistas, o nova-iorquino Josh Gottheimer. Após perder uma aposta durante o Campeonato da Liga Americana, Gottheimer, torcedor dos Yankees, foi obrigado a usar a boina odiada durante o dia todo de 21 de outubro. E agora seu patrão o obriga a usá-la todos os dias.
Os assessores contam que Kerry não assistiu à televisão nos momentos em que a CNN transmitiu os resultados de pesquisas de intenção de voto, como as deste fim de semana que mostraram o presidente Bush se adiantando nas pesquisas, e se negou a falar de uma potencial transição e até mesmo de seus discursos de vitória ou de admissão da derrota, para a noite de hoje.
"É em parte superstição e em outra parte uma simples questão de disciplina", comentou um membro de sua equipe.
John Kerry está com 60 anos e está nessa batalha há quase dois anos agora. Nestes dias finais da campanha presidencial, o senador parece ter se investido de uma confiança tranqüila, como se acreditasse plenamente no que diz a seus partidários: que "a eleição mais importante de nossa vida" está nas mãos deles.


Tradução de Clara Allain


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