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"Multiculturalismo erra ao focar apenas respeito à diferença"
Opinião é de um dos principais estudiosos do assunto, Tariq Modood, pesquisador da Universidade de Bristol
Para o professor, o ideal
de preservação total das culturas minoritárias foi
um obstáculo à integração
de imigrantes na Europa
CLARA FAGUNDES
DA REDAÇÃO
O ideal de preservação das
culturas minoritárias, que, por
décadas, orientou as políticas
públicas em países como a Holanda, não bastou para integrar
os imigrantes na Europa. A crítica não vem da direita européia, mas de Tariq Modood,
pesquisador da Universidade
de Bristol (Reino Unido) e um
dos principais teóricos do multiculturalismo.
"Erramos ao focar no respeito à diferença sem, ao mesmo
tempo, enfatizar o que temos
em comum", diz o paquistanês,
que esteve no Brasil na semana
passada, como conferencista
do Fronteiras Braskem do Pensamento. Mas ressalva: "Tudo o
que deu errado é identificado
com o multiculturalismo.
O
que deu certo é chamado de diversidade". Em entrevista à Folha, Modood falou sobre a reação cristã à presença muçulmana e os desafios da integração
na Europa e nos EUA.
FOLHA - A ênfase na preservação
da identidade dos imigrantes, presente no multiculturalismo, pode
pôr em risco a coesão social?
TARIQ MODOOD - Depende da
forma de multiculturalismo. A
maioria dos multiculturalistas
está preocupada em criar uma
sociedade com algum grau de
solidariedade cívica. Mas nós
erramos ao focar no respeito às
diferenças culturais sem, ao
mesmo tempo, enfatizar o que
temos em comum. Isso aconteceu em alguma medida na Europa, nem tanto em países como Canadá e Austrália.
FOLHA - A Holanda foi, por muitos
anos, a principal vitrine do multiculturalismo. Mas, desde o assassinato
de Theo van Gogh [cineasta morto
por um muçulmano holandês em
2004], o país vem repensando o modelo de integração.
MODOOD - Os holandeses eram
muito bons em políticas de
acomodação cultural, mas não
foram tão eficientes em garantir oportunidades de sucesso
na sociedade holandesa. O Estado de bem-estar social holandês era muito generoso, de modo que havia pouco incentivo à
integração econômica. Acho
que as políticas holandesas sofreram com esse desequilíbrio.
FOLHA - Qual o impacto disso para
as políticas de integração dos imigrantes na Europa?
MODOOD - Em termos de retórica política, o termo multiculturalismo se tornou muito impopular. Tudo o que deu errado
é identificado com o multiculturalismo. O que deu certo, como a redução da desigualdade
entre raças no Reino Unido e a
aceitação das diferenças religiosas, é chamado de diversidade. Mas, em termos de políticas
públicas, não houve grandes
mudanças, só uma ênfase
maior na necessidade de conhecer o idioma, por exemplo.
FOLHA - Nos EUA, as tensões entre
imigrantes e nativos raramente resultam em conflito aberto, como
ocorreu nos subúrbios franceses e
mais recentemente na Itália. A integração é mais fácil nos EUA?
MODOOD - Os EUA não têm as
mesmas questões com relação
aos muçulmanos, porque eles
têm pouquíssimos imigrantes
islâmicos, quase todos trabalhadores especializados, dispersos pelo território. Mas a situação dos latinos nos EUA é
muito parecida à dos imigrantes do norte da África na Europa: concentração demográfica,
trabalhos de baixa remuneração, alto desemprego, imigração ilegal... Há uma sensação
semelhante de que eles ameaçam a cultura dominante.
Mas, sem dúvida, os EUA são
mais hospitaleiros à imigração.
Há mais mobilidade social e
menos preocupação com a concentração demográfica. Na Europa, as pessoas se preocupam
se muita gente morena começa
a ser vista na vizinhança. Os
EUA também são mais tolerantes com a expressão religiosa
das minorias. Até porque são
um país onde se espera que as
pessoas tenham uma religião,
ao contrário da Europa.
FOLHA - Mas o secularismo institucional não é uma precondição para
acomodar diferentes religiões?
MODOOD - O secularismo europeu é, em geral, uma posição
conciliadora. Busca criar uma
distinção entre política e religião, mas, ao mesmo tempo,
acomodar as diferentes religiões de modo pacífico. Na
maior parte do continente,
prioriza-se a liberdade de religião. Apenas na França, a prioridade foi, historicamente, libertar-se da religião.
Infelizmente, essa interpretação extrema tem ganhado
força na Europa, porque muita
gente teme que os muçulmanos estejam trazendo religião
demais para a esfera pública.
Mas banir religião da vida pública apenas torna a integração
dos muçulmanos mais difícil.
FOLHA - Seus trabalhos falam sobre o fortalecimento de uma identidade cultural cristã na Europa, apesar do declínio da religião. É possível
dissociar essa identidade cristã do
sentimento antiimigrante?
MODOOD - São indissociáveis.
Há um declínio muito acentuado da freqüência a cultos religiosos na Europa e da influência da religião na vida das pessoas. Mas o que notamos, em
pesquisas recentes, é que as
pessoas optam por firmar uma
identidade cultural cristã.
Suspeito que seja uma reação
à presença de pessoas identificadas como não-cristãs. Nem
todos os muçulmanos são praticantes, e muitos priorizam
outras formas identitárias, como nacionalidade ou profissão.
Mas, como grupo demográfico,
os muçulmanos enfatizam
muito mais a religião como
identidade primária do que as
pessoas na Europa ocidental.
Quando as pessoas enfatizam
uma determinada identidade,
os outros reagem a isso.
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