São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2008

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A CURVA DA HISTÓRIA

EUA definem nova era ou fase de transição

Sérgio Dávila, de Washington


Crise radicaliza opções dos americanos nesta terça e pode trazer realinhamento ideológico

Em 1932, no auge da depressão econômica que tomava os Estados Unidos, os eleitores foram às urnas e escolheram o democrata Franklin Delano Roosevelt para comandar o país pelos quatro anos seguintes. No mesmo pleito, deram maioria ao partido do novo presidente nas duas Casas do Congresso. Ao fazer isso, promoveram o que os cientistas políticos chamam de "eleição de realinhamento", criando uma era que durou até 1968.
Das urnas saiu uma nova coalizão de forças, formada principalmente por eleitores das grandes cidades, sindicalistas, judeus, católicos e o Sul branco. Há dúvidas sobre quando e se aconteceu a próxima "eleição de realinhamento". Muitos acham que sua semente é de 1968, com a vitória de Richard Nixon, e que ela se consolidou em duas fases: a eleição de Ronald Reagan, em 1980, e a conquista do Congresso pelos republicanos em 1994.
Em 48 horas, os americanos vão às urnas de novo. Diante deles, mais do que duas opções diferentes de nomes, estão dois destinos diferentes para o país.
A eleição do senador democrata Barack Obama, 47, pode vir a ser uma nova "eleição de realinhamento", o que indicaria que os EUA estão prontos para mudar -de verdade, não apenas como no slogan do candidato- de novo a guarda do poder. Fariam isso embalados pela pior crise econômica desde Roosevelt e após oito anos do desastre que tem sido o comando de George W. Bush.
Para Ruy Teixeira, do Instituto Brookings de Washington e co-autor de "Emerging Democratic Majority" (Maioria Democrática Emergente, Scribner, 2002), "os índices demográficos estão se movendo nessa direção". O estudioso acha que os democratas vêm construindo uma maioria na população nos últimos anos que encontra condições ideais para aflorar agora.
A eleição do republicano John McCain indicaria que o americano médio acha que ainda é cedo para uma mudança tão radical e que o momento é de um governo de transição. Nesse sentido, o senador de 72 anos é o candidato ideal: politicamente independente, desafeto do colega de partido George W. Bush, ele sugere que ficaria só quatro anos no poder, sem tentar se reeleger em 2012.
Seria tempo suficiente para exorcizar o país da Presidência mais impopular da história recente, sem arriscar em questões importantes como a chamada "guerra ao terror". As pesquisas vêm indicando que a primeira hipótese é a mais provável e que Obama deverá sair vitorioso das urnas.
"McCain foi prejudicado duplamente porque os republicanos foram considerados culpados pela crise, enquanto as responsabilidades do Congresso democrata foram relevadas", disse Edward Luttwak, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, de Washington. "Sua vantagem como o candidato da segurança perdeu valor. Por ironia, como a situação no Iraque melhorou, sua relevância política diminuiu."
Mas o fato de o democrata não ter assumido dianteira folgada nas pesquisas, mesmo com uma arrecadação recorde de US$ 660 milhões e um gasto em publicidade sem precedentes na história eleitoral dos Estados Unidos, sugere que a "venda" de seu nome ainda não foi concluída.
Há várias explicações possíveis. Uma é o fato de o candidato ser negro. Outra, sua pouca idade e inexperiência executiva. Outra ainda, a tradicional fragilidade eleitoral da coalizão que o trouxe até aqui, formada principalmente por jovens, votantes de primeira viagem, negros e outras minorias.
De qualquer maneira, a mesma crise econômica que colocou Obama à frente de McCain nas pesquisas obrigou os dois candidatos a radicalizarem e, ao fazer isso, tornarem mais claras as opções para o eleitorado. Obama foi afastado de novo do centro do espectro político, aonde tinha chegado depois das primárias de seu partido, em direção à posição inicial mais à esquerda.
Já McCain, que fez carreira política na centro-direita, foi obrigado a deixá-la em direção à direita. Fez isso premido pelas necessidades de campanha, para conquistar a base conservadora do partido -que nunca engoliu suas posições socialmente progressistas- e a parte conservadora dos indecisos e independentes.
De um lado, reapareceu o Barack Obama do começo da corrida, de idéias consideradas social-democratas na Europa, mas que no ambiente mais conservador americano ganham tons esquerdizantes. É o que promete "redistribuição de riqueza" via novo sistema de impostos, seguro de saúde para todos e sentar-se com líderes como Hugo Chávez e Mahmoud Ahmadinejad.
Somam-se a isso passagens insuficientemente explicadas de sua biografia e colocadas sob lente de aumento pelas propagandas negativas da campanha do republicano, como sua ligação com o ex-militante radical de esquerda Bill Ayers.

De outro lado, surgiu um John McCain remoldado pelos caciques do partido republicano, que infiltraram Steve Schmidt, um ex-aluno de Karl Rove, o "cérebro" das vitórias de Bush, em sua campanha, para dar novo rumo. Depois disso, acabaram os discursos de improviso, a interação com o público e o acesso fácil da imprensa. A nova imagem foi reforçada pela escolha da ultraconservadora Sarah Palin como companheira de chapa.
Agora, "radicalizados", os dois se enfrentam nas urnas em poucas horas. Seja qual for o resultado, no entanto, mesmo o conceito de "eleição de realinhamento" não é unânime. Há cientistas políticos que duvidam que exista. Outros duvidam que esteja acontecendo agora ou que já dê para definir algo tão abrangente.
"O solo sob a política americana parece estar se movendo, e as peças estão no lugar para o realinhamento", escreveu Charles Madigan, professor de política da Roosevelt University, de Chicago. "Mas a coisa mais importante para se dizer é que ninguém poderá dizer ao certo se houve ou não um realinhamento após o dia 5 de novembro, embora muitas pessoas vão dizer que houve."
"Esta eleição dá mostras de que será crucial", disse Walter Burnham, estudioso de alinhamentos políticos da Universidade do Texas. Mas ele não se arrisca a afirmar se começará uma nova era. "Se é difícil especular em relação a 2010, imagine mais adiante."


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