São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2008

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ESTRATÉGIA MILITAR

"Guerra ao terror" tende a continuar

Ricardo Bonalume Neto, da Reportagem Local


Força-tarefa nos EUA propõe mais efetivos e reforço do foco em combate irregular, mas há ceticismo

A curto prazo, o futuro presidente dos EUA não vai ter opção a não ser manter o atual contingente de soldados no Iraque e aumentar o no Afeganistão. Mas a guerra nesses países e a associada campanha internacional contra o terrorismo deve durar muitos anos ainda. E, seja quem for o presidente, vai ter que implantar uma estratégia a longo prazo, envolvendo ações civis de "construção de nações" e de combate a insurgentes e terroristas, segundo análises de acadêmicos e militares americanos e aliados.
Richard A. Clarke, que assessorou os últimos três presidentes americanos em temas de segurança internacional e hoje tem uma empresa de consultoria, organizou força-tarefa de especialistas a pedido da Academia Americana de Ciência Social e Política para analisar o problema e propor soluções.
Otimismo não é a tônica dos "papers" publicados nos anais da academia. Algumas sugestões são quase impalatáveis. Por exemplo, "expandir o tamanho da força militar dos EUA de volta aos níveis de 1990", como afirmou Peter Bergen, da Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins e autor de vários livros sobre a rede terrorista Al Qaeda.
Para Bergen, a liderança da Al Qaeda deverá continuar onde está nos próximos anos, na região segura da fronteira entre Afeganistão e Paquistão. Ele acredita, porém, que a maior ameaça de ataques terroristas em território americano tende a vir da Europa e não de lá. Para ele, os perpetradores mais prováveis serão militantes com cidadania britânica e ascendência paquistanesa.
"O próximo presidente americano vai ter que fazer o Paquistão deixar de ser uma estufa criadora de terroristas", afirma outro pesquisador, Bruce Riedel, ex-funcionário da CIA (agência de inteligência americana) e atualmente no Instituto Brookings. Segundo Riedel, lidar com as ameaças vindas do Paquistão -país que tem armas nucleares- vai exigir um enfoque mais sofisticado do que ameaças, sanções e operações de forças especiais.
A sugestão mais comum é a necessidade de entrelaçar melhor ações civis e militares, tirando lições das guerras de contra-insurgência.
Clarke acha importante definir os limites do problema. Para ele, trata-se de uma espécie de "guerra civil dentro do islã", a luta de uma minoria violenta para tomar o poder nos países onde essa religião é dominante.
Para Clarke, é um conflito "existencial" para esses países, mas não para os EUA. A Guerra Fria, com potencial de guerra nuclear, tinha esse caráter.
Um reflexo dessa questão "existencial" foram as mudanças doutrinárias das Forças Armadas dos EUA, nem sempre realizadas a tempo.
Os militares americanos embarcaram na aventura no Vietnã na década de 1960 com um Exército moldado para a guerra convencional na Europa contra a URSS e seus aliados no Pacto de Varsóvia. Só quando o general-comandante William Westmoreland foi substituído por Creighton Abrams uma real estratégia de contra-insurgência começou a ser usada -mas a guerra estava perto do final.
Como dizia Napoleão Bonaparte, a guerra de guerrilhas é o combate "sem frente de batalha". Os insurgentes usam emboscadas e se escondem junto aos civis ou em "santuários" em países vizinhos. Na guerra convencional, o que importa é poder de fogo. Já ao lidar com insurgentes, operações cívico-sociais para ganhar "corações e mentes" têm mais importância.

A nova ênfase em contra-insurgência no Iraque é associada ao general David Petraeus, que comandou a 101ª Divisão Aerotransportada na invasão de 2003, depois todas as tropas no Iraque e hoje é chefe do Comando Central.
Ele orquestrou uma "escalada" de tropas em 2007 que aparentemente diminuiu a violência. Há interpretações, porém, de que a violência diminuiu porque, com a "limpeza étnica", as vítimas teriam se refugiado em outros locais.
Escrevendo na revista "Time" em julho passado, Rory Stewart, funcionário licenciado da Chancelaria britânica trabalhando para ONGs em Cabul, questiona se "jogar mais tropas e mais dinheiro" resolverá a questão afegã.
"Uma estratégia mais inteligente deveria focar dois elementos: ajuda mais efetiva e um objetivo militar mais limitado", escreveu Stewart. É o caso de concentrar esforços onde eles têm bom resultado, pois apenas os próprios afegãos têm legitimidade para fazer a "construção da nação", diz ele, que sugere concentrar os esforços militares em "contraterrorismo, não contra-insurgência".
Mais uma vez, o Ocidente e os EUA particularmente estão tendo que reaprender os limites da força militar. "Os EUA, seus aliados e as forças dos países anfitriões estão vencendo as batalhas táticas, mas não está claro o quanto isso importa", diz o especialista Anthony Cordesman, do CSIS (Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais), se referindo ao Iraque e ao Afeganistão.
"A "batalha" pelo espaço político e econômico -combatida ao longo do tempo em uma batalha de atrito - é a batalha real. Essas são guerras longas nas quais os insurgentes podem vencer mesmo que percam virtualmente todos os embates táticos contra as forças dos EUA, seus aliados e anfitriões", afirma Cordesman.
O repórter Nick Meo, do jornal britânico "The Daily Telegraph", estava com americanos no Iraque em caminhão que foi atingido por uma bomba rudimentar na estrada à noite. Os soldados atiraram, sem ver se existiam casas. Se havia, não foram conquistados "corações e mentes" naquele momento.


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