São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2008

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EUFORIA

Europa torce por volta do "amigo"

Marcelo Ninio, de Genebra


Expectativa de virar a página dos anos Bush deve trazer decepções, quem quer que seja eleito

O alemão Markus Kremer ainda não era nascido quando o presidente americano John F. Kennedy fez seu histórico pronunciamento em Berlim, em 1963, que se tornou um marco da Guerra Fria e da aliança entre Europa e EUA.
Mas foi inspirado pelo famoso discurso, do qual é admirador, que Kremer juntou-se às mais de 200 mil pessoas presentes ao comício realizado em julho por Barack Obama em Berlim. "A maioria tinha vinte e poucos anos e um desejo comum: torcer pela volta de um "amigo" à Casa Branca", diz Kremer, 30, que trabalha como tradutor da embaixada do Brasil.
O comício de Obama foi uma demonstração de que os europeus querem uma mudança drástica. Após oito anos de relações conturbadas com os EUA de George W. Bush, a Europa não esconde sua preferência.
"Os europeus apóiam Obama, mesmo sem saber direito quais são suas propostas, porque o vêem como o antídoto em substância e estilo à política americana representada por Bush", diz Robin Shepherd, do centro de estudos Chatham House, em Londres.
Mas a expectativa é tamanha que aumenta o risco de uma decepção seja qual for o vencedor. Afinal, diante de Obama ou McCain estará uma lista indigesta de assuntos com potencial de atrito com os europeus: Rússia, Irã, Iraque, Afeganistão, mudanças climáticas, sem falar na crise financeira.
"Temo que se repita com Obama o que aconteceu com o Kennedy, que não realizou o que prometia", diz o ambientalista dinamarquês Erik Rasmussen. Tanto Obama como McCain são considerados "mais verdes" que Bush, mas a crise econômica poderá ofuscar esforços para um acordo climático em 2009.
Outros assuntos serão ainda mais espinhosos. Tanto Obama como McCain pedirão que os europeus reforcem sua presença militar no Afeganistão, mas o envio de mais soldados é impopular na maioria dos países europeus. "Se o eleito for Obama, a pressão será ainda maior", prevê o alemão Josef Janning, da Fundação Bertelsmann. "Ele dirá aos europeus que pretende sair do Iraque, mas que precisa de ajuda no Afeganistão."
A Rússia oferece mais território para desavenças. Dependentes do petróleo e gás russos, os europeus devem continuar se opondo a iniciativas que isolem Moscou. Embora McCain tenha sido mais duro no tema, Obama deve se diferenciar mais em estilo que em substância. "A invasão da Geórgia colocou as nossas relações com a Rússia no topo da política externa dos EUA e da Europa", diz John Glenn, do Marshal Fund. "O tom pode mudar, mas na essência a diplomacia americana continuará preocupada com o fortalecimento russo."
Para Glenn, a crise financeira será o primeiro teste de liderança do novo presidente. Principais parceiros comerciais um do outro, EUA e a União Européia são responsáveis por 55% do PIB mundial. "A questão é se conseguirão transformar os números em liderança para reformar o sistema financeiro", diz Glenn, lembrando que o papel do Estado na economia é visto de forma bem diferente dos dois lados do Atlântico.
Apesar das divergências, o eleito pode contar com clima político favorável. Os principais países europeus têm hoje líderes pró-EUA. Resta saber quanto durará a lua-de-mel.


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