São Paulo, segunda-feira, 02 de novembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Análise

Abdullah cumpre seu papel no teatro eleitoral

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A desistência de Abdullah Abdullah parece encaixar-se à perfeição no teatro que o Ocidente montou para tentar justificar a eleição presidencial afegã deste ano. A dúvida que fica no momento diz respeito ao que o líder dos tadjiques étnicos irá ganhar em troca do bom comportamento de sair sem incitar violência.
Como a administração Obama precisava do pleito para ter algum dividendo político a oferecer para seu público interno, já que colocou a guerra no Afeganistão como prioritária, eleições impraticáveis do ponto de vista logístico ocorreram, com atraso, em agosto.
A fraude evidente, que certamente iria ser repetida no segundo turno, levou os países ocidentais a cortejarem Abdullah -ainda que fosse claro que Hamid Karzai seria o vencedor de qualquer modo. Mesmo numa hipotética vitória, Abdullah teria contra si quase todas as facções políticas do país. Achou melhor pedir o chapéu.
Mas não o fez de graça. O modo cortês com que deixou a disputa indica que Abdullah fez algum tipo de acordo. Seria primário considerar que ele agora se fortalece como uma alternativa de poder; acreditar em acertos de bastidor é muito mais condizente com a realidade política afegã. Não há espaço para polos de poder no país ao modo das democracias ocidentais, e sim para rivais acomodados ou não.
Paradoxalmente, no começo deste ano Karzai era visto como morto-vivo político. Mas tornou-se a única alternativa viável de poder palatável ao consórcio ocidental que administra de fato o Afeganistão. Sua fraqueza converteu-se em seu principal ativo, pois em vez de tentar se consolidar monocraticamente, abriu espaço para toda a sorte de senhores da guerra e traficantes de drogas e armas.
O leque de alianças garantiu ao presidente a condição de inevitabilidade. Indesejável, é verdade, e é a partir daqui que o próximo capítulo do drama afegão se desenrolará. Se ganhou inesperado poder, Karzai está mais ameaçado do que nunca.
Não faltam analistas próximos a Washington sugerindo uma nova partilha de poder que reconfigure a Constituição afegã, dando mais poderes para as Províncias e deixando Cabul como uma ilha fantasiosa onde recepções de Estado e discursos pomposos dão o ar de uma pretensa democracia.
Este plano tem ao menos dois complicadores. Primeiro, é preciso dar o quinhão de poder de forma proporcional às importâncias relativas dos aliados de Karzai, mas sem melindrar o próprio. Abdullah também não pode ficar fora do jogo.
Segundo, e mais grave, é o Taleban. A violência irá continuar. Os líderes locais e os fundamentalistas sob o guarda-chuva da marca teriam de ser incluídos de algum jeito na partilha para que haja algum tipo de estabilidade no país. Mas fazer isso é ir contra o próprio cânone central da "guerra de Obama".


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Mudança de tom dos EUA frustra palestinos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.