São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Eleição legislativa hoje coroa Putin

Vitória na eleição para a Câmara abre caminho para presidente escolher como se manterá no poder

Minúscula oposição ao governo deve ficar com comunistas; trunfo só será manchado se houver baixo comparecimento às urnas

Viktor Drachev/France Presse
Moscovita diante de cartaz de propaganda do Rússia Unida, partido criado em torno de Putin


IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU

A eleições parlamentares de hoje na Rússia deverão confirmar Vladimir Vladimirovitch Putin como um czar modelo século 21, embalado por US$ 1 trilhão de receitas provenientes do petróleo e do gás desde que assumiu o governo, em 2000.
Putin, 54, pode não ter os poderes absolutos que a dinastia Romanov teve, mas está perto. O partido Rússia Unida, escolhido por ele para disputar uma vaga de deputado como líder de lista, deverá abocanhar mais de 60% das 450 cadeiras da Duma, a Câmara Baixa do Parlamento.
A única oposição deverá ser a do Partido Comunista, que se opõe ao Kremlin apenas pró-forma. Um ou dois partidos que apóiam abertamente Putin deverão se juntar a eles, relegando a oposição liberal e a de esquerda radical ao ostracismo que já vivem desde as eleições à Duma de 2003.
É dos comunistas, paradoxalmente, que pode sair uma novidade no pleito. Entre moscovitas contrários ao governo ouvidos pela Folha, quase todos dizem que votarão em protesto no PC, embora não o aprovem. Hoje têm 10% dos deputados, e a última pesquisa lhes dá 12% de intenção de voto.
Mas a real possibilidade de fuga da sensação de inexorabilidade que se vive na Rússia de Putin é que haja um comparecimento inferior aos 60% previstos pela Comissão Central Eleitoral. O voto não é obrigatório para os 105 milhões de eleitores, num pleito que já começou na segunda-feira nos mais remotos cantos dos 11 fusos horários russos, trazendo consigo alegações de fraudes.
Um fracasso azedaria os planos de Putin de mostrar ao chamado Ocidente que a eleição foi legítima. Mas só tiraria algum brilho de sua festa, não impediria o roteiro de ser seguido. Até porque o mesmo Ocidente, a despeito da agenda liberal de seus canais de TV, só vê Putin com condições de manter a estabilidade no país.

Quatro alternativas
O próximo capítulo será a definição de como Putin se sustentará no poder. Como se sabe, ele se recusou a patrocinar uma mudança constitucional para ter direito a um terceiro termo. Para quem o apóia, isso é sinal claro de que é um democrata. Para seus adversários, é só cinismo para obter a boa vontade dos EUA e da Europa.
As opções especuladas até aqui são as seguintes:
1) Como poderá ser primeiro-ministro, já que será facilmente eleito deputado, Putin assume o cargo e promove uma concentração progressiva de poderes para si. Governaria a partir da Duma, com um presidente aliado fraco no Kremlin -provavelmente Victor Zubkov, atual premiê, mais idoso.
2) Zubkov ganha a eleição e Putin vira premiê, mas em alguns meses o fiel escudeiro deixa o cargo alegando "problemas de saúde" ou algo assim. Novas eleições são convocadas, e Putin leva a fatura, podendo ser reeleito em 2012.
3) É criado, na Duma, um novo cargo para Putin. O Movimento Pró-Putin, ativado em 16 de novembro por áulicos do presidente, defende a instauração da posição de "líder nacional", acima das instituições. Como a semelhança com seu homólogo alemão, "führer", traria más lembranças entre ocidentais e antigos combatentes da Grande Guerra Patriótica (como a Segunda Guerra Mundial é chamada na Rússia; a Guerra Patriótica, sem o Grande, foi contra Napoleão), talvez Putin evite.
4) Nenhuma das alternativas citadas acima.
O item 4 não é um chiste. Putin é conhecido por ser extremamente sagaz e objetivo, então fica difícil prever exatamente o que vai acontecer. Como jornalistas que trabalham para o governo foram advertidos a passar a semana que vem em Moscou, talvez possa haver surpresas não ventiladas.

Oposição
Cabe perguntar: e a oposição verdadeira, onde está? Por todo o esforço aparentemente genuíno dos líderes dela, é difícil apreender sua verdadeira capacidade de ação.
O ex-campeão mundial de xadrez Garry Kasparov, por exemplo, atrai uma audiência externa, mas é quase um desconhecido na Rússia como ativista político. Boris Nemtsov (União de Forças de Direita) e Grigori Iavlinski (Iabloko), supostamente políticos liberais, são vistos mais como pessoas que querem arrancar favores laterais do Kremlin.
E, mais importante, há o fator do bem-estar. Apesar do crescente controle de setores da economia, da mídia e da sociedade pelo Estado, a Rússia tem o US$ 1 trilhão que são associados com seu czar moderno para não querer ver grandes mudanças à frente.
De quebra, Putin é dinâmico, saudável e jovem para os padrões gerontocráticos das últimas décadas na Rússia. O preço da escolha é tema para historiadores futuros.


Texto Anterior: Cháves X Uribe: Gado do Brasil substituirá o da Colômbia
Próximo Texto: Putin não quis mudar carta para ter 3º mandato
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.