São Paulo, terça-feira, 02 de dezembro de 2008

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Sob pressão interna, Índia sobe tom contra Paquistão

Nova Déli aponta fracasso de Islamabad no combate ao terrorismo e cobra ações enérgicas

Acirramento da tensão entre as vizinhas potências nucleares é estimulado por mídia e partido da oposição ao premiê Manmohan Singh

RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A MUMBAI

O governo indiano cobrou ontem "ações enérgicas" do vizinho Paquistão contra os responsáveis pelos atentados que mataram 172 pessoas em Mumbai (antiga Bombaim) na semana passada e afirmou que a relação entre os dois países "deu um passo para trás".
A mensagem dura foi transmitida ao enviado especial do Paquistão, Shahid Malik, que chegou ontem à capital indiana, Nova Déli, e a quem a Índia expressou descontentamento com "o fracasso do Paquistão em controlar o terrorismo que emana de seu território".
A escalada de cobranças a Islamabad sucede as crescentes críticas na Índia de que o governo é fraco com o terrorismo.
Do lado paquistanês, o presidente Ali Asif Zardari disse que a Índia se apressou em criticar o Paquistão. Em raro encontro com jornalistas, autoridades militares do Paquistão ameaçaram transferir para a fronteira com a Índia as tropas que atuam na fronteira com o Afeganistão e que combatem militantes ligados à rede terrorista Al Qaeda no norte do país -o que seria um enorme revés para a política dos EUA na região.
"Não deixaremos um só soldado na fronteira com o Afeganistão se formos ameaçados por um conflito com a Índia", disseram, segundo informou a imprensa paquistanesa.
A polícia indiana vazou à imprensa local informações de que o único terrorista que sobreviveu ao cerco policial, Azam Kazav, 21, é paquistanês e teria confessado ter recebido treinamento no Paquistão.
O primeiro-ministro paquistanês, Yousaf Gilani, convocou líderes políticos do país para uma reunião hoje para debater a relação com a Índia.

Sem moderação
A mídia nos dois lados estimula o conflito. Nos mais de 20 canais a cabo de notícias 24 horas da Índia, âncoras exaltados e repórteres repetem a frase "não dá para se acreditar no Paquistão" e longas reportagens sobre grupos terroristas do país vizinho são exibidas.
Na TV paquistanesa, âncoras dizem que o serviço secreto indiano sofreu "um grande fracasso" ao não prever a operação e que culpa o Paquistão para não admitir a incompetência.
Até um ex-capitão da seleção paquistanesa de críquete, um dos esportes mais populares nos dois países, pediu publicamente que seus conterrâneos abandonem os times indianos.
"Os jogadores paquistaneses deveriam cancelar seus contratos e deixar a Índia até que tudo se resolva", disse Rashid Latif.
Poucas vozes pedem moderação. Além do primeiro-ministro, Manmohan Singh, a presidente do governista Partido do Congresso, Sonia Gandhi, e seu filho Rahul também pregam contra a política da divisão em meio aos crescentes conflitos étnicos e religiosos.
Mas vídeos no YouTube com os discursos de Singh após os atentados têm recebido dezenas de comentários que o chamam de "fraco" e de "boneco".
"Singh, o premiê indiano, é um tecnocrata excelente, responsável pelas grandes reformas econômicas que levaram a Índia a crescer tanto nos últimos anos, mas é considerado sem pulso contra o terrorismo", disse à Folha o colunista político Rahul Singh (sem parentesco, o sobrenome é comum entre os sikhs). "É bom que ele não seja populista e que o governo incentive a calma."
A atual crise pode levar mais instabilidade à Índia, que terá eleições nacionais no ano que vem. O opositor partido nacionalista hindu Bharatiya Janata (BJP) pede "linha dura" contra os terroristas. "A cada novo atentado, o BJP critica o governo e ataca os muçulmanos, que votam principalmente no partido do governo", diz o ex-editor-chefe do jornal "Times of India" Dileep Padgaonkar.
"A demagogia tem seu preço. Suspeitos de terrorismo são presos a esmo no país, têm seus direitos negados e alegações de tortura pela polícia viraram rotina. Presos passam anos sem o devido julgamento."


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