São Paulo, sábado, 03 de janeiro de 2009

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Hamas sairá fortalecido, diz reitor

Dirigente da Universidade Islâmica de Gaza, bombardeada por Israel, nega que a instituição produza armas

Ataque "foi um crime inaceitável", diz Kamalain Shaath, para quem uma nova trégua em condições injustas não dará certo

DO ENVIADO A JERUSALÉM

Um dos ataques mais polêmicos da operação israelense contra o grupo fundamentalista Hamas foi o que atingiu a Universidade Islâmica de Gaza, na terça-feira. Israel afirmou que o campus era uma alvo legítimo, já que em seus laboratórios eram fabricadas armas para uso terrorista. Para muitos no mundo árabe, e mesmo fora dele, porém, ao atingir uma instituição acadêmica, Israel rompeu os limites da ética e invadiu o terreno dos crimes de guerra. Fundada em 1978, nove anos antes do surgimento do Hamas, a universidade é considerada há muito tempo um bastião ideológico do movimento islâmico em Gaza, enquanto mantém atividades acadêmicas seculares, com cursos de informática, arte e engenharia. Em entrevista à Folha por telefone, o presidente da universidade, Kamalain Shaath, negou com veemência as afirmações israelenses. Engenheiro com doutorado na universidade britânica de Leeds, Shaath não é ligado ao Hamas, mas prevê que o grupo sairá fortalecido politicamente do devastador ataque israelense.

 

FOLHA - Os laboratórios da Universidade Islâmica de Gaza produziam armas?
KAMALAIN SHAATH
- É uma mentira absurda e desafio Israel a provar isso. Foi um crime inaceitável contra uma instituição acadêmica. Temos 20 mil estudantes no campus, seria impossível esconder uma fábrica de armas.

FOLHA - Quais foram as consequências do bombardeio?
SHAATH
- Dois prédios da universidade foram totalmente destruídos, entre eles os que abrigavam os laboratórios de ciência. Meu escritório sofreu danos, mas escapou. Nossa universidade é como qualquer outra. Só parte dos professores e estudantes é religiosa.

FOLHA - Como foi a semana em Gaza?
SHAATH
- A vida parou. Há centenas de prédios destruídos. Parte da população está sem água, eletricidade e gás.

FOLHA - Depois de tantos foguetes disparados de Gaza contra Israel, o sr. não esperava uma retaliação?
SHAATH
- É claro que havia a expectativa de que haveria problemas, mas ninguém esperava esse nível de destruição. Os bombardeios não pouparam ministérios, mesquitas e o Parlamento. Não esperávamos esse nível de brutalidade. Talvez a proximidade das eleições [em Israel] a explique.

FOLHA - A população não culpa o Hamas?
SHAATH
- A sensação geral é de ódio contra Israel. Por isso a maioria apoia a posição do Hamas de só aceitar uma trégua em melhores condições, principalmente a abertura das fronteiras. A trégua que vigorou por seis meses [rompida pelo Hamas] não nos ajudou em nada. Os suprimentos estavam muito restritos, a escassez era geral. Vou dar um exemplo: na universidade dois prédios estão inacabados há dois anos por falta de cimento. Por isso, uma nova trégua em condições injustas não vai durar muito.

FOLHA - Israel afirma que deu uma chance para que Gaza prosperasse ao se retirar do território, mas que o Hamas preferiu transformá-lo em base de terrorismo.
SHAATH
- Israel nunca deu nenhuma chance para que o governo do Hamas desse certo. O grupo foi eleito democraticamente, mas jamais teve condições de governar. Para que reconhecer Israel? O Fatah fez isso e não nos levou a nada. Tudo o que feito nesse período aumentou a pressão sobre o Hamas, que ficou encurralado.

FOLHA - Se ocorresse eleições palestinas hoje, quem venceria?
SHAATH
- Não só em Gaza, mas também na Cisjordânia, não tenho dúvidas de que o Hamas. Quando a OLP (Organização para a Libertação da Palestina), lutava contra Israel, era o grupo mais popular. Mas ele se aliou ao inimigo, e as pessoas mudaram de lado. Estou convencido de que hoje a maioria não quer um processo de paz com os israelenses. O que as pessoas querem é ter uma vida decente, e isso as negociações de paz não trouxeram. (MARCELO NINIO)


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