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Hamas sairá fortalecido, diz reitor
Dirigente da Universidade Islâmica de Gaza, bombardeada por Israel, nega que a instituição produza armas
Ataque "foi um crime inaceitável", diz Kamalain Shaath, para quem uma nova trégua em condições injustas não dará certo
DO ENVIADO A JERUSALÉM
Um dos ataques mais polêmicos da operação israelense
contra o grupo fundamentalista Hamas foi o que atingiu a
Universidade Islâmica de Gaza,
na terça-feira. Israel afirmou
que o campus era uma alvo legítimo, já que em seus laboratórios eram fabricadas armas para uso terrorista.
Para muitos no mundo árabe, e mesmo fora dele, porém,
ao atingir uma instituição acadêmica, Israel rompeu os limites da ética e invadiu o terreno
dos crimes de guerra.
Fundada em 1978, nove anos
antes do surgimento do Hamas,
a universidade é considerada
há muito tempo um bastião
ideológico do movimento islâmico em Gaza, enquanto mantém atividades acadêmicas seculares, com cursos de informática, arte e engenharia.
Em entrevista à Folha por
telefone, o presidente da universidade, Kamalain Shaath,
negou com veemência as afirmações israelenses. Engenheiro com doutorado na universidade britânica de Leeds,
Shaath não é ligado ao Hamas,
mas prevê que o grupo sairá
fortalecido politicamente do
devastador ataque israelense.
FOLHA - Os laboratórios da Universidade Islâmica de Gaza produziam
armas?
KAMALAIN SHAATH - É uma mentira absurda e desafio Israel a
provar isso. Foi um crime inaceitável contra uma instituição
acadêmica. Temos 20 mil estudantes no campus, seria impossível esconder uma fábrica de
armas.
FOLHA - Quais foram as consequências do bombardeio?
SHAATH - Dois prédios da universidade foram totalmente
destruídos, entre eles os que
abrigavam os laboratórios de
ciência. Meu escritório sofreu
danos, mas escapou. Nossa universidade é como qualquer outra. Só parte dos professores e
estudantes é religiosa.
FOLHA - Como foi a semana em
Gaza?
SHAATH - A vida parou. Há centenas de prédios destruídos.
Parte da população está sem
água, eletricidade e gás.
FOLHA - Depois de tantos foguetes
disparados de Gaza contra Israel, o
sr. não esperava uma retaliação?
SHAATH - É claro que havia a
expectativa de que haveria problemas, mas ninguém esperava
esse nível de destruição. Os
bombardeios não pouparam
ministérios, mesquitas e o Parlamento. Não esperávamos esse nível de brutalidade. Talvez a
proximidade das eleições [em
Israel] a explique.
FOLHA - A população não culpa o
Hamas?
SHAATH - A sensação geral é de
ódio contra Israel. Por isso a
maioria apoia a posição do Hamas de só aceitar uma trégua
em melhores condições, principalmente a abertura das fronteiras. A trégua que vigorou por
seis meses [rompida pelo Hamas] não nos ajudou em nada.
Os suprimentos estavam muito
restritos, a escassez era geral.
Vou dar um exemplo: na universidade dois prédios estão
inacabados há dois anos por falta de cimento. Por isso, uma
nova trégua em condições injustas não vai durar muito.
FOLHA - Israel afirma que deu uma
chance para que Gaza prosperasse
ao se retirar do território, mas que o
Hamas preferiu transformá-lo em
base de terrorismo.
SHAATH - Israel nunca deu nenhuma chance para que o governo do Hamas desse certo. O
grupo foi eleito democraticamente, mas jamais teve condições de governar. Para que reconhecer Israel? O Fatah fez isso e não nos levou a nada. Tudo
o que feito nesse período aumentou a pressão sobre o Hamas, que ficou encurralado.
FOLHA - Se ocorresse eleições palestinas hoje, quem venceria?
SHAATH - Não só em Gaza, mas
também na Cisjordânia, não tenho dúvidas de que o Hamas.
Quando a OLP (Organização
para a Libertação da Palestina),
lutava contra Israel, era o grupo
mais popular. Mas ele se aliou
ao inimigo, e as pessoas mudaram de lado. Estou convencido
de que hoje a maioria não quer
um processo de paz com os israelenses. O que as pessoas
querem é ter uma vida decente,
e isso as negociações de paz não
trouxeram.
(MARCELO NINIO)
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