São Paulo, sexta-feira, 03 de fevereiro de 2006

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AMÉRICA LATINA

Segundo nas pesquisas, candidato-surpresa a presidente do Peru se diz antiimperialista, nacionalista e progressista

"Não sou de esquerda", afirma Humala

Flor Ruiz/Folha Imagem
Após evento com estudantes universitários, Humala é carregado por simpatizantes, em Huancayo


FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A HUANCAYO (PERU)

Não foi uma entrevista comum: gravada numa viagem de carro entre Huancayo, a mais de 3.000 metros de altitude, e a capital litorânea, Lima, as perguntas foram respondidas pelo candidato-surpresa a presidente do Peru, o nacionalista Ollanta Humala, à medida que ele, mãos firmes no volante, vencia as curvas fechadas da sinuosa e bela estrada andina.
Tampouco se trata de um candidato qualquer. Considerado a grande surpresa da campanha presidencial peruana, Humala chegou a liderar as pesquisas de opinião em meados de janeiro e atualmente o segundo lugar com 22%, atrás apenas de Lourdes Flores (30%), principal candidata da direita. Caso as eleições de 9 de abril fossem agora, Humala passaria para o segundo turno.
Tenente-coronel aposentado de 43 anos, Humala, estreante na política, concorre com outros 22 candidatos, entre eles dois ex-presidentes e até um irmão, o ultranacionalista Ulises.
Conhecido no Peru sobretudo por ter liderado uma rebelião militar, em outubro de 2000, contra o então presidente Alberto Fujimori, Humala ganhou projeção internacional não só pelo desempenho surpreendente nas pesquisas mas também por ter reunido recentemente com os presidentes Hugo Chávez (Venezuela) e Evo Morales (Bolívia).
A seguir, os principais trechos da entrevista à Folha.
 

Folha - Onde o sr. se localiza entre os vários matizes da onda de esquerda na região?
Ollanta Humala -
O que existe são forças progressistas nacionalistas. Na Bolívia, chamam de forças indigenistas, no Uruguai, forças de esquerda, na Venezuela, forças nacionalistas e socialistas. No Peru, somos nacionalistas. Não creio na divisão geográfica entre esquerda e direita, mas entre progressistas e não-progressistas. É aí que estou: enfrento os efeitos perniciosos da globalização, começando por questionar o seu modelo neoliberal.

Folha - Mas o sr. é visto dentro dessa onda de esquerda.
Humala -
Não tenho preconceito contra a esquerda, mas isso não seria exato, pois as forças nacionalistas não discriminam entre as forças de esquerda e de direita. Por exemplo, temos empresários nacionais que provavelmente estariam na direita, mas há uma característica comum, que é acreditar que o modelo econômico neoliberal está nos destruindo. Portanto, eles, até pelo instinto de preservação, se colocam como nacionalistas. E temos também as forças de esquerda dentro do nacionalismo. Portanto, o nacionalismo independe de categoria, é um novo cenário político. Defendemos a identidade cultural e a possibilidade de manter o Estado contra o neocolonialismo.


As forças nacionalistas não discriminam entre as forças de esquerda e de direita

Folha - O sr. critica a "elite" que promoveu a independência. A sua visão de Simón Bolivar e de integração difere de Hugo Chávez?
Humala -
Creio no projeto bolivariano, creio na integração latino-americana e espero que existam os Estados Unidos da América do Sul. E acredito que Bolívar tenha sido um gênio, visionário. Ele foi um bom militar e melhor como político ao propor os Estados Unidos da América do Sul, e é no que Chávez acredita.

Folha - Quais foram as sugestões de Chávez para a eleição?
Humala -
Não houve. Basicamente, ele quis saber um pouco de mim, da rebelião que fiz. Temos muitas histórias parecidas.

Folha - E com relação a Lula?
Humala -
Considero Lula um lutador social bastante importante no Brasil. Evidentemente, a corrupção está por todos os lados, e esse problema lhe afetou a credibilidade. Mas isso não o desmerece como líder político no Brasil. Mais: dentro da agenda internacional que estamos fazendo, buscaremos o governo Lula.

Folha - O Mercosul é prioritário?
Humala -
O Mercosul e a Comunidade Andina. Acredito na integração não apenas econômica mas política e social. É mais importante a integração entre países semelhantes latino-americanos que um tratado de livre comércio [com os EUA] que está para ser assinado em nosso país e que, lamentavelmente, não sabemos do que se trata, o que foi negociado.

Folha - Com relação às empresas brasileiras no Peru, como a Petrobras, o sr. vê algum problema?
Humala -
Não, acredito no investimento estrangeiro, independentemente se é brasileiro, mexicano ou chileno. Queremos o investimento estrangeiro, mas vamos construir um governo que imponha a autoridade. Isso significa um investimento que traga transferências tecnologias, geração de emprego, bem-estar às comunidades e pagamento de impostos.

Folha - Mas o sr. fala em limitar as empresas chilenas. O Chile é exceção?
Humala -
Não. Quando me refiro a isso, estou falando sobre áreas estratégicas. Eu me refiro à atividade portuária, na qual competimos com o Chile na região do Pacífico. Colocarei limites nos investimentos chilenos nas atividades portuárias e estratégicas e fortalecerei a presença de empresas nacionais.

Folha - Com relação aos EUA, o sr. adotaria uma linha de confronto?
Humala -
Sou antiimperialista. Com os EUA, podemos trabalhar bem, há muitos temas de agenda que são comuns entre os dois, mas sob um conceito de igualdade e de respeito mútuos.

Folha - O sr. está de acordo com a política de erradicação do plantio de coca, mesmo sabendo que a produção tende a ir ao narcotráfico?
Humala -
Não estou de acordo com a erradicação. Estamos falando de 200 mil famílias que vivem do plantio. Elas têm filhos. A solução imediata poderia ser a substituição de cultivos de folhas de coca por cultivos rentáveis. Isso e, a longo prazo, a industrialização da folha de coca.

Folha - O sr. decidiu se candidatar por ter sido aposentado compulsoriamente pelo Exército, em 2005. Como o sr. fez para criar um partido em tão curto espaço de tempo?
Humala -
Quando me colocaram na reserva, foi no dia 31 de dezembro de 2004, com a data de 1º de janeiro do ano passado, considerei isso um abuso de autoridade e disse isso ao ministro da Defesa. Ele apenas negou o pedido. Pensei: "O que faço?" Fiz uma análise do país. Tinha já uma inclinação para a política, havia feito um mestrado sobre o tema na Universidade Católica do Peru e estou fazendo um doutorado em ciência política na França. Estava envolvido nisso em fevereiro de 2005, quando ocorreu o episódio de Andahuaylas com o meu irmão Antauro, e o meu pai havia fundado um partido político com o qual tenho divergências sérias. Então, decidi fundar um partido diferente, com uma ideologia nacionalista. Tivemos de construí-lo e armá-lo em oito meses.

Folha - A sua subida na pesquisas deixou o sr., a sua família e o seu partido expostos. Vocês estavam preparados para isso?
Humala -
Existem coisas para as quais o partido ainda não estava preparado, no sentido de suportar essa campanha de guerra suja, mas sobretudo com relação às ambições pessoais. Pessoas do partido que, agora que não são candidatos ao Congresso, tiram a máscara nacionalista e mostram que são uns ambiciosos.

Folha - Um ponto marcante da sua campanha são as diferenças ideológicas com o seu pai e os seus irmãos Antauro e Ulises. Quais são essas diferenças?
Humala -
O meu pai tem uma ideologia em que há um forte ingrediente racial, o que eu rechaço. É certo que o Peru é um país racista, como muitos outros, mas não se pode construir um discurso sobre a base da cor da pele em um país tão miscigenado. Qual seria o padrão para definir quem é ou não é "cobrizo"? Isso distorce o projeto político do meu pai.

Folha - Como lhe afeta o fato de competir com um irmão, Ulises, com o apoio de seu pai?
Humala -
A mim me afeta um pouco o fato de o meu pai dar declarações à imprensa, mas quero bem ao meu pai. Muitos meios de comunicação estão usando a minha família de maneira premeditada numa campanha milionária de guerra suja. Eles fazem com que o meu pai acredite que ele seja um ator político. Eles não o chamam de Isaac Humala, mas de pai de Ollanta. Deveriam deixar o meu pai em paz, ele já está sofrendo muito por causa do meu irmão Antauro, que está preso. Se quiserem me atacar, que não seja através do meu pai. Temos de parar com o circo romano no qual se vê um pai machucando o seu filho.


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