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AMÉRICA LATINA
Segundo nas pesquisas, candidato-surpresa a presidente do Peru se diz antiimperialista, nacionalista e progressista
"Não sou de esquerda", afirma Humala
Flor Ruiz/Folha Imagem
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Após evento com estudantes universitários, Humala é carregado por simpatizantes, em Huancayo |
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A HUANCAYO (PERU)
Não foi uma entrevista comum:
gravada numa viagem de carro
entre Huancayo, a mais de 3.000
metros de altitude, e a capital litorânea, Lima, as perguntas foram
respondidas pelo candidato-surpresa a presidente do Peru, o nacionalista Ollanta Humala, à medida que ele, mãos firmes no volante, vencia as curvas fechadas da
sinuosa e bela estrada andina.
Tampouco se trata de um candidato qualquer. Considerado a
grande surpresa da campanha
presidencial peruana, Humala
chegou a liderar as pesquisas de
opinião em meados de janeiro e
atualmente o segundo lugar com
22%, atrás apenas de Lourdes Flores (30%), principal candidata da
direita. Caso as eleições de 9 de
abril fossem agora, Humala passaria para o segundo turno.
Tenente-coronel aposentado de
43 anos, Humala, estreante na política, concorre com outros 22
candidatos, entre eles dois ex-presidentes e até um irmão, o ultranacionalista Ulises.
Conhecido no Peru sobretudo
por ter liderado uma rebelião militar, em outubro de 2000, contra
o então presidente Alberto Fujimori, Humala ganhou projeção
internacional não só pelo desempenho surpreendente nas pesquisas mas também por ter reunido
recentemente com os presidentes
Hugo Chávez (Venezuela) e Evo
Morales (Bolívia).
A seguir, os principais trechos
da entrevista à Folha.
Folha - Onde o sr. se localiza entre
os vários matizes da onda de esquerda na região?
Ollanta Humala - O que existe
são forças progressistas nacionalistas. Na Bolívia, chamam de forças indigenistas, no Uruguai, forças de esquerda, na Venezuela,
forças nacionalistas e socialistas.
No Peru, somos nacionalistas.
Não creio na divisão geográfica
entre esquerda e direita, mas entre progressistas e não-progressistas. É aí que estou: enfrento os
efeitos perniciosos da globalização, começando por questionar o
seu modelo neoliberal.
Folha - Mas o sr. é visto dentro
dessa onda de esquerda.
Humala - Não tenho preconceito
contra a esquerda, mas isso não
seria exato, pois as forças nacionalistas não discriminam entre as
forças de esquerda e de direita.
Por exemplo, temos empresários
nacionais que provavelmente estariam na direita, mas há uma característica comum, que é acreditar que o modelo econômico neoliberal está nos destruindo. Portanto, eles, até pelo instinto de
preservação, se colocam como
nacionalistas. E temos também as
forças de esquerda dentro do nacionalismo. Portanto, o nacionalismo independe de categoria, é
um novo cenário político. Defendemos a identidade cultural e a
possibilidade de manter o Estado
contra o neocolonialismo.
As forças nacionalistas não discriminam entre as
forças de esquerda e de direita
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Folha - O sr. critica a "elite" que
promoveu a independência. A sua
visão de Simón Bolivar e de integração difere de Hugo Chávez?
Humala - Creio no projeto bolivariano, creio na integração latino-americana e espero que existam os Estados Unidos da América do Sul. E acredito que Bolívar
tenha sido um gênio, visionário.
Ele foi um bom militar e melhor
como político ao propor os Estados Unidos da América do Sul, e é
no que Chávez acredita.
Folha - Quais foram as sugestões
de Chávez para a eleição?
Humala - Não houve. Basicamente, ele quis saber um pouco
de mim, da rebelião que fiz. Temos muitas histórias parecidas.
Folha - E com relação a Lula?
Humala - Considero Lula um lutador social bastante importante
no Brasil. Evidentemente, a corrupção está por todos os lados, e
esse problema lhe afetou a credibilidade. Mas isso não o desmerece como líder político no Brasil.
Mais: dentro da agenda internacional que estamos fazendo, buscaremos o governo Lula.
Folha - O Mercosul é prioritário?
Humala - O Mercosul e a Comunidade Andina. Acredito na integração não apenas econômica
mas política e social. É mais importante a integração entre países
semelhantes latino-americanos
que um tratado de livre comércio
[com os EUA] que está para ser
assinado em nosso país e que, lamentavelmente, não sabemos do
que se trata, o que foi negociado.
Folha - Com relação às empresas
brasileiras no Peru, como a Petrobras, o sr. vê algum problema?
Humala - Não, acredito no investimento estrangeiro, independentemente se é brasileiro, mexicano
ou chileno. Queremos o investimento estrangeiro, mas vamos
construir um governo que imponha a autoridade. Isso significa
um investimento que traga transferências tecnologias, geração de
emprego, bem-estar às comunidades e pagamento
de impostos.
Folha - Mas o sr.
fala em limitar as
empresas chilenas.
O Chile é exceção?
Humala - Não.
Quando me refiro
a isso, estou falando sobre áreas estratégicas. Eu me
refiro à atividade
portuária, na qual
competimos com
o Chile na região do Pacífico. Colocarei limites nos investimentos
chilenos nas atividades portuárias
e estratégicas e fortalecerei a presença de empresas nacionais.
Folha - Com relação aos EUA, o sr.
adotaria uma linha de confronto?
Humala - Sou antiimperialista.
Com os EUA, podemos trabalhar
bem, há muitos temas de agenda
que são comuns entre os dois,
mas sob um conceito de igualdade e de respeito mútuos.
Folha - O sr. está de acordo com a
política de erradicação do plantio
de coca, mesmo sabendo que a produção tende a ir ao narcotráfico?
Humala - Não estou de acordo
com a erradicação. Estamos falando de 200 mil famílias que vivem do plantio. Elas têm filhos. A
solução imediata poderia ser a
substituição de cultivos de folhas
de coca por cultivos rentáveis. Isso e, a longo prazo, a industrialização da folha de coca.
Folha - O sr. decidiu se candidatar
por ter sido aposentado compulsoriamente pelo Exército, em 2005.
Como o sr. fez para criar um partido
em tão curto espaço de tempo?
Humala - Quando me colocaram
na reserva, foi no dia 31 de dezembro de 2004, com a data de 1º de
janeiro do ano passado, considerei isso um abuso de autoridade e
disse isso ao ministro da Defesa.
Ele apenas negou o pedido. Pensei: "O que faço?" Fiz uma análise
do país. Tinha já uma inclinação
para a política, havia feito um
mestrado sobre o tema na Universidade Católica do Peru e estou
fazendo um doutorado em ciência política na França. Estava envolvido nisso em fevereiro de
2005, quando ocorreu o episódio
de Andahuaylas com o meu irmão Antauro, e o meu pai havia
fundado um partido político com
o qual tenho divergências sérias.
Então, decidi fundar um partido
diferente, com uma ideologia nacionalista. Tivemos de construí-lo
e armá-lo em oito meses.
Folha - A sua subida na pesquisas
deixou o sr., a sua família e o seu
partido expostos. Vocês estavam
preparados para isso?
Humala - Existem coisas para as
quais o partido
ainda não estava
preparado, no
sentido de suportar essa campanha de guerra suja, mas sobretudo
com relação às
ambições pessoais. Pessoas do
partido que, agora que não são
candidatos ao
Congresso, tiram
a máscara nacionalista e mostram
que são uns ambiciosos.
Folha - Um ponto marcante da
sua campanha são as diferenças
ideológicas com o seu pai e os seus
irmãos Antauro e Ulises. Quais são
essas diferenças?
Humala - O meu pai tem uma
ideologia em que há um forte ingrediente racial, o que eu rechaço.
É certo que o Peru é um país racista, como muitos outros, mas não
se pode construir um discurso sobre a base da cor da pele em um
país tão miscigenado. Qual seria o
padrão para definir quem é ou
não é "cobrizo"? Isso distorce o
projeto político do meu pai.
Folha - Como lhe afeta o fato de
competir com um irmão, Ulises,
com o apoio de seu pai?
Humala - A mim me afeta um
pouco o fato de o meu pai dar declarações à imprensa, mas quero
bem ao meu pai. Muitos meios de
comunicação estão usando a minha família de maneira premeditada numa campanha milionária
de guerra suja. Eles fazem com
que o meu pai acredite que ele seja
um ator político. Eles não o chamam de Isaac Humala, mas de pai
de Ollanta. Deveriam deixar o
meu pai em paz, ele já está sofrendo muito por causa do meu irmão
Antauro, que está preso. Se quiserem me atacar, que não seja através do meu pai. Temos de parar
com o circo romano no qual se vê
um pai machucando o seu filho.
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