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Kasparov critica apoio ocidental ao Kremlin
ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU
Rosto mais conhecido da
oposição russa fora do país, o
enxadrista Garry Kasparov critica duramente os líderes do
Ocidente por apoiarem o regime de Vladimir Putin. Segundo
ele, esse amparo permitiu ao
Kremlin chegar à "destruição
final da democracia" na Rússia.
Em entrevista exclusiva à
Folha, por e-mail, o ex-campeão mundial de xadrez, 44,
símbolo da "glasnost" de Mikhail Gorbatchov, admite que
não é uma figura exatamente
popular em seu país -como a
conversa com qualquer russo
permite deduzir. "A maioria
nunca ouviu meus discursos."
A saída, diz, é continuar protestando. Ontem ele tentou,
sem sucesso. Amanhã haverá
uma nova edição da "Marcha
dos Dissidentes" em Moscou e
outras cidades.
(IGOR GIELOW)
FOLHA - Qual a sua opinião sobre a
"unção" de Medvedev como sucessor de Putin?
GARRY KASPAROV - Nunca foi
uma questão se Putin e sua
gangue iriam ou não ficar no
poder. A única questão era como eles fariam isso e se haveria
alguma objeção internacional à
destruição final da democracia
russa. Agora nós sabemos as
respostas. O Ocidente vai dizer
pouco e não fazer nada. É bem
pouco provável que ele tenha
alguma independência no futuro próximo. Putin um dia pode
querer deixar o poder, mas só
fará isso quando acreditar que
está a salvo de represálias.
FOLHA - A Anistia Internacional
acaba de divulgar relatório sobre a
coerção a liberdades civis como os
protestos de A Outra Rússia. O que o
sr. espera para o futuro próximo?
KASPAROV - A Anistia e outros
grupos têm feito um trabalho
excelente para mostrar incontáveis fraudes e falhas do regime. E daí? Putin e seus amigos
só se preocupam com o dinheiro. Exceto que algum líder ocidental venha e ameace seus lucros, o que importa o que falam? Ameaçar investigação nas
práticas bancárias e de comércio, ameaçar remoção do G7 se
não houver reforma democrática, isso tudo poderia funcionar. O resto são só palavras.
A Rússia de Ieltsin foi autorizada a entrar no G7 como uma
forma de encorajamento, para
promover uma tendência democrática. Obviamente, isso falhou. Como Putin, e agora Medvedev, é aceito como igual pelos
outros, fica muito difícil para
nós argumentar que eles não
são realmente democratas enquanto a propaganda do Kremlin os mostra sorrindo com [o
presidente americano] George
W. Bush, [o premiê britânico]
Gordon Brown e outros.
FOLHA - Alguns analistas crêem
que a oposição, mesmo em um ambiente político livre, não conseguiria
enfrentar a popularidade de Putin
numa eleição. O que o sr. acha?
KASPAROV - Eu adoraria descobrir, é isso o que acho. Por ambiente político livre, entendo
que deveríamos ter acesso à TV
e a outros meios pela primeira
vez em muitos anos. A diferença seria instantânea e dramática. O mito da popularidade de
Putin é baseado em oito anos
de propaganda constante e na
intimidação contra a oposição.
FOLHA - O sr. é muito reconhecido
no exterior, mas essa posição parece
ser disputada aqui. Por quê?
KASPAROV - A maioria dos russos nunca ouviu meus discursos políticos. Estou vetado da
TV russa. Só apareço em uma
estação de rádio. Nenhum jornal principal vai editar um editorial meu ou de qualquer colega pró-democracia.
Mas também é verdade que
muitos não percebem a conexão entre suas vidas e o sistema
político daqui. Eles não tiveram
poder por gerações, em muitos
casos. O Kremlin diz a eles que
a democracia sob Ieltsin foi um
truque corrupto que não deve
ser tentado de novo. Então,
acho que vai levar tempo para
reconectar as pessoas ao processo. Mas primeiro o processo
precisa ser purificado.
FOLHA - O sr. teme por sua vida ou
liberdade?
KASPAROV - Depois de ser atacado e preso várias vezes, seria
estúpido dizer que não tenho
medo. Lógico que eu tenho, nós
todos temos. Mas, se você decide fazer algo, como parar? Se
vale a pena lutar pela democracia russa, e muitos estão indo às
ruas para lutar por ela, como eu
posso cair fora simplesmente
porque eu posso? Isso não significa que eu queira ser um
mártir. O Kremlin pode banir
todos os eventos, decretar lei
marcial, prender todo mundo.
Mas isso iria colocar em perigo
sua relação delicada com o Ocidente, onde está o dinheiro.
NA INTERNET
www.folha.com.br/080621
Leia a íntegra da entrevista
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