São Paulo, terça-feira, 03 de março de 2009

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Raúl reforma gabinete e troca chanceler

Governo cubano substitui os titulares de oito pastas e retira Carlos Lage, "premiê" por duas décadas, de um de seus cargos

Governo diz que mudança visa "eficiência" do Estado; para analistas, reforma de gabinete reforça a linha "raulista" no poder da ilha


FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

O dirigente de Cuba, Raúl Castro, trocou o comando de oito ministérios ontem e removeu dos postos duas das figuras mais proeminentes do regime: Felipe Pérez Roque deixou a Chancelaria e Carlos Lage, espécie de premiê de fato há quase duas décadas, saiu da secretaria do Conselho de Ministros.
As mudanças, em nome de um governo "mais compacto e funcional" -Raúl acabou também com dois ministérios-, causaram surpresa ao serem anunciadas em nota na TV, no noticiário do meio-dia.
Analistas dizem que, dado o hermetismo do governo comunista, é cedo para dissecar o significado global da dança das cadeiras. Apontam, porém, um reforço da linha "raulista", com a escolha de nomes mais próximos do atual comandante da ilha em detrimento de nomes fiéis a seu irmão mais velho convalescente, Fidel, 82.
Pérez Roque, 43, será substituído por Bruno Rodríguez Parrilla, 51, antes vice-ministro de Relações Exteriores. O advogado e jornalista Rodríguez dirigiu o jornal oficial "Juventud Rebelde", foi embaixador de Cuba na ONU e, assim como o ex-chanceler, entrou na hierarquia do Estado na ilha após passar pelo movimento estudantil. Não tem a marca ultrafidelista do antecessor, secretário pessoal do ditador nos anos 90.
"A mudança de chanceler tem implicação nas relações com o novo governo dos EUA? Minha aposta é que não. Dado que o próprio Raúl Castro já enunciou claramente sua visão sobre a relação com os EUA, penso que é improvável", escreveu em seu blog sobre a ilha Phill Peters, especialista do americano Lexington Institute.
Carlos Lage, 57, deixa o posto de secretário do Conselho de Ministros, cargo a que deu relevância desde a crise dos anos 1990. Para o seu lugar, vai o general-de-brigada Amado Ricardo Guerra, por anos auxiliar de Raúl Castro na função de secretário das Forças Armadas.
A nota frisa que o novo cargo de Guerra, pela Constituição, não tem faculdades decisórias. Mas, na função, o médico Lage se transformou na cara "reformista" da economia cubana, comandando mudanças de gestão em empresas estratégicas e dirigindo a "revolução energética", que livrou a ilha de apagões desde 2006.
Lage mantém, porém, o seu cargo mais importante: uma das cinco vice-presidências do Conselho de Estado, o colegiado que corresponde ao Executivo em Cuba, presidido por Raúl. Poderia, assim, reter as funções de coordenação econômica. Segue na linha sucessória -ele já foi citado como futuro líder numa Cuba pós-Castros.

"Na geladeira"
"É cedo para dizer que Lage e Pérez Roque não terão papéis importantes no futuro. O que se pode dizer é que tanta mudança simultânea é inédito", diz Rosendo Díaz, ex-professor de direito da Universidade de Havana e hoje consultor de empresas no Brasil.
"Pessoas de confiança de Raúl ganharam relevo. Há novos, como o novo chanceler, que foi meu colega de faculdade, e generais. Não é algo geracional", continua ele.
A análise é corroborada por Oscar Chepe, economista dissidente que serviu como diplomata do regime até os anos 80. "É o reforço do "raulismo". Esperemos que ele comece a fazer outras mudanças que prometeu", disse ele, em entrevista por telefone, de Havana.
Chepe vê Lage "na geladeira". "Ele sumiu da mídia ultimamente. Não sei que tipo de divergências ele pode ter com Raúl, também um pragmático."
A reforma abarcou a pasta da Economia, que englobou o Ministério do Comércio Interior. José Luis Rodríguez será substituído por Marino Murillo, ex-titular da pasta fundida.
O ministro das Comunicações, Ramiro Valdés, 76, que tem status de "herói da Revolução", coordenará a "Batalha das Ideias", o programa lançado por Fidel para reacender o fervor revolucionário. Valdés, que já dirigiu o serviço de inteligência, havia sido promovido no mês passado a vice-presidente do Conselho de Ministros, ao lado dos titulares da Agricultura (um general) e dos Transportes, em outro movimento tido como "raulista". As três áreas ganharam atenção e investimentos sob Raúl.
Rodrigo Malmierca Díaz, que já serviu na embaixada de Cuba no Brasil, comandará a pasta de Comercio Exterior e Investimento Estrangeiro.
O que é identificado como "reforço do raulismo" acontece curiosamente quando Fidel envia sinais de que está melhor de saúde. O Castro mais velho é considerado por analistas o "freio" nos supostos ímpetos reformistas de Raúl.
Desde que assumiu formalmente o poder, em fevereiro de 2008, Raúl Castro tem feito discursos pregando a eficiência do Estado e enxugamento da máquina. A nota sobre a reforma faz referência ao discurso de posse, quando prometeu "mudanças estruturais".
Chepe e Díaz, porém, continuam prevendo que uma reforma para além da troca de nomes só ocorrerá após o Congresso do Partido Comunista, anunciado para fins de 2009.


Com agências internacionais


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