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A MORTE DO PAPA
"El Silencio", de Horacio Verbitsky, acusa d. Jorge Bergoglio de ter colaborado com a prisão de dois padres durante a ditadura
Livro revela "dupla face" de papável argentino
SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES
O cardeal primaz da Argentina,
Jorge Bergoglio, 68, é apontado
como um dos possíveis sucessores do papa João Paulo 2º.
O prestígio do cardeal argentino
no Vaticano cresce desde 2001,
ano em que ele foi o relator do Sínodo dos Bispos.
Na Argentina, porém, sua reputação está sendo severamente
questionada, a partir do lançamento de um livro que esmiúça as
relações da Igreja Católica com a
última ditadura militar no país
(1976-83).
"El Silencio" (Editorial Sudamericana), de Horacio Verbitsky,
acusa Bergoglio de ter contribuído para a detenção, em 1976, pelas
Forças Armadas, de dois sacerdotes que trabalhavam sob seu comando na Companhia de Jesus,
Francisco Jalics e Orlando Yorio.
A acusação não é inédita. Rumores sobre uma suposta colaboração de Bergoglio com a ditadura já haviam sido ventilados na
Argentina por críticos do perfil
conservador do cardeal.
É a primeira vez, no entanto,
que se publica um registro oficial
da atuação de Bergoglio no episódio. Verbitsky obteve nos arquivos do Ministério das Relações
Exteriores e Culto da Argentina
um documento de 1979 em que o
então diretor de Culto Católico do
órgão, Anselmo Orcoyen, afirma
ter sido informado por Bergoglio
das "suspeitas de contato com
guerrilheiros" e dos "conflitos de
obediência" envolvendo o sacerdote de origem húngara Jalics.
Bergoglio teria feito esses comentários oralmente ao entregar
por escrito um pedido para renovação do passaporte argentino de
Jalics, que, assim como Yorio, foi
libertado em 1976. O pedido de
renovação do passaporte foi negado com base nos antecedentes
do religioso informados verbalmente. Verbitsky narrou esses fatos num capítulo de "El Silencio"
chamado de "As Duas Faces do
Cardeal".
"Para mim, esses documentos
não deixam lugar a dúvidas. Ele
[Bergoglio] vai à Chancelaria, pede um trâmite em favor do sacerdote, mas, por baixo do pano, diz
para não o concederem porque se
trata de um subversivo", disse
Verbitsky à Folha.
Bergoglio aceitou falar com o
escritor durante a preparação do
livro. O cardeal negou que tenha
colaborado com a ditadura e disse
que, ao contrário, agira para tentar salvar os sacerdotes enquanto
estavam presos na Esma, a Escola
de Mecânica da Armada, local de
extermínio do regime militar.
No momento em que se encontraram, o autor do livro ainda não
havia localizado o documento
com o qual acredita haver comprovado o duplo comportamento
de Bergoglio nos anos da ditadura. "Depois, tentei falar com ele
novamente, mas ele nunca me
atendeu. Não sei se ficou sabendo,
por suas fontes, que eu havia localizado o texto", diz Verbitsky.
A Folha tentou ouvir Bergoglio,
mas foi informada, na sede do arcebispado argentino, que o cardeal "não fala com a imprensa".
Em declarações a Verbitsky, o
padre Yorio, que morreu em
2000, afirma haver sido traído por
Bergoglio. Segundo o religioso, o
cardeal não apenas teria negado
esforços para libertá-los mas também seria o responsável por sua
perseguição, já que decidiu afastá-los da paróquia em que trabalhavam quando aderiram à teologia da libertação. Com o gesto,
Bergoglio teria assinalado os sacerdotes como alvos do regime
militar, acreditava Yorio.
Quando procurado pelo autor,
Jalics, que hoje vive na Alemanha,
preferiu não retomar o assunto.
"Já passou um quarto de século
[desde a detenção]. Estou muito
longe de tudo isso. Por que remexer em memórias dolorosas?", foi
a resposta do padre.
Embora seja avesso ao contato
com a imprensa e à exibição pública -é um hábito do cardeal
ocultar sob uma capa de cor neutra os imponentes trajes sacerdotais quando anda pelas ruas-,
Bergoglio se envolveu numa
grande polêmica midiática no final do ano passado.
O cardeal classificou de "blasfema" e pediu a censura da retrospectiva em que o artista plástico
Leon Ferrari, 84, exibia obras críticas à Igreja Católica, no Centro
Cultural Recoleta, ao lado da Paróquia de Pilar.
Na onda de indignação incentivada por Bergoglio, fiéis fervorosos invadiram a mostra e destruíram parte das obras aos gritos de
"Viva Cristo Rei". Ferrari reuniu
os estilhaços das peças atacadas,
manteve-as expostas e as renomeou. Adquiriram o título:
"Obrigado, cardeal Bergoglio".
Ferrari é convidado de Verbitsky para o debate em torno de
sua obra na Feira do Livro, que
ocorre neste mês em Buenos Aires. Lançado no mês passado, "El
Silencio" esgotou a primeira edição, de 12 mil exemplares. "Que o
livro saia no momento em que ele
é considerado papável é pura casualidade", diz Verbitsky.
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