São Paulo, sábado, 03 de abril de 2010

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CLÓVIS ROSSI

Sai o "vírus da paz", entra Obama


Estados Unidos preparam plano de paz para o Oriente Médio que irá além da disputa entre israelenses e palestinos


SE O PRESIDENTE Luiz Inácio Lula da Silva leva consigo o vírus da paz, desde que estava no útero materno, como chegou a dizer em sua recente viagem ao Oriente Médio, certamente esse tipo de vírus não é contagioso: durante e depois da visita de Lula, paz foi tudo o que NÃO houve na região, como, de resto, é parte da rotina. Ataques de parte a parte em Gaza são apenas a prova mais recente.
Agora, sai o voluntarismo de Lula e entra o rolo compressor de Barack Obama. Todos os indícios disponíveis apontam para o iminente lançamento de uma grande iniciativa de paz que irá bem além do conflito Israel/palestinos. Quão iminente, não faço ideia, mas é razoável supor que estará casada com a movimentação em torno das sanções ao Irã, que Obama pretende ver de pé nesta primavera (do hemisfério Norte, ou seja até meados de junho).
O bem informado jornal israelense "Haaretz" chegou a anunciar, faz pouco, que, nas tensas conversas entre Obama e o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, em Washington, ficou evidente "a intenção de impor um acordo permanente entre Israel e os palestinos em menos de dois anos".
Note, leitor, o verbo usado: impor; não negociar, discutir, dialogar.
Impor só pode significar forçar Israel a aceitar concessões que o governo Netanyahu nem pensa em fazer, entre elas paralisar a construção de residências para judeus em áreas palestinas, inclusive em Jerusalém Oriental, que os judeus consideram parte de sua capital "una e indivisível", mas que os palestinos reivindicam como a sua própria, quando for constituído o Estado palestino.
Qualquer iniciativa norte-americana vai mexer com o estado de espírito de ambos os lados. Por muito curta e corrida que tenha sido minha recente passagem por Israel/ territórios palestinos, era palpável que Israel sente-se confortável com o status-quo, agora que o terrorismo está pelo menos controlado. E que os palestinos sentem-se acuados, humilhados e impotentes.
Impressão confirmada por depoimentos dos dois lados. Na "Foreign Affairs" de março-abril, escreve Ehud Yaari, comentarista do Canal 2 da TV israelense e pesquisador do Instituto para Política do Oriente Próximo de Washington:
"A maioria dos israelenses sente que a resistência armada foi derrotada na Cisjordânia e que a ameaça de ataques terroristas foi substancialmente removida desde que Israel desmantelou as redes que recrutavam suicidas e construiu a barreira que fechou a Cisjordânia".
Consequência inexorável: "Os israelenses estão rapidamente perdendo interesse na comunidade palestina vizinha".
Do lado árabe, escreve Osman Mirghani, subeditor-chefe do principal jornal árabe no exterior, o "Asharq Al-Awsat":
"A situação palestina está agora em seu pior estágio, com a divisão e o conflito entre o Hamas e a Autoridade Palestina. (...) Enquanto Fatah e Hamas lutam pelo poder, o sofrimento dos palestinos está aumentando: suas terras estão sendo confiscadas, e o sonho de um Estado Palestino diminui dia a dia".
É em meio a esse conforto acomodado e a esse desespero impotente que desembarcará em breve o sétimo de cavalaria. Se levará ou não o vírus da paz é história a ser escrita.


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