São Paulo, quinta-feira, 03 de julho de 2008

Próximo Texto | Índice

Colômbia resgata Ingrid e mais 14 reféns

  Exército se infiltrou nas Farc e conseguiu efetuar libertação sem disparar nenhum tiro

  Além de presa-símbolo de guerrilha, 3 americanos e 11 militares foram resgatados

Ex-candidata relata que só soube que estava salva já no helicóptero que os resgatou; "Somos o Exército, vocês estão livres", bradou soldado

Rodrigo Arangua/France Presse
Livre, Ingrid Betancourt chega a base aérea em Bogotá após resgate

DA REDAÇÃO

O Exército colombiano resgatou ontem a ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt e outros 14 reféns das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), entre eles três norte-americanos.
Ingrid estava em poder das Farc desde 23 de fevereiro de 2002 e era uma espécie de símbolo dos reféns da guerrilha, tendo motivado marchas ao redor do mundo e gestões de diferentes chefes de Estado em prol de sua soltura.
O anúncio da libertação de Ingrid e dos demais foi feito pelo ministro da Defesa, Juan Manuel Santos, por volta das 14h10 de ontem (16h10 de Brasília). "Foram resgatados sãos e salvos 15 dos seqüestrados das Farc. Entre eles estão Ingrid Betancourt, os três cidadãos norte-americanos e 11 membros de nossa força pública."
Para o presidente Álvaro Uribe, que falaria somente no final da noite, o feito foi comparável às "maiores epopéias da humanidade". "A operação teve a luz do Espírito Santo e a proteção de Nosso Senhor e da Virgem em todas as suas expressões", disse Uribe durante um encontro com bispos colombianos.
O resgate, ocorrido a cerca de 70 km ao sul da cidade de San José de Guaviare (no departamento de Guaviare, centro do país), foi fruto de uma operação de inteligência do Exército colombiano e ocorreu sem o disparo de nenhum tiro.
De acordo com Santos, os serviços de inteligência do Exército conseguiram se infiltrar nas Farc. "Como os seqüestrados estavam divididos em três grupos, conseguimos que eles fossem reunidos num só lugar e fosse permitido seu transporte ao sul do país para que supostamente passassem às ordens de Alfonso Cano [chefe da guerrilha]."
"Coordenamos para que os seqüestrados fossem recolhidos num local predeterminado por um helicóptero de uma organização fictícia", continuou. Só que o helicóptero, explicou Santos, na realidade era do Exército, tripulado por pessoal da inteligência, e voou para San José de Guaviare.
Nas palavras do ministro de Interior e Justiça, Fabio Valencia, "nem em filme poderíamos imaginar o Exército enganando as Farc".

"César" e engano
A própria Ingrid, que se reuniu com a mãe e o marido em uma base militar em Bogotá no fim da tarde de ontem, deu detalhes da libertação. Segundo ela, alguns dos militares que se fizeram passar por guerrilheiros usavam camisas com imagens de Che Guevara. "Eles falavam como guerrilheiros e se vestiam como tais."
Segundo a ex-candidata, nem ela nem os guerrilheiros reais suspeitaram da operação. O responsável permanente pela escolta dos seqüestrados era Gerardo Aguilar Ramírez, cujo codinome é César, chefe da Frente 1, uma das unidades mais importantes das Farc. Especialistas acreditam que ele foi cooptado pelos militares.
Os reféns só souberam do resgate dentro do helicóptero, quando um dos militares disfarçados gritou: "Somos o Exército da Colômbia, vocês estão livres", contou ela. Ingrid qualificou seu resgate de "golpe fulminante" para as Farc e disse ver a guerrilha enfraquecida.
O resgate de ontem é o mais duro entre os recentes golpes sofridos pelas Farc, mais antiga guerrilha em ação na América Latina. Em março, o Exército colombiano atacou um acampamento do grupo no Equador, matando o número dois da organização, Raúl Reyes. Dias depois, também do secretariado da guerrilha, Ivan Ríos foi morto por seu guarda-costas.
Dois meses depois, o governo anunciou a morte do cabeça da guerrilha, Manuel Marulanda, o Tirofijo. As Farc dizem que as causas foram naturais, mas Bogotá insinuou que seria resultado de suas ações militares.
Uribe foi alvo de intensas críticas e pressões internacionais para que aceitasse as exigências das Farc para a libertação de reféns -a principal delas era a desmilitarização dos municípios de Pradera e Florida (oeste). Mas resistiu e continuou a apostar nas ações militares.

Outros libertados
Além de Ingrid, foram libertados os norte-americanos Thomas Howes, Keith Stansell e Marc Gonsalves, seqüestrados em 2003. Eles trabalhavam para uma firma contratada pelo Departamento de Defesa.
Horas antes do resgate, o candidato republicano à Presidência dos EUA, John McCain, em visita à Colômbia, pedira que o governo seguisse em seu empenho para libertar os americanos. Depois da operação bem-sucedida, McCain informou em nota que fora avisado na véspera por Uribe do que aconteceria. "Estou agradecido com o êxito dessa operação de muito alto risco", disse.
Críticos também acusaram Uribe, no passado, de não se empenhar pela libertação de Ingrid porque ela seria a única pessoa que poderia ameaçá-lo nas urnas.

24 ainda cativos
Com o resgate, restam agora em poder das Farc 24 reféns políticos -aqueles que são alvo de barganha com o governo da guerrilha, que quer soltar cerca de 500 guerrilheiros presos.
Santos anunciou que Bogotá continuará empenhada pelos demais reféns, mas apelou às Farc para que os entreguem pacificamente.
"Uma vez mais fazemos um chamado aos novos líderes das Farc para que deponham armas, não se façam matar nem sacrifiquem seus homens, se desmobilizem. O governo reitera que, se querem negociar a sério e de boa-fé, oferecemo-lhes uma paz digna", declarou.


Com agências internacionais

Leia o comunicado de Bogotá com a lista de libertados


Próximo Texto: Perfil: Ex-candidata ainda sonha ser presidente
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.