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São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2003

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Vítima de 2 ditaduras, Juan Gelman se diz otimista

DA REDAÇÃO

Vítima de duas ditaduras -a argentina e a uruguaia-, o poeta argentino Juan Gelman, 73, se diz otimista com as últimas iniciativas para investigar e punir os abusos cometidos pelos regimes militares do Cone Sul. "Esses fatos correspondem ao paulatino crescimento de um novo direito internacional, que insiste em penalizar os crimes de lesa-humanidade, qualquer que seja o lugar onde foram cometidos", diz.
Gelman, que trocou a Argentina pelo México nos anos 1970 para fugir da perseguição da ditadura, teve um filho e a nora desaparecidos em 1976, em Buenos Aires. O corpo do filho foi encontrado tempos depois, mas sua mulher, grávida na ocasião, desapareceu após ser trasladada ao Uruguai.
Em 2001, Gelman localizou sua neta, adotada por um policial em Montevidéu, após uma campanha que mobilizou dezenas de artistas e intelectuais. A pressão levou o presidente uruguaio, Jorge Batlle, a formar uma comissão para investigar o destino dos cerca de 280 desaparecidos políticos durante a ditadura. Leia a seguir trechos da entrevista concedida por Gelman à Folha, por e-mail:
(ROGERIO WASSERMANN)

Folha - O sr. acredita que as decisões das últimas duas semanas conformam um movimento para investigar e esclarecer os abusos cometidos durante as últimas ditaduras do Cone Sul?
Juan Gelman -
Sem dúvida. E acho que esse é sobretudo o resultado de uma consciência moral da sociedade que foi se cristalizando ao longo dos anos transcorridos desde que essas ditaduras acabaram. Há quem diz que isso reabre velhas feridas. Na realidade, trata-se de feridas que nunca fecharam, pela impunidade com que certos governos civis encobriram e prolongaram os crimes militares.

Folha - O sr. tem esperanças de que essas investigações possam lhe ajudar a esclarecer as circunstâncias exatas nas quais sua neta foi sequestrada e a encontrar os restos mortais de sua nora?
Gelman -
Confio nisso. Abri um processo penal na corte de Montevidéu, que está em fase de instrução criminal. Como você sabe, minha nora foi trasladada em outubro de 1976 por militares uruguaios de um centro clandestino de detenção em Buenos Aires a outro situado em Montevidéu. Tinha então 19 anos, estava grávida de 8 meses e meio e a trataram como mero receptáculo de uma criatura por nascer: foi levada ao Uruguai para esperar que desse à luz, assassiná-la e roubar sua filha, que foi entregue a um casal da polícia que não podia ter filhos.
Esse crime horroroso é um sequestro de ventre, e seus autores, fardados e tudo, são uns delinquentes comuns. Espero que o presidente uruguaio Jorge Batlle -que conhece o homem da polícia que assassinou a minha nora- não pense que se trata de um crime amparado pela Lei de Caducidade (que anistiou os crimes cometidos por militares e policiais uruguaios até 1985).


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