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TRAGÉDIA NOS EUA
Sujos, famintos e sem bagagem, milhares desembarcam em estádio de Houston em busca de ajuda e parentes
Exaustos, refugiados chegam ao Texas
IURI DANTAS
ENVIADO ESPECIAL A HOUSTON (TEXAS)
À primeira vista, a multidão que
rodeia o Astrodome -o grande
estádio da texana Houston- parece chegar para um jogo de futebol. São famílias, amigos conversando, jovens falando ao celular.
Levam refrigerantes e biscoitos.
Olhando de perto, percebe-se o
tamanho da tragédia causada pelo Katrina: são refugiados, exalando o odor característico de dias
sem banho, sem malas, sem mochilas -poucos conseguiram salvar algo. Caminham porque não
há nada mais a fazer.
À noite, a atmosfera fica mais
tensa. Todos cansados após uma
viagem de 550 km, sem saber onde dormir. Uma funcionária do
consulado britânico diz que por
todo lado há confusão.
Os ônibus chegam abarrotados
de gente, a maioria levando apenas água. Muitas crianças, muitos
idosos. E muitos jovens, alguns
presos por brigas -em Houston,
a polícia se preparou para evitar o
caos de Nova Orleans. A maioria
absoluta é negra e pobre.
"Vamos ter de começar a vida
do zero. A cidade nunca mais será
a mesma. Nem sei se vou voltar",
diz Byron Leslie, 22, com a filha
Alice, 7 meses, no colo. Por sorte,
ele embarcou com 13 parentes.
Em dezenas de tonéis no interior do estádio há água e refrigerantes. Para jantar, peixe, camarão e pizza. Ainda assim, há pouca
organização. Em dois dias, as autoridades precisaram providenciar lugar, assistência médica e segurança para 30 mil pessoas.
"O governo até agora só me disse para sair de Nova Orleans. E só
saímos porque não tínhamos
mais água nem eletricidade", conta William Brundy, 93, que chegou às 23h de quinta e até a tarde
de ontem não tomara banho. Na
prática, os policiais só conseguem
apontar as entradas do estádio.
Não há sinalização de banheiros.
Todos fazem fila para preencher
o registro. Com ele, o governo disponibiliza empréstimos, dá cupons de comida, deduz impostos.
Para identificação, as vítimas
usam braceletes rosa semelhantes
aos de hospitais. Invariavelmente,
carregam uma sacola da Cruz
Vermelha -com pasta e escova
de dente, xampu, sabonete, lenços
de papel, barbeador- e uma garrafa de água ou refrigerante.
Se as imagens de TV mostram a
multidão aglomerada esperando
para entrar nos ônibus, o relato de
quem chega mostra que o embarque não teve nada de organizado.
"Vim sozinho, acabei conhecendo uma menina que me ajudou. Era cada um por si. Antes de
entrar, olhei para trás e vi crianças, velhos, todos esperando, lutando para chegar ao ônibus",
conta Carter V., 42. Ele chegou ao
Superdome, em Nova Orleans, na
noite de segunda. Depois da passagem do Katrina, foi ao banheiro
e, ao sair, descobriu que a água
começava invadir sua casa. Como
não tem TV, percorreu as ruas assustado com o relato de transeuntes sobre "milhares de mortes".
"É difícil sair de casa, andar no escuro e esbarrar em alguma coisa
pensando que é um cadáver", diz.
À meia-noite de sexta-feira, o
Corpo de Bombeiros afirma que
não há mais espaço para refugiados no Astrodome. O estádio tem
capacidade para 45 mil pessoas,
mas abriga de 10 mil a 15 mil no
momento, segundo policiais.
Enquanto alguns ônibus são redirecionados para Dallas, decide-se abrir o estádio ao lado, o Reliant. Ontem, ao meio-dia, horário local, os ônibus voltaram a ser
redirecionados para Dallas.
Ao chegar ao Astrodome, muitos precisam resolver um novo
problema: encontrar parentes.
"Delores Durden, Gail Johnson,
Ellen Willis" são três nomes em
uma cartolina branca segurada
por Evelina White. Ela ainda não
sabe o que ocorreu com sua casa,
mas está desesperada para encontrar as primas e a cunhada. "Ontem encontrei outro primo. Mas
estou aqui o dia inteiro e não tive
notícia desses três", resumiu.
Outra mulher aborda a reportagem da Folha. "Preciso achar o
chefe de polícia, tenho de encontrar minha filha de 15 anos, disseram que ela foi estuprada. Eu é
que não entro nessa porcaria",
diz, sem dar o nome. "Isso não faz
diferença. Aqui é o inferno."
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