São Paulo, sábado, 03 de setembro de 2005

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TRAGÉDIA NOS EUA

Sujos, famintos e sem bagagem, milhares desembarcam em estádio de Houston em busca de ajuda e parentes

Exaustos, refugiados chegam ao Texas

IURI DANTAS
ENVIADO ESPECIAL A HOUSTON (TEXAS)

À primeira vista, a multidão que rodeia o Astrodome -o grande estádio da texana Houston- parece chegar para um jogo de futebol. São famílias, amigos conversando, jovens falando ao celular. Levam refrigerantes e biscoitos. Olhando de perto, percebe-se o tamanho da tragédia causada pelo Katrina: são refugiados, exalando o odor característico de dias sem banho, sem malas, sem mochilas -poucos conseguiram salvar algo. Caminham porque não há nada mais a fazer.
À noite, a atmosfera fica mais tensa. Todos cansados após uma viagem de 550 km, sem saber onde dormir. Uma funcionária do consulado britânico diz que por todo lado há confusão.
Os ônibus chegam abarrotados de gente, a maioria levando apenas água. Muitas crianças, muitos idosos. E muitos jovens, alguns presos por brigas -em Houston, a polícia se preparou para evitar o caos de Nova Orleans. A maioria absoluta é negra e pobre.
"Vamos ter de começar a vida do zero. A cidade nunca mais será a mesma. Nem sei se vou voltar", diz Byron Leslie, 22, com a filha Alice, 7 meses, no colo. Por sorte, ele embarcou com 13 parentes.
Em dezenas de tonéis no interior do estádio há água e refrigerantes. Para jantar, peixe, camarão e pizza. Ainda assim, há pouca organização. Em dois dias, as autoridades precisaram providenciar lugar, assistência médica e segurança para 30 mil pessoas.
"O governo até agora só me disse para sair de Nova Orleans. E só saímos porque não tínhamos mais água nem eletricidade", conta William Brundy, 93, que chegou às 23h de quinta e até a tarde de ontem não tomara banho. Na prática, os policiais só conseguem apontar as entradas do estádio. Não há sinalização de banheiros.
Todos fazem fila para preencher o registro. Com ele, o governo disponibiliza empréstimos, dá cupons de comida, deduz impostos. Para identificação, as vítimas usam braceletes rosa semelhantes aos de hospitais. Invariavelmente, carregam uma sacola da Cruz Vermelha -com pasta e escova de dente, xampu, sabonete, lenços de papel, barbeador- e uma garrafa de água ou refrigerante.
Se as imagens de TV mostram a multidão aglomerada esperando para entrar nos ônibus, o relato de quem chega mostra que o embarque não teve nada de organizado.
"Vim sozinho, acabei conhecendo uma menina que me ajudou. Era cada um por si. Antes de entrar, olhei para trás e vi crianças, velhos, todos esperando, lutando para chegar ao ônibus", conta Carter V., 42. Ele chegou ao Superdome, em Nova Orleans, na noite de segunda. Depois da passagem do Katrina, foi ao banheiro e, ao sair, descobriu que a água começava invadir sua casa. Como não tem TV, percorreu as ruas assustado com o relato de transeuntes sobre "milhares de mortes". "É difícil sair de casa, andar no escuro e esbarrar em alguma coisa pensando que é um cadáver", diz.
À meia-noite de sexta-feira, o Corpo de Bombeiros afirma que não há mais espaço para refugiados no Astrodome. O estádio tem capacidade para 45 mil pessoas, mas abriga de 10 mil a 15 mil no momento, segundo policiais.
Enquanto alguns ônibus são redirecionados para Dallas, decide-se abrir o estádio ao lado, o Reliant. Ontem, ao meio-dia, horário local, os ônibus voltaram a ser redirecionados para Dallas.
Ao chegar ao Astrodome, muitos precisam resolver um novo problema: encontrar parentes. "Delores Durden, Gail Johnson, Ellen Willis" são três nomes em uma cartolina branca segurada por Evelina White. Ela ainda não sabe o que ocorreu com sua casa, mas está desesperada para encontrar as primas e a cunhada. "Ontem encontrei outro primo. Mas estou aqui o dia inteiro e não tive notícia desses três", resumiu.
Outra mulher aborda a reportagem da Folha. "Preciso achar o chefe de polícia, tenho de encontrar minha filha de 15 anos, disseram que ela foi estuprada. Eu é que não entro nessa porcaria", diz, sem dar o nome. "Isso não faz diferença. Aqui é o inferno."


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