São Paulo, domingo, 03 de setembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Biblioteca de US$ 100 mi causa polêmica no México

No meio da polarização política, obra é atacada como símbolo do governo Fox

Considerada faraônica por intelectuais, foi inaugurada às pressas em plena campanha; só beleza do prédio vira unanimidade


RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

Em tempos de apimentada polarização política no México, a inauguração de uma biblioteca conseguiu virar motivo para mais discórdia. Apresentada como a "maior obra do governo do presidente Vicente Fox na área cultural", a nova Biblioteca do México José Vasconcelos, que custou US$ 100 milhões, desperta polêmica desde que foi aberta ao público em junho.
Ela foi inaugurada em plena campanha eleitoral. Às pressas -nem a lanchonete ou a livraria que acompanham o conjunto ficaram prontos. Seu auditório só foi terminado há duas semanas.
Sua área construída é de 44.000 m2 (o prédio da Bienal, no Ibirapuera, tem 30.000), sem contar os 26.000 m2 de jardins que ganhará até o final do ano. Apesar da capacidade para 1,5 milhão de livros, seu acervo é de apenas 575.000.
Para se ter uma idéia da fortuna que a megabiblioteca consumiu -construída em tempo recorde, menos de dois anos-, ela custou o equivalente a dez vezes o Auditório do Ibirapuera ou quase sete vezes o Museu da Língua Portuguesa. Ou o dobro do valor estimado da construção e decoração da Daslu.
Foi o "momento Miterrand" de Fox. O ex-presidente francês inaugurou a também caríssima Biblioteca Nacional em Paris no fim do seu governo, como "marca" da gestão.
"Ela é o símbolo do centralismo cultural", acusa o escritor Carlos Monsiváis, um dos maiores intelectuais mexicanos. "Em tempos de guerra suja na política, bater na biblioteca é fácil e rentável", publicou em editorial a revista cultural "Huevo".
"É uma obra grandiloqüente para dar posteridade ao governo Fox, que foi um fracasso. Todo mundo fala maravilhas do prédio, mas ninguém sabe do acervo", ataca Elena Poniatowska, um dos maiores nomes da literatura do país.
Monsiváis e Poniatowska, como a maioria dos intelectuais do país, apoiaram o candidato da oposição na eleição presidencial, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador.
O diretor da Biblioteca do México, Jorge von Ziegler, disse à Folha que o anterior prédio não comportava uma biblioteca para o futuro. "Ela estava em um edifício histórico, que não podia sofrer reformas. Precisávamos de um prédio que pudesse abrigar infra-estrutura tecnológica", alegou.
"Claro que há bibliotecas em mau estado no México, mas temos que melhorar a rede sem esquecer da biblioteca central, que é a Vasconcelos. Uma coisa não anula a outra", afirma.

Arquitetura premiada
Se é quase consenso atacar a obra, também há unanimidade de que, pelo menos, sua arquitetura faz jus ao investimento. O governo fez um concurso internacional com jurados locais e estrangeiros.
O vencedor foi Alberto Kalach, 45, arquiteto em ascensão no país, responsável pelo centro cultural popular El Faro e com obras em construção na China, na Califórnia (EUA) e em várias partes do México.
As plataformas e passarelas onde ficam as estantes com os livros são suspensas e presas ao teto por cabos metálicos, o que dá a sensação que os milhares de livros estão ali suspensos, flutuando, como um móbile.
O prédio tem painéis de vidro no teto e nas laterais, o que permite sua iluminação com luz natural na maior parte do dia. No meio, uma ossada de baleia fica suspensa, obra do artista plástico Gabriel Orozco.
Outro acerto da megabiblioteca foi ter sido instalada em espaço da rede ferroviária mexicana, ao lado de estações de trem, metrô e ônibus. A Vasconcelos tem capacidade para receber 4.000 leitores ao mesmo tempo, sentados, sem contar os 750 computadores com acesso à internet.
A biblioteca homenageia José Vasconcelos, um dos maiores escritores da Revolução Mexicana e ministro da Educação do país nos anos 20.
A rede nacional de bibliotecas do México recebeu uma doação de US$ 30 milhões da Fundação Bill e Melinda Gates, além de US$ 10 milhões da Microsoft em equipamentos.
O presidente mexicano disse que sua prioridade na área cultural era fazer "um país de leitores". O número de bibliotecas públicas passou de 6.110 em 2000 para 7.210 neste ano.
Mas a retórica de Fox foi ironizada por boa parte da imprensa mexicana, que lembrou que o presidente não é precisamente um grande leitor.
Em discurso lido há poucos anos, ele chamou o maior escritor argentino de "Jorge Luis Borgues". Para Fox, Borges não é exatamente um sobrenome familiar.


Texto Anterior: Guerra sem limites: Vice de Bin Laden chama americanos para o Islã
Próximo Texto: Ataques na Turquia trazem à tona nova organização curda
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.