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Biblioteca de US$ 100 mi causa polêmica no México
No meio da polarização política, obra é atacada como símbolo do governo Fox
Considerada faraônica por intelectuais, foi inaugurada às pressas em plena campanha; só beleza do prédio vira unanimidade
RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL
Em tempos de apimentada
polarização política no México,
a inauguração de uma biblioteca conseguiu virar motivo para
mais discórdia. Apresentada
como a "maior obra do governo
do presidente Vicente Fox na
área cultural", a nova Biblioteca do México José Vasconcelos,
que custou US$ 100 milhões,
desperta polêmica desde que
foi aberta ao público em junho.
Ela foi inaugurada em plena
campanha eleitoral. Às pressas
-nem a lanchonete ou a livraria que acompanham o conjunto ficaram prontos. Seu auditório só foi terminado há duas semanas.
Sua área construída é de
44.000 m2 (o prédio da Bienal,
no Ibirapuera, tem 30.000),
sem contar os 26.000 m2 de jardins que ganhará até o final do
ano. Apesar da capacidade para
1,5 milhão de livros, seu acervo
é de apenas 575.000.
Para se ter uma idéia da fortuna que a megabiblioteca consumiu -construída em tempo
recorde, menos de dois anos-,
ela custou o equivalente a dez
vezes o Auditório do Ibirapuera ou quase sete vezes o Museu
da Língua Portuguesa. Ou o dobro do valor estimado da construção e decoração da Daslu.
Foi o "momento Miterrand"
de Fox. O ex-presidente francês inaugurou a também caríssima Biblioteca Nacional em
Paris no fim do seu governo,
como "marca" da gestão.
"Ela é o símbolo do centralismo cultural", acusa o escritor
Carlos Monsiváis, um dos
maiores intelectuais mexicanos. "Em tempos de guerra suja na política, bater na biblioteca é fácil e rentável", publicou
em editorial a revista cultural
"Huevo".
"É uma obra grandiloqüente
para dar posteridade ao governo Fox, que foi um fracasso.
Todo mundo fala maravilhas
do prédio, mas ninguém sabe
do acervo", ataca Elena Poniatowska, um dos maiores nomes
da literatura do país.
Monsiváis e Poniatowska,
como a maioria dos intelectuais do país, apoiaram o candidato da oposição na eleição
presidencial, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador.
O diretor da Biblioteca do
México, Jorge von Ziegler, disse à Folha que o anterior prédio não comportava uma biblioteca para o futuro. "Ela estava em um edifício histórico,
que não podia sofrer reformas.
Precisávamos de um prédio
que pudesse abrigar infra-estrutura tecnológica", alegou.
"Claro que há bibliotecas em
mau estado no México, mas temos que melhorar a rede sem
esquecer da biblioteca central,
que é a Vasconcelos. Uma coisa
não anula a outra", afirma.
Arquitetura premiada
Se é quase consenso atacar a
obra, também há unanimidade
de que, pelo menos, sua arquitetura faz jus ao investimento.
O governo fez um concurso internacional com jurados locais
e estrangeiros.
O vencedor foi Alberto Kalach, 45, arquiteto em ascensão
no país, responsável pelo centro cultural popular El Faro e
com obras em construção na
China, na Califórnia (EUA) e
em várias partes do México.
As plataformas e passarelas
onde ficam as estantes com os
livros são suspensas e presas ao
teto por cabos metálicos, o que
dá a sensação que os milhares
de livros estão ali suspensos,
flutuando, como um móbile.
O prédio tem painéis de vidro
no teto e nas laterais, o que permite sua iluminação com luz
natural na maior parte do dia.
No meio, uma ossada de baleia
fica suspensa, obra do artista
plástico Gabriel Orozco.
Outro acerto da megabiblioteca foi ter sido instalada em
espaço da rede ferroviária mexicana, ao lado de estações de
trem, metrô e ônibus. A Vasconcelos tem capacidade para
receber 4.000 leitores ao mesmo tempo, sentados, sem contar os 750 computadores com
acesso à internet.
A biblioteca homenageia José Vasconcelos, um dos maiores escritores da Revolução
Mexicana e ministro da Educação do país nos anos 20.
A rede nacional de bibliotecas do México recebeu uma
doação de US$ 30 milhões da
Fundação Bill e Melinda Gates,
além de US$ 10 milhões da Microsoft em equipamentos.
O presidente mexicano disse
que sua prioridade na área cultural era fazer "um país de leitores". O número de bibliotecas
públicas passou de 6.110 em
2000 para 7.210 neste ano.
Mas a retórica de Fox foi ironizada por boa parte da imprensa mexicana, que lembrou
que o presidente não é precisamente um grande leitor.
Em discurso lido há poucos
anos, ele chamou o maior escritor argentino de "Jorge Luis
Borgues". Para Fox, Borges não
é exatamente um sobrenome
familiar.
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