São Paulo, sábado, 03 de novembro de 2001

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ENTREVISTA

Presidente egípcio reclama de asilo que Europa dá a extremistas e pede ação por Estado palestino

Mubarak pede conferência contra terror

DO "EL PAÍS"

O presidente egípcio, Hosni Mubarak, crê que a União Européia deveria realizar "um esforço máximo", incluindo advertências e pressão, para forçar o primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon, a negociar o nascimento de um Estado palestino que inclua os lugares santos muçulmanos em Jerusalém. Para ele, a política de Sharon está criando "uma nova geração de terroristas" como os de 11 de setembro.
Mubarak recebeu o "El País" no palácio presidencial do bairro de Heliópolis, no Cairo, pouco antes de partir para a Espanha. Ele tem 73 anos, está no poder há 20 e é um homem de cabelo escuro, rosto faraônico, baixa estatura e constituição corpulenta. Fala diretamente em inglês, com voz grave e áspera. Converteu-se em "rais", ou presidente, depois do assassinato de seu predecessor, Anwar al Sadat, pela Jihad Islâmica, o grupo hoje dirigido pelo egípcio Ayman al Zawahiri, braço direito da Al Qaeda.
Desde então, vem travando um combate implacável contra os grupos armados extremistas e clama pela convocação de uma conferência internacional que negue aos terroristas o direito de asilo político.

Pergunta - A imprensa egípcia o classifica como "pioneiro" na luta contra o tipo de terror islâmico responsável pelo 11 de setembro. O Egito combate esses grupos desde que eles assassinaram Sadat. O que os egípcios aprenderam?
Mubarak -
Esse tipo de gente cometeu crimes no Egito. Alguns fugiram para a Europa, onde receberam asilo político e atenção da mídia. Com base em nossa experiência, imaginamos que essas pessoas fossem se espalhar por toda parte. Por isso, desde 1984 venho pedindo uma conferência internacional sobre o terrorismo. Sempre disse que nenhum país está fora do alcance deles.

Pergunta - Antes de 11 de setembro, países como o Reino Unido negavam ao Egito a extradição de extremistas islâmicos refugiados em seus territórios, devido aos métodos, entre os quais julgamentos militares, que aqui se aplicam e à adoção da pena de morte.
Mubarak -
Ah, sim, os direitos humanos dos criminosos estavam sendo defendidos! E todos esqueciam de vez dos direitos humanos dos inocentes por eles assassinados! O Egito está sob o domínio da lei, e aqui temos democracia e liberdade de imprensa. Lá fora falam da "imprensa oficial egípcia", mas não temos imprensa oficial. Eles chamam de oficiais jornais como "Al Ahram", "Al Akbar" ou "Al Gumuria", que criticam o governo todo dia. Comunistas, fanáticos e extremistas escrevem neles.

Pergunta - Quais seriam os objetivos concretos da conferência sobre o terrorismo?
Mubarak -
Teríamos de adotar uma convenção internacional muito estrita para lidar com os grupos terroristas. Não se pode lhes dar asilo político, e é preciso apresentá-los imediatamente aos tribunais. Seu dinheiro precisa ser congelado. Todos os países do mundo, grandes ou pequenos, deveriam aplicar a convenção gerada por essa conferência internacional ou o perigo será enorme.

Pergunta - Qual é a raiz do terrorismo islâmico que afetou o Egito e que atingiu os Estados Unidos em 11 de setembro? Por que o sr. nega que ele tenha algo a ver com a fé muçulmana?
Mubarak -
Esses extremistas querem controlar os países com seus conceitos, suas idéias. Aproveitam-se da democracia. Não há um único terrorista em uma ditadura. Desaparecem imediatamente. Prosperam na atmosfera da democracia, da liberdade de imprensa, da primazia da lei. Os tribunais levam um, dois, três anos a julgar seus casos. E enquanto isso eles continuam matando. Há gente desse tipo na Espanha, na França, nos Estados Unidos. Querem controlar tudo. O terrorismo deles é ideológico, está relacionado com idéias errôneas e totalitárias. Não tem nada a ver com a pobreza ou com a falta de liberdade de expressão.

Pergunta - Grupos como o de Bin Laden também tentam encontrar legitimidade e apoio popular mencionando o problema palestino.
Mubarak -
Sim, o caso palestino é uma fonte de terror. As pessoas se enraivecem ao ver na TV a morte de crianças palestinas. Isso cria um problema muito complexo. E há outro assunto muito sério para os muçulmanos: os lugares sagrados de Jerusalém. Os muçulmanos lutariam centenas de anos por eles, se preciso. No mundo árabe e muçulmano, ninguém jamais aceitaria deixar os lugares sagrados de Jerusalém sob a soberania de Israel. É o sentimento de nossa opinião pública, um bom sentimento.

Pergunta - Os americanos estão bombardeando o Afeganistão há quatro semanas. Na Europa e nos Estados Unidos começa a crescer uma certa inquietude, para não mencionar o mundo islâmico. Os bombardeios matam civis, sem que se possa perceber um ponto final da campanha com a captura de Bin Laden. O senhor crê que a aviação seja o melhor instrumento para combater o terror?
Mubarak -
Essa pergunta deveria ser feita aos Estados Unidos, porque desconheço seus planos. Os americanos estão muito furiosos, e com razão, dado o que aconteceu em 11 de setembro. E quando há bombardeios, há erros. Nós nos opomos à morte de civis inocentes, e discuti o assunto com o presidente Bush, que me disse que todo o possível está sendo feito para não causar vítimas inocentes.

Pergunta - O senhor crê que os europeus deveriam ser mais ativos quanto à questão palestina?
Mubarak -
A Europa está muito próxima do Oriente Médio e é bastante afetada por tudo que acontece aqui. A União Européia, com a cooperação dos Estados Unidos, deveria se esforçar ao máximo para persuadir o governo israelense de que é preciso negociar para chegar a um acordo definitivo. O que o governo israelense vem fazendo com os palestinos ajuda a criar uma nova geração de terroristas, que será muito difícil de conter.


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