São Paulo, quarta-feira, 03 de dezembro de 2008

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Em meio à crise na Ásia, Brasil vende mísseis a Islamabad

Para Jobim, vetar operação seria acusar governo paquistanês de terrorismo; negócio com a Mectron terá garantia do Banco do Brasil

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Passando ao largo da tensão diplomática entre Índia e Paquistão por causa dos atentados que causaram 172 mortes em Mumbai, o Brasil concedeu ontem um seguro de crédito à exportação de cem mísseis produzidos pela empresa paulista Mectron para o governo paquistanês equipar seus aviões de combate.
A Embaixada da Índia não emitiu nenhuma opinião sobre o caso, mas enviou representante ao Itamaraty para consultar o governo brasileiro sobre a decisão. O embaixador indiano estava no Rio e foi informado por telefone.
O contrato é de 85 milhões, e Islamabad exigiu que o governo brasileiro entrasse como "avalista" financeiro e político do negócio, que se arrastava há mais de um ano -a assinatura do protocolo de intenções entre Mectron, Paquistão e Força Aérea Brasileira havia ocorrido em abril. A garantia financeira, um seguro de crédito de 25 milhões, será dada pelo Banco do Brasil.
A decisão foi tomada em reunião extraordinária da Camex (Câmara de Comércio Exterior) ontem, convocada pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim. Dois dos participantes questionaram politicamente a decisão neste momento em que a Índia acusa o Paquistão de envolvimento, ainda que indireto, com os atentados.
Os dois países, potências nucleares, já foram à guerra três vezes desde que se separaram em 1947, com a independência do Império Britânico.
O ministro Paulo Bernardo (Planejamento) perguntou a Jobim: "Muito bem, mas e a questão geopolítica?"
Em seguida, o secretário-geral das Relações Exteriores, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, disse que temia reações internas e externas à decisão neste momento. "Fico muito preocupado", declarou na reunião, segundo relatos ouvidos pela Folha.
Diante dos questionamentos, Jobim afirmou que a negociação é entre países. "O negócio é com o governo paquistanês, e não com terroristas do Paquistão. Se cancelássemos o negócio, estaríamos atribuindo ao governo paquistanês atividades terroristas."
Bernardo e Guimarães concordaram e votaram a favor. "Realmente não podemos acrescentar um elemento de julgamento na nossa decisão. Negar, seria julgar o governo do Paquistão", disse o diplomata na reunião em que representou o chanceler Celso Amorim.
O Paquistão pressionava pela decisão brasileira havia meses, mas uma coincidência chamou a atenção de quem acompanha o mercado de armas: a intermediação da venda foi feita pelo mesmo grupo paquistanês que ajudou o governo russo a vender 12 helicópteros de ataque ao Brasil na semana passada. A proximidade poderia indicar, segundo analistas, um "pacote fechado" em duas pontas pelos intermediários.
Os mísseis em questão são do modelo MAR-1. É um míssil anti-radiação, ou seja, ele captura sinais de radar e persegue a fonte emissora. O MAR-1 é especificado para atingir alvos emissores de radar em terra -ou seja, baterias antiaéreas. Começou a ser desenvolvido em 1998 pela Aeronáutica e a Mectron e sofreu boicote no ano seguinte dos Estados Unidos, que vetaram a venda de uma antena de seu sistema receptor de radar por considerar que estaria permitindo a inserção de uma nova tecnologia militar na América do Sul.
A solução encontrada foi improvisar um produto nacionalizado. Deu certo, e o míssil já está em fase de ensaio operacional. Só a FAB investiu cerca de US$ 26 milhões no projeto. O MAR-1 foi desenhado para ser instalado no caça de ataque a solo AMX, mas é facilmente integrado a aviões como os Mirage paquistaneses.
Segundo a Folha apurou, o Paquistão vai adiantar parte do contrato para que a Mectron amplie sua capacidade de produção. Com o adiantamento, a Mectron conseguirá fabricar cinco mísseis por mês, contra apenas um hoje. Não será, contudo, com esse lote de produtos que o Paquistão terá algum tipo de vantagem tática ou estratégica numa hipotética guerra com o eterno rival.


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