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Em meio à crise na Ásia, Brasil vende mísseis a Islamabad
Para Jobim, vetar operação seria acusar governo paquistanês de terrorismo; negócio com a Mectron terá garantia do Banco do Brasil
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Passando ao largo da tensão
diplomática entre Índia e Paquistão por causa dos atentados que causaram 172 mortes
em Mumbai, o Brasil concedeu
ontem um seguro de crédito à
exportação de cem mísseis produzidos pela empresa paulista
Mectron para o governo paquistanês equipar seus aviões
de combate.
A Embaixada da Índia não
emitiu nenhuma opinião sobre
o caso, mas enviou representante ao Itamaraty para consultar o governo brasileiro sobre a
decisão. O embaixador indiano
estava no Rio e foi informado
por telefone.
O contrato é de 85 milhões,
e Islamabad exigiu que o governo brasileiro entrasse como
"avalista" financeiro e político
do negócio, que se arrastava há
mais de um ano -a assinatura
do protocolo de intenções entre Mectron, Paquistão e Força
Aérea Brasileira havia ocorrido
em abril. A garantia financeira,
um seguro de crédito de 25
milhões, será dada pelo Banco
do Brasil.
A decisão foi tomada em reunião extraordinária da Camex
(Câmara de Comércio Exterior) ontem, convocada pelo
ministro da Defesa, Nelson Jobim. Dois dos participantes
questionaram politicamente a
decisão neste momento em
que a Índia acusa o Paquistão
de envolvimento, ainda que indireto, com os atentados.
Os dois países, potências nucleares, já foram à guerra três
vezes desde que se separaram
em 1947, com a independência
do Império Britânico.
O ministro Paulo Bernardo
(Planejamento) perguntou a
Jobim: "Muito bem, mas e a
questão geopolítica?"
Em seguida, o secretário-geral das Relações Exteriores,
embaixador Samuel Pinheiro
Guimarães, disse que temia
reações internas e externas à
decisão neste momento. "Fico
muito preocupado", declarou
na reunião, segundo relatos ouvidos pela Folha.
Diante dos questionamentos, Jobim afirmou que a negociação é entre países. "O negócio é com o governo paquistanês, e não com terroristas do
Paquistão. Se cancelássemos o
negócio, estaríamos atribuindo
ao governo paquistanês atividades terroristas."
Bernardo e Guimarães concordaram e votaram a favor.
"Realmente não podemos
acrescentar um elemento de
julgamento na nossa decisão.
Negar, seria julgar o governo
do Paquistão", disse o diplomata na reunião em que representou o chanceler Celso Amorim.
O Paquistão pressionava pela decisão brasileira havia meses, mas uma coincidência chamou a atenção de quem acompanha o mercado de armas: a
intermediação da venda foi feita pelo mesmo grupo paquistanês que ajudou o governo russo
a vender 12 helicópteros de ataque ao Brasil na semana passada. A proximidade poderia indicar, segundo analistas, um
"pacote fechado" em duas pontas pelos intermediários.
Os mísseis em questão são do
modelo MAR-1. É um míssil
anti-radiação, ou seja, ele captura sinais de radar e persegue
a fonte emissora. O MAR-1 é
especificado para atingir alvos
emissores de radar em terra
-ou seja, baterias antiaéreas.
Começou a ser desenvolvido
em 1998 pela Aeronáutica e a
Mectron e sofreu boicote no
ano seguinte dos Estados Unidos, que vetaram a venda de
uma antena de seu sistema receptor de radar por considerar
que estaria permitindo a inserção de uma nova tecnologia militar na América do Sul.
A solução encontrada foi improvisar um produto nacionalizado. Deu certo, e o míssil já
está em fase de ensaio operacional. Só a FAB investiu cerca
de US$ 26 milhões no projeto.
O MAR-1 foi desenhado para
ser instalado no caça de ataque
a solo AMX, mas é facilmente
integrado a aviões como os Mirage paquistaneses.
Segundo a Folha apurou, o
Paquistão vai adiantar parte do
contrato para que a Mectron
amplie sua capacidade de produção. Com o adiantamento, a
Mectron conseguirá fabricar
cinco mísseis por mês, contra
apenas um hoje. Não será, contudo, com esse lote de produtos
que o Paquistão terá algum tipo de vantagem tática ou estratégica numa hipotética guerra
com o eterno rival.
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