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Gaza cristaliza o sofrimento palestino
Ataques israelenses agravam situação de população submetida há anos a cenário de drama econômico e humanitário
Região de 1,5 milhão de habitantes tem ao menos 80% de pobres e metade de desempregados; bloqueio arruinou economia local
SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL
A ofensiva israelense na faixa
de Gaza assola uma região que
já vinha afundando em dificuldades econômicas, sociais e sanitárias muito antes do bloqueio imposto por Israel em junho de 2007, quando o grupo
islâmico Hamas tomou o controle da área.
Em março do ano passado,
dez meses antes do início dos
ataques, a situação do território
palestino já havia chocado o
chefe da ONU para assuntos
humanitários. Após percorrer a
região, John Holmes relatou
"uma miséria que priva os moradores das mais elementares
condições de dignidade" e se
disse "escandalizado com as
coisas cinzentas [que viu]".
Maior símbolo do enclausuramento dos palestinos e do racha fratricida entre o partido
secular Fatah e o religioso Hamas, Gaza vive hoje a pior situação em 40 anos, segundo a
ONG Anistia Internacional.
O retrato alarmista se traduz
nos indicadores da região. Mais
de 80% dos 1,5 milhão de habitantes do território são pobres,
e metade da população ativa
não tem renda fixa.
Dois terços dos cerca de 110
mil empregos que existiam no
comércio desapareceram nos
últimos anos. O bloqueio de
2007 acirrou a crise. Das 3.900
empresas locais de três anos
atrás, sobraram menos de 200.
Com o colapso do sistema de
esgoto, os dejetos acabam despejados no mar, tornando insalubres as praias mediterrâneas
e aniquilando a fonte de lazer
preferida da juventude local.
Só há eletricidade durante
metade do dia no território, que
se assemelha em tamanho e população ao município de Guarulhos (SP) -na prática, duas
das áreas mais densamente povoadas no mundo, com mais de
4.000 habitantes/km2.
Refugiados
A miséria de Gaza remonta à
partilha da Palestina pela ONU,
rejeitada pela maioria árabe da
região posta sob mandato britânico após o fim do Império
Otomano, na 1ª Guerra Mundial. Em 1948, milhares de palestinos foram expulsos de suas
propriedades e terminaram
nas praias da cidade, então um
pequeno polo comercial. Acabaram amontoados em terrenos baldios até hoje chamados
de campos de refugiados.
Calcula-se que 80% dos
atuais moradores sejam membros de famílias antes estabelecidas no que viria a ser Israel.
Gaza em suas fronteiras
atuais foi modelada pelo Egito,
que controlou a região até a
Guerra dos Seis Dias, em 1967,
quando o ocupante passou a ser
Israel, que instalou bases militares e construiu colônias.
Após os Acordos de Oslo entre Israel e a Organização para a
Libertação da Palestina, em
1993, Gaza viveu seus melhores
anos. O novo Parlamento e alguns ministérios da recém-criada ANP (Autoridade Nacional Palestina) ali se instalaram.
Era a época dos hotéis construídos no calçadão à beira-mar e dos investimentos em
agricultura e pesca. Um novo
aeroporto foi erguido por engenheiros marroquinos e inaugurado com pompa em 1997. Um
ano depois, o presidente americano Bill Clinton pousava no
local a bordo do Air Force One.
Palestinos podiam na época
circular com relativa facilidade
entre Gaza e a Cisjordânia.
A segunda Intifada (levante
palestino), em 2000, selou o
início da degradação da vida em
Gaza. Israel apertou o cerco e
isolou os territórios ocupados,
que aos poucos se tornaram
duas entidades distintas.
Enquanto o líder histórico
Iasser Arafat agonizava em Ramallah (Cisjordânia), o Hamas
se fortalecia em Gaza, graças a
uma extensa rede de amparo
social. Com discurso incendiário contra os acordos que fracassaram em criar o Estado palestino, os religiosos já eram
uma força política quando Arafat morreu, em 2004.
Há três anos, quando Israel
retirou colonos e tropas de Gaza, o Hamas já imperava.
Em 2006, o grupo considerado terrorista por Israel, EUA e
União Europeia ganhou as legislativas e, mesmo com o corte
da ajuda ocidental, governou
por um ano, até combates com
o Fatah culminarem com a expulsão dos rivais de Gaza.
A população acabou entregue a uma liderança falida e rodeada de inimigos -Egito, Israel e ANP. Vieram então o bloqueio e, agora, os ataques por ar
e terra. Gaza não para de piorar.
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