São Paulo, domingo, 04 de janeiro de 2009

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Gaza cristaliza o sofrimento palestino

Ataques israelenses agravam situação de população submetida há anos a cenário de drama econômico e humanitário

Região de 1,5 milhão de habitantes tem ao menos 80% de pobres e metade de desempregados; bloqueio arruinou economia local

SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL

A ofensiva israelense na faixa de Gaza assola uma região que já vinha afundando em dificuldades econômicas, sociais e sanitárias muito antes do bloqueio imposto por Israel em junho de 2007, quando o grupo islâmico Hamas tomou o controle da área.
Em março do ano passado, dez meses antes do início dos ataques, a situação do território palestino já havia chocado o chefe da ONU para assuntos humanitários. Após percorrer a região, John Holmes relatou "uma miséria que priva os moradores das mais elementares condições de dignidade" e se disse "escandalizado com as coisas cinzentas [que viu]".
Maior símbolo do enclausuramento dos palestinos e do racha fratricida entre o partido secular Fatah e o religioso Hamas, Gaza vive hoje a pior situação em 40 anos, segundo a ONG Anistia Internacional.
O retrato alarmista se traduz nos indicadores da região. Mais de 80% dos 1,5 milhão de habitantes do território são pobres, e metade da população ativa não tem renda fixa.
Dois terços dos cerca de 110 mil empregos que existiam no comércio desapareceram nos últimos anos. O bloqueio de 2007 acirrou a crise. Das 3.900 empresas locais de três anos atrás, sobraram menos de 200.
Com o colapso do sistema de esgoto, os dejetos acabam despejados no mar, tornando insalubres as praias mediterrâneas e aniquilando a fonte de lazer preferida da juventude local.
Só há eletricidade durante metade do dia no território, que se assemelha em tamanho e população ao município de Guarulhos (SP) -na prática, duas das áreas mais densamente povoadas no mundo, com mais de 4.000 habitantes/km2.

Refugiados
A miséria de Gaza remonta à partilha da Palestina pela ONU, rejeitada pela maioria árabe da região posta sob mandato britânico após o fim do Império Otomano, na 1ª Guerra Mundial. Em 1948, milhares de palestinos foram expulsos de suas propriedades e terminaram nas praias da cidade, então um pequeno polo comercial. Acabaram amontoados em terrenos baldios até hoje chamados de campos de refugiados.
Calcula-se que 80% dos atuais moradores sejam membros de famílias antes estabelecidas no que viria a ser Israel.
Gaza em suas fronteiras atuais foi modelada pelo Egito, que controlou a região até a Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando o ocupante passou a ser Israel, que instalou bases militares e construiu colônias.
Após os Acordos de Oslo entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina, em 1993, Gaza viveu seus melhores anos. O novo Parlamento e alguns ministérios da recém-criada ANP (Autoridade Nacional Palestina) ali se instalaram.
Era a época dos hotéis construídos no calçadão à beira-mar e dos investimentos em agricultura e pesca. Um novo aeroporto foi erguido por engenheiros marroquinos e inaugurado com pompa em 1997. Um ano depois, o presidente americano Bill Clinton pousava no local a bordo do Air Force One.
Palestinos podiam na época circular com relativa facilidade entre Gaza e a Cisjordânia.
A segunda Intifada (levante palestino), em 2000, selou o início da degradação da vida em Gaza. Israel apertou o cerco e isolou os territórios ocupados, que aos poucos se tornaram duas entidades distintas.
Enquanto o líder histórico Iasser Arafat agonizava em Ramallah (Cisjordânia), o Hamas se fortalecia em Gaza, graças a uma extensa rede de amparo social. Com discurso incendiário contra os acordos que fracassaram em criar o Estado palestino, os religiosos já eram uma força política quando Arafat morreu, em 2004.
Há três anos, quando Israel retirou colonos e tropas de Gaza, o Hamas já imperava.
Em 2006, o grupo considerado terrorista por Israel, EUA e União Europeia ganhou as legislativas e, mesmo com o corte da ajuda ocidental, governou por um ano, até combates com o Fatah culminarem com a expulsão dos rivais de Gaza.
A população acabou entregue a uma liderança falida e rodeada de inimigos -Egito, Israel e ANP. Vieram então o bloqueio e, agora, os ataques por ar e terra. Gaza não para de piorar.


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