São Paulo, terça-feira, 04 de março de 2008

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Polícia reprime esboço de protesto de opositores em Moscou

Número de agentes de segurança ultrapassa o de manifestantes; pelo menos 25, que insistiram em protestar apesar do frio e da repressão, foram detidos

DO ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU

A moribunda oposição russa tentou ontem fazer seu primeiro protesto depois da vitória esmagadora de Dmitri Medvedev na eleição de domingo. Tentou. A eficiência, por assim dizer, das autoridades transformou o ato em um conflito entre soldados e jornalistas pelo mesmo objetivo: achar algum opositor.
Os que foram localizados acabaram detidos. A Folha contou pelo menos 25 prisões; agências de notícias falavam em "dúzias", aparente exagero. Não havia tanta gente disposta a enfrentar a neve, o frio e os pelo menos 500 homens das tropas do Ministério do Interior e do temido Omon, Esquadrão Policial de Ação Especial.
O palco foi a praça Turgenevskaia, no centro de Moscou. Marcado pelo grupo A Outra Rússia, frente oposicionista que não conseguiu ter um nome concorrendo no pleito ganho com 70,23% dos votos por Medvedev. Às 15h locais, duas horas antes do horário marcado, três caminhões do Exército e um da Omon distribuíam soldados pelas ruas laterais.
As autoridades negaram espaço para a manifestação, alegando que iria conturbar o trânsito. Ao mesmo tempo, o grupo jovem pró-Kremlin Nashi reuniu 5.000 pessoas junto à Embaixada dos EUA.
Não havia organização centralizada dos opositores, embora o enxadrista Garry Kasparov fosse esperado. Alguns se espalharam pela praça, trocando disfarçadamente mensagens de texto nos celulares -como se combinando uma versão política e russa dos "flash mobs", atos instantâneos ocidentais.
Sergei era um deles. Com um chapéu e sobretudo que lembravam um agente da KGB de filme de James Bond, ficou à porta do metrô até as 16h45, quando a primeira prisão foi feita. Logo seria sua vez.
O Omon foi responsável pelas prisões. Por volta das 17h10, teve início o protesto em si, com cerca de 25 pessoas gritando slogans contra o governo Putin, contra as eleições ("Farsa!") e em favor do A Outra Rússia. Alguns sinalizadores vermelhos foram queimados.
Sorte dos fotógrafos e cinegrafistas, que reclamavam entre si da ausência de imagens vibrantes. Assim, quando o Omon dispersou o centro do protesto, muitos tomaram o caminho do metrô ao lado.
Cada um que resolvia gritar no meio da aglomeração atraía não menos que 20 câmeras -até que o Omon, sempre com três homens, o pegava.
Foi assim com Dmitri. O jovem começou a falar com um canal de TV alemão, em inglês tosco, e com a Folha. "Sou anarquista", foi o que conseguiu falar antes de ser arrastado para um dos cinco microônibus que recebiam os presos. Então foi formada uma barreira com soldados de choque para forçar os jornalistas a irem para o metrô. Eram 18h15; o movimento murchou de vez.
Ontem, a Comissão Eleitoral afirmou não ter visto irregularidades graves no pleito. O Partido Comunista, segundo colocado com 17,76% dos votos, apontou várias: haveria zonas com mais votos que eleitores, denúncias de "enchimento" de urnas em regiões distantes.
"O problema é provar o que nos é relatado. Além disso, nosso trabalho foi bem mais monitorado", afirmou à Folha Tatiana Bogdanova, da ONG de monitoramento eleitoral Golos. Um grupo do Parlamento Europeu criticou as eleições, mas afirmou que o resultado reflete a vontade popular por continuidade. Do Ocidente, algumas meias-palavras, mas nenhuma condenação explícita.
A oposição está em apuros, pelo menos enquanto o preço do gás e do petróleo sustentar o crescimento russo e a polícia, o governo. Como havia dito Kasparov, que afinal de contas não apareceu, à Folha: "Nosso papel é mostrar para o povo que, enquanto é possível lutar, ainda há esperança". Vai ser difícil.
(IGOR GIELOW)

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