São Paulo, terça-feira, 04 de março de 2008

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entrevista

Ex-negociador israelense vê paz distante

SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL

O major-general aposentado Daniel Rothschild, 68, foi um dos principais comandantes do Exército de Israel. Em 1991, ele trocou a chefia do serviço secreto por um alto cargo nas negociações com os palestinos. O currículo e os contatos mantidos nas agências de inteligência de vários países fazem de Rothschild, hoje empresário no ramo de segurança, observador privilegiado da situação em Gaza. Em visita a São Paulo, onde manteve agenda com a comunidade judaica, ele disse ontem à Folha que é impossível chegar à paz em um ano e chamou o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, de "ditador sem poder".

 

FOLHA - Parece impossível alcançar um acordo de paz em um ano, como quer o presidente americano, George W. Bush.
DANIEL ROTHSCHILD -
Nenhum dos lados acredita que a paz pode ser alcançada em um ano. Mesmo antes da retomada da violência, as partes concordavam que o importante era selar um acordo que norteasse futuras negociações. Ninguém está em condições de implementar o que quer que seja. Precisamos de um documento que diga: "vamos por aí". Isso foi explicado a Bush. Se conseguirmos um acordo com a ANP na Cisjordânia, o Hamas viveria seu pior pesadelo, que é ficar totalmente a mercê do Egito.

FOLHA - Qual a maior diferença entre as negociações atuais e aquelas que ocorreram nos anos 90, quando o senhor estava no governo?
ROTHSCHILD -
As lideranças nos dois lados ficaram muito enfraquecidas - e líderes fracos só podem concordar sobre o menor denominador comum. Certa vez, eu estava no Cairo negociando com os palestinos. O então chanceler Nabil Shaat me mostrou um documento sobre um projeto de estrutura para um futuro governo palestino. Ele pediu que eu desse uma lida.
O texto teria deixado Montesquieu cheio de orgulho pois falava da repartição de Poderes, do equilíbrio das forças etc, com exceção do último parágrafo, que garantia a Iasser Arafat o direito de veto sobre qualquer decisão.
Comentei sobre o texto com Yitzhak Rabin e ele me disse: "estão certos os palestinos, a paz só se negocia com líderes fortes". Apesar de eleito, Abbas é um ditador. Mas ele não tem poder para tomar grandes decisões. Arafat era um líder forte que não quis a paz.
Abbas é um líder fraco que quer a paz. Em Israel também é muito difícil tomar decisões sem uma ampla maioria no governo. Soma-se a isso o fator Hamas, e temos a equação atual.

FOLHA - O Exército israelense não teme causar um massacre de civis em Gaza? Israel cogita reocupar a área?
ROTHSCHILD -
O que quer que digamos? Que nunca faremos isso ou aquilo? É preciso pôr fim à violência. Não acho que haverá massacre, mas pode acontecer uma destruição em massa. O alvo é a infra-estrutura, não as pessoas. O Exército israelense desenvolveu métodos para reduzir as mortes de civis, como avisos às pessoas, por alto-falante, rádio ou panfletos, para que saiam da área de combate. Mas é certo que haverá mortes nos dois lados. Não temos alternativa.

FOLHA - O Hamas continua forte, aumentaram os disparos de foguetes Qassam e o soldado Gilad Shalit ainda é prisioneiro. A política israelense em Gaza parece não obter nenhum êxito.
ROTHSCHILD -
É uma questão de tempo. O Hamas já pediu ao Egito que faça qualquer coisa para impedir a continuação dos ataques e pediu a Abbas um governo de união nacional sem condições prévias. São atos de desespero. A atitude hesitante que tivemos na guerra do Líbano [2006] serviu como um tratamento de choque na nossa maneira de tomar decisões.


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