São Paulo, domingo, 04 de maio de 2008

Próximo Texto | Índice

Santa Cruz vota autonomia para pressionar Morales

Referendo hoje no departamento mais rico da Bolívia, à revelia da Justiça, é auge de confronto histórico com altiplano indígena

Elite cruzenha é acusada por La Paz de tentar impedir distribuição de terras; texto autonômico tem apoio da maioria da população local


Aizar Raldes-30.abr.08/France Presse
Cruzenho defende autonomia; maioria em Santa Cruz apóia o "sim"


FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A SANTA CRUZ DE LA SIERRA

Em desafio ao presidente Evo Morales e sob ameaça de confrontações, o departamento de Santa Cruz, administrado pela oposição, realiza hoje um controvertido referendo para decidir sobre a ampliação dos poderes regionais ao retirar atribuições do governo central.
O chamado estatuto autonômico é uma resposta ao projeto de nova Constituição aprovado no final do ano passado sem a presença da oposição. O texto, elaborado por um comitê ligado ao governador Rubén Costas, prevê que o departamento (equivalente boliviano a um Estado) seja o único responsável pela política de terras, de educação, tributária e de transportes, entre outras áreas hoje sob o controle de La Paz.
Todo o processo é considerado ilegal pelo governo Morales, que acusa a elite cruzenha de querer impedir a redistribuição de terras e de fomentar a divisão territorial do país.
"É um referendo que está sendo levado como um mecanismo de pressão e de negociação política, para obrigar o governo a reconhecer os estatutos. Aceitar um referendo dessa natureza significaria ser cúmplice de um golpe constitucional", disse, em entrevista à Folha, o ministro da Presidência, Juan Ramón Quintana.
Pesquisas de opinião mostram que o estatuto autonômico, beneficiado pela cobertura amplamente favorável dos meios de comunicação locais, deverá obter ao menos 70% dos votos. O índice coincide com a rejeição regional a Morales, cuja popularidade se concentra principalmente nos departamentos do altiplano, de maioria indígena.

Texto pouco conhecido
Os oposicionistas também esperam contar com uma participação expressiva. Um levantamento divulgado na quarta-feira pela TV P.A.T. prevê que o 86% dos eleitores planejem comparecer às urnas, apesar de La Paz pregar o boicote à consulta, considerada ilegal pela Corte Nacional Eleitoral.
Por outro lado, a pesquisa mostra que apenas 4% dos eleitores declararam conhecer "muito" a proposta do estatuto, enquanto 28% admitiram não saber do que se trata.
Considerado o principal ideólogo da autonomia, Juan Carlos Urenda diz que a popularidade da proposta se deve muito à intransigência de Morales. "Ele é o nosso principal cabo eleitoral", afirma.
Para vários analistas políticos do país, como Jimena Costa, o estatuto econômico é impossível de ser implementado, mas pressionará o governo Morales a negociar com a oposição uma saída para a crise política gerada pelos impasses na Assembléia Constituinte.
"O referendo em Santa Cruz não é nada mais do que a ponta do iceberg", diz Costa. "No início de junho, há dois referendos em Pando e em Beni [departamentos amazônicos]. Em 22 de junho, será Tarija [sul, rico em gás natural]. O governo terá a necessidade de negociar com as regiões para conseguir alguma governabilidade. É muito difícil pensar que Morales possa permanecer os dois anos e meio que restam do mandato governando apenas três dos nove departamentos."

"Raça maldita"
Santa Cruz tem 370 mil km2 (um pouco maior do que Mato Grosso do Sul) e uma população de 2,6 milhões (26% do total). Com cerca de 30% do PIB nacional, é o departamento mais rico, sobretudo devido à atividade agroindustrial. Um dos principais produtos é a soja, cuja produção conta com uma ampla presença de produtores brasileiros.
Na capital, que concentra dois terços dos eleitores, são comuns as faixas em verde e branco -as cores da bandeira de Santa Cruz-, principalmente nas áreas centrais, mais afluentes, onde muros trazem pichações como "fora collas (índios do altiplano)" ou "Evo, raça maldita".
Em minoria, os governistas se concentram nos precários bairros de imigrantes do altiplano, como o Plano 3000. Mesmo ali, no entanto, é possível ver publicidade em favor do "sim", enquanto uma marcha pró-Morales reuniu apenas algumas dezenas de simpatizantes, na última sexta-feira.
A falta de diálogo e a troca de acusações entre governo e oposição nos últimos dias fizeram aumentar o temor de que haja violência, principalmente em redutos de Morales, como a cidade de San Julián, onde os governistas prometem ocupar os centros de votação.
A preocupação aumenta porque Morales se recusou a colocar a Polícia Nacional e os militares para custodiar as urnas. A segurança ficou a cargo da UJC (União Juvenil Cruzenhista), envolvida em episódios de violência política. A organização promete mobilizar 20 mil membros e voluntários.


Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.