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Santa Cruz vota autonomia para pressionar Morales
Referendo hoje no departamento mais rico da Bolívia, à revelia da Justiça, é auge de confronto histórico com altiplano indígena
Elite cruzenha é acusada por La Paz de tentar impedir distribuição de terras; texto autonômico tem apoio da maioria da população local
Aizar Raldes-30.abr.08/France Presse
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Cruzenho defende autonomia; maioria em Santa Cruz apóia o "sim" |
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A SANTA CRUZ DE LA
SIERRA
Em desafio ao presidente
Evo Morales e sob ameaça de
confrontações, o departamento
de Santa Cruz, administrado
pela oposição, realiza hoje um
controvertido referendo para
decidir sobre a ampliação dos
poderes regionais ao retirar
atribuições do governo central.
O chamado estatuto autonômico é uma resposta ao projeto
de nova Constituição aprovado
no final do ano passado sem a
presença da oposição. O texto,
elaborado por um comitê ligado ao governador Rubén Costas, prevê que o departamento
(equivalente boliviano a um
Estado) seja o único responsável pela política de terras, de
educação, tributária e de transportes, entre outras áreas hoje
sob o controle de La Paz.
Todo o processo é considerado ilegal pelo governo Morales,
que acusa a elite cruzenha de
querer impedir a redistribuição
de terras e de fomentar a divisão territorial do país.
"É um referendo que está
sendo levado como um mecanismo de pressão e de negociação política, para obrigar o governo a reconhecer os estatutos. Aceitar um referendo dessa
natureza significaria ser cúmplice de um golpe constitucional", disse, em entrevista à Folha, o ministro da Presidência,
Juan Ramón Quintana.
Pesquisas de opinião mostram que o estatuto autonômico, beneficiado pela cobertura
amplamente favorável dos
meios de comunicação locais,
deverá obter ao menos 70%
dos votos. O índice coincide
com a rejeição regional a Morales, cuja popularidade se concentra principalmente nos departamentos do altiplano, de
maioria indígena.
Texto pouco conhecido
Os oposicionistas também
esperam contar com uma participação expressiva. Um levantamento divulgado na quarta-feira pela TV P.A.T. prevê que o
86% dos eleitores planejem
comparecer às urnas, apesar de
La Paz pregar o boicote à consulta, considerada ilegal pela
Corte Nacional Eleitoral.
Por outro lado, a pesquisa
mostra que apenas 4% dos eleitores declararam conhecer
"muito" a proposta do estatuto,
enquanto 28% admitiram não
saber do que se trata.
Considerado o principal
ideólogo da autonomia, Juan
Carlos Urenda diz que a popularidade da proposta se deve
muito à intransigência de Morales. "Ele é o nosso principal
cabo eleitoral", afirma.
Para vários analistas políticos do país, como Jimena Costa, o estatuto econômico é impossível de ser implementado,
mas pressionará o governo Morales a negociar com a oposição
uma saída para a crise política
gerada pelos impasses na Assembléia Constituinte.
"O referendo em Santa Cruz
não é nada mais do que a ponta
do iceberg", diz Costa. "No início de junho, há dois referendos
em Pando e em Beni [departamentos amazônicos]. Em 22 de
junho, será Tarija [sul, rico em
gás natural]. O governo terá a
necessidade de negociar com as
regiões para conseguir alguma
governabilidade. É muito difícil
pensar que Morales possa permanecer os dois anos e meio
que restam do mandato governando apenas três dos nove departamentos."
"Raça maldita"
Santa Cruz tem 370 mil km2
(um pouco maior do que Mato
Grosso do Sul) e uma população de 2,6 milhões (26% do total). Com cerca de 30% do PIB
nacional, é o departamento
mais rico, sobretudo devido à
atividade agroindustrial. Um
dos principais produtos é a soja, cuja produção conta com
uma ampla presença de produtores brasileiros.
Na capital, que concentra
dois terços dos eleitores, são
comuns as faixas em verde e
branco -as cores da bandeira
de Santa Cruz-, principalmente nas áreas centrais, mais
afluentes, onde muros trazem
pichações como "fora collas
(índios do altiplano)" ou "Evo,
raça maldita".
Em minoria, os governistas
se concentram nos precários
bairros de imigrantes do altiplano, como o Plano 3000.
Mesmo ali, no entanto, é possível ver publicidade em favor do
"sim", enquanto uma marcha
pró-Morales reuniu apenas algumas dezenas de simpatizantes, na última sexta-feira.
A falta de diálogo e a troca de
acusações entre governo e oposição nos últimos dias fizeram
aumentar o temor de que haja
violência, principalmente em
redutos de Morales, como a cidade de San Julián, onde os governistas prometem ocupar os
centros de votação.
A preocupação aumenta porque Morales se recusou a colocar a Polícia Nacional e os militares para custodiar as urnas. A
segurança ficou a cargo da UJC
(União Juvenil Cruzenhista),
envolvida em episódios de violência política. A organização
promete mobilizar 20 mil
membros e voluntários.
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