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Medvedev herda Rússia mais rica e menos livre
No governo Putin, economia do país se recuperou, mas democracia se fragilizou
Presidente que toma posse na quarta deu sinais de que buscará aliviar deficiências internas, mas analistas têm dúvidas de seu poder de fato
NEIL BUCKLEY
DO "FINANCIAL TIMES", EM MOSCOU
A Rússia está no limiar de
uma transição histórica. O novo presidente, Dmitri Medvedev, 42, que assume o poder
nesta quarta-feira, será o mais
jovem líder russo desde o último czar, Nicolau 2º, que subiu
ao trono aos 26, em 1894.
E, pela primeira vez, o chefe
de Estado não deixará o poder
no caixão, doente ou à força.
Em lugar disso, Vladimir Putin
completará seu mandato como
requer a Constituição e no auge
de seu poder e de sua popularidade. Mas ele não está abandonando o palco político. Vai se
tornar premiê no governo de
Medvedev e assim continuará a
ser uma força dominante.
A chegada do terceiro presidente do país na era pós-comunista suscita muitas questões.
Como funcionará a parceria
Medvedev-Putin? Poderá ela
evitar a instabilidade associada
a passadas tentativas russas de
estruturas de poder dual? O
pêndulo que oscilou do caótico
liberalismo dos anos 90 para o
capitalismo autoritário desta
década se moverá um pouco na
direção oposta sob Medvedev?
O novo presidente está herdando um país transformado,
para o bem e para o mal, nos oito anos transcorridos desde
que Putin assumiu. O crescimento econômico anual tem
mantido a média de 7%. Propelido primeiro pela retomada do
valor do rublo depois da crise
financeira de 1998 e depois pelos preços recorde de energia e
matéria-prima, ele vem sendo
sustentado por um boom de
consumo e investimento.
Isso produziu um extraordinário aumento de 600% no PIB
(Produto Interno Bruto) nominal do país nos dois mandatos
de Putin, chegando a US$ 1,27
trilhão no ano passado. Um
país que estava quase falido
uma década atrás amealhou reservas de US$ 500 bilhões em
ouro e moedas fortes, as terceiras maiores do mundo.
Os salários médios saltaram
de US$ 80 ao mês em 2000 para
US$ 640, agora. Uma crescente
classe consumidora dirige
Fords, toma café no Starbucks,
tira férias na Turquia e compra
em imensos shoppings repletos
de produtos com os quais ninguém sonhava na era soviética.
Problemas
Alexei Kudrin, ministro das
Finanças, diz que, agora que o
PIB real enfim retomou o nível
de 1990, o país chegou a um
momento marcante. "Atingimos um marco que demonstra
que por fim superamos a crise
pós-comunismo", afirma.
Outra prova da recuperação
russa é o fato de que, passada só
uma década de sua grave crise
financeira, o país é visto como
uma espécie de refúgio seguro
contra os tumultos causados
em outros lugares pela compressão no mercado de crédito.
Mas a dívida empresarial total
superior a US$ 400 bilhões começa a causar certo alarme. Ter
de garantir liquidez suficiente
no sistema bancário também
complicará a luta contra um
problema que era visto como
derrotado: a inflação, que, no
ano passado, subiu a 12%.
O país também enfrenta
imensos problemas de longo
prazo. Eles incluem a população em declínio e uma infra-estrutura de serviços sociais e
transportes digna de uma nação do Terceiro Mundo.
Críticos dizem que, ao recusar reformas em seu segundo
mandato e concentrar suas
atenções na tomada de controle de ativos energéticos, Putin
perdeu uma oportunidade histórica de realizar uma transformação muito mais profunda.
Bóris Nemtsov, político liberal, e Vladimir Milov, presidente de um instituto de pesquisa
sobre energia, publicaram um
relatório altamente crítico sobre a era Putin. "As oportunidades colossais criadas pelos
preços muito elevados do petróleo deveriam ter sido usadas
por Putin para modernizar o
país, executar reformas econômicas e criar um Exército e sistemas de saúde e previdência
modernos. Nada disso foi feito", concluíram.
Democracia frágil
A estabilidade e a prosperidade russas foram acompanhadas por uma erosão da democracia, da liberdade de imprensa e da sociedade civil. Ainda
que Putin esteja cumprindo a
Constituição e deixando o cargo, ele só o está fazendo após
uma série de medidas repressivas para assegurar uma transição suave em benefício do sucessor que escolheu e sufocar o
surgimento de um candidato
de oposição competitivo.
A eleição presidencial vencida por Medvedev foi a mais pesadamente controlada que o
país já viu desde a era soviética.
Graças às medidas oficiais de
interferência e às suas disputas
internas, a oposição democrática está completamente desestruturada e sem esperança.
Não conta nem mesmo com representação no Parlamento,
dominado pelo governismo.
A Rússia que Medvedev governará não é uma democracia
com economia de mercado, dotada de instituições desenvolvidas e de um Estado de direito.
Em vez disso, o país está sob
controle de uma imensa burocracia, que age quase sem restrições. E, como dizem Nemtsov e Milov, "suborno e convergência entre serviço civil e empresas se tornaram a norma em
todos os níveis de governo".
O novo presidente deixou
claro que defenderá os interesses externos da Rússia de maneira tão robusta quanto Putin.
Mas, em termos de política interna, Medvedev demonstrou
surpreendente disposição de
ao menos reconhecer algumas
das deficiências. Em uma série
de discursos, ele repetiu o slogan de que "liberdade é melhor
do que não-liberdade". "A Rússia tem todas as oportunidades
de construir uma sociedade democrática e desenvolvida e um
Estado plenamente democrático", disse em entrevista ao "Financial Times". Também prometeu combater a corrupção e
estabelecer um Estado de direito, ou, ao menos, como afirma
em outro de seus slogans, eliminar o "niilismo legal" do país.
Mas ainda é cedo demais para dizer se Medvedev tem a força de vontade e o poder necessários para cumprir o que promete. A oposição trata o sucessor de Putin como criatura do
sistema que diz querer reformar. Mas muitos russos estão
dando a Medvedev o benefício
da dúvida e expressam a esperança de que um presidente
mais jovem possa reforçar os
aspectos positivos dos anos Putin e mitigar os negativos.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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