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MARCOS, O FAZ-TUDO
"Não passei dificuldade, nunca"
DE NOVA YORK
Marcos, 27, chega com a latinha
de cerveja envolvida num saco de
papel -é proibido andar pela rua
com ela à mostra- à casa de uma
amiga no Harlem, em Nova York.
Diz que, nos 17 dias que gastou
para chegar aos EUA via México,
no início deste ano, não passou
nem fome nem sede.
Veio pelo caminho mais caro,
cruzando um rio na fronteira com
o Texas, pelo qual um conhecido
seu em Patos de Minas (MG) cobra US$ 9.000, mas para ele fez
por US$ 8.000, desde que pagasse
à vista.
Adiantou US$ 4.000 e colocou a
outra metade no bolso, para ser
paga ao longo do caminho. "Tinha cinco anos que ele trazia gente. Marquei um almoço. Levei minha mãe, meu irmão e minha irmã. Era meu amigo, mas amizade
é à parte, negócio é outra coisa.
Em 15 dias arrumei tudo e estava
vindo para cá."
A viagem começou numa van
com outras 12 pessoas, de Patos
de Minas até São Paulo, onde tomou o avião. No bolso, ao chegar
à Cidade do México, além do dinheiro levava um folheto com dicas de lugares turísticos -"podíamos dizer que eram os lugares
que íamos visitar". Um coiote esperava o grupo com uma placa
que continha o nome fictício de
uma empresa de turismo, e Marcos já havia sido avisado de que
devia procurar por aquela pessoa.
Chegaram a um hotel, onde as
mulheres foram separadas dos
homens. O grupo que restou tomou, dois dias depois, um ônibus
para Tampico, cidade mais ao
norte. Depois para Reynosa, quase na fronteira. Reuniram-se com
outros brasileiros, formando um
novo grupo final de 12 pessoas.
Passaram a noite numa casa
próxima ao rio. "Era uma casa fechada, sem colchão, sem nada.
Depois chegou outro guia, com
colchões, água e comida. Às sete
da manhã, o sujeito que tinha trazido a comida veio nos chamar.
Era um cara muito elegante, bem
vestido. Chegou para nos levar."
Atravessaram o rio -na outra
margem já eram os EUA-, na
parte mais funda a nado. Antes,
Marcos teve de deixar a bagagem
que ainda carregava. Diz que lhe
restou só uma roupa, a mesma,
afirma, que usava quando chegou
à casa de sua amiga no Harlem
-uma camisa estampada de botão e manga curta, colorida em
tons de preto e amarelo, calça
jeans e sapatos pretos.
"Chegamos molhados ao hotel,
só com a roupa do corpo. Ninguém repara em nada, já está tudo
certo." Desse local até a cidade de
Houston, no Texas, foram escondidos -quase 20 pessoas, diz-
nos fundos de um trailer guiado
por um americano, acompanhado por sua mulher e "duas menininhas lindas, branquinhas".
"Lá fiquei numa casa comendo
do bom e do melhor por dois dias.
Disseram que não podíamos sair,
mas fui ao baile com as mexicanas. Uma brasileira que conheci
dentro do trailer me acompanhou." De lá, três dias de van até
Nova York. Tinha deixado todos
os dólares com os coiotes, no caminho. "Não tinha mais dinheiro,
mas tinha vontade de fumar. Fumei os dois dólares que sobraram,
porque descobri que vendiam cigarro "picado"."
Conseguiu um emprego dois
dias depois. Trabalha num restaurante. "Faço de tudo, limpo pratos, vasilhas, preparo saladas." No
Brasil, Marcos "mexia com mercadoria do Paraguai". Diz que a
vida vai melhor nos EUA, apesar
da saudade da namorada -"tinha muitas"- de que mais gostava. Mas não reclama. "Não passei
dificuldade, nunca passei, graças
a Deus."
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