São Paulo, domingo, 04 de julho de 2004

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MARCOS, O FAZ-TUDO

"Não passei dificuldade, nunca"

DE NOVA YORK

Marcos, 27, chega com a latinha de cerveja envolvida num saco de papel -é proibido andar pela rua com ela à mostra- à casa de uma amiga no Harlem, em Nova York. Diz que, nos 17 dias que gastou para chegar aos EUA via México, no início deste ano, não passou nem fome nem sede.
Veio pelo caminho mais caro, cruzando um rio na fronteira com o Texas, pelo qual um conhecido seu em Patos de Minas (MG) cobra US$ 9.000, mas para ele fez por US$ 8.000, desde que pagasse à vista.
Adiantou US$ 4.000 e colocou a outra metade no bolso, para ser paga ao longo do caminho. "Tinha cinco anos que ele trazia gente. Marquei um almoço. Levei minha mãe, meu irmão e minha irmã. Era meu amigo, mas amizade é à parte, negócio é outra coisa. Em 15 dias arrumei tudo e estava vindo para cá."
A viagem começou numa van com outras 12 pessoas, de Patos de Minas até São Paulo, onde tomou o avião. No bolso, ao chegar à Cidade do México, além do dinheiro levava um folheto com dicas de lugares turísticos -"podíamos dizer que eram os lugares que íamos visitar". Um coiote esperava o grupo com uma placa que continha o nome fictício de uma empresa de turismo, e Marcos já havia sido avisado de que devia procurar por aquela pessoa.
Chegaram a um hotel, onde as mulheres foram separadas dos homens. O grupo que restou tomou, dois dias depois, um ônibus para Tampico, cidade mais ao norte. Depois para Reynosa, quase na fronteira. Reuniram-se com outros brasileiros, formando um novo grupo final de 12 pessoas.
Passaram a noite numa casa próxima ao rio. "Era uma casa fechada, sem colchão, sem nada. Depois chegou outro guia, com colchões, água e comida. Às sete da manhã, o sujeito que tinha trazido a comida veio nos chamar. Era um cara muito elegante, bem vestido. Chegou para nos levar."
Atravessaram o rio -na outra margem já eram os EUA-, na parte mais funda a nado. Antes, Marcos teve de deixar a bagagem que ainda carregava. Diz que lhe restou só uma roupa, a mesma, afirma, que usava quando chegou à casa de sua amiga no Harlem -uma camisa estampada de botão e manga curta, colorida em tons de preto e amarelo, calça jeans e sapatos pretos.
"Chegamos molhados ao hotel, só com a roupa do corpo. Ninguém repara em nada, já está tudo certo." Desse local até a cidade de Houston, no Texas, foram escondidos -quase 20 pessoas, diz- nos fundos de um trailer guiado por um americano, acompanhado por sua mulher e "duas menininhas lindas, branquinhas".
"Lá fiquei numa casa comendo do bom e do melhor por dois dias. Disseram que não podíamos sair, mas fui ao baile com as mexicanas. Uma brasileira que conheci dentro do trailer me acompanhou." De lá, três dias de van até Nova York. Tinha deixado todos os dólares com os coiotes, no caminho. "Não tinha mais dinheiro, mas tinha vontade de fumar. Fumei os dois dólares que sobraram, porque descobri que vendiam cigarro "picado"."
Conseguiu um emprego dois dias depois. Trabalha num restaurante. "Faço de tudo, limpo pratos, vasilhas, preparo saladas." No Brasil, Marcos "mexia com mercadoria do Paraguai". Diz que a vida vai melhor nos EUA, apesar da saudade da namorada -"tinha muitas"- de que mais gostava. Mas não reclama. "Não passei dificuldade, nunca passei, graças a Deus."


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