São Paulo, sexta-feira, 04 de julho de 2008

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Ingrid aceita terceiro mandato de Uribe

"Se o povo quiser, qual é o problema?", pergunta ex-refém das Farc, que age como política no primeiro dia de liberdade

Após seis anos de cativeiro, ex-candidata à Presidência reencontra filhos e afirma ainda não ter planos para disputar cargos eletivos


Rodrigo Arangua/France Presse
Ingrid Betancourt reencontra os dois filhos, Melanie e Lorenzo Delloye, em base aérea de Bogotá; eles chegaram da França ontem

DA REDAÇÃO

De um lado, abraços emocionados nos filhos; de outro, promessas de luta pela libertação de reféns em todo o mundo. Em seu primeiro dia de liberdade após seis anos de cativeiro, a ex-refém das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) Ingrid Betancourt, 46, se dividiu ontem entre a maternidade e a política.
Sua face política teve o ponto alto no final da tarde, quando Ingrid disse em entrevista coletiva na Embaixada da França em Bogotá que a questão do acordo humanitário entre as Farc e governo perdeu um pouco de lugar com o resgate, na quarta, dela e de mais 14 reféns.
Ingrid defendeu uma solução negociada para a questão e pediu "todo o apoio internacional" para fazer com que "as Farc compreendam que a opção da guerra está acabada".
Depois de ter afirmado que "ainda aspira à Presidência", a ex-candidata colombiana não se opôs, quando indagada, a um eventual terceiro mandato do presidente Álvaro Uribe. "Se o povo quiser, por que não?"
"A reeleição [de Uribe em 2006] foi muito boa para a Colômbia. Isso não quer dizer que [eu] concorde com tudo o que o presidente fez", afirmara antes.
Partidários do presidente colhem assinaturas para um referendo que mude a lei e permita a Uribe se candidatar.
Já sobre uma possível candidatura própria, a franco-colombiana afirmou que essa é uma decisão que precisa de "reflexão" com sua família, em especial com seus filhos. Ela disse não saber do futuro. "Tinha me programado para passar mais quatro anos na selva. A liberdade chegou de surpresa, ainda estou anestesiada."
Ingrid foi resgatada na quarta-feira pelo Exército colombiano. A operação, ainda cercada de mistério, contou com soldados disfarçados de guerrilheiros que buscaram a ex-candidata à Presidência, três americanos e outros 11 colombianos na selva em um helicóptero militar simulando o de uma agência humanitária fictícia.

Agenda cheia
Anteontem, Ingrid estreou a liberdade com noite insone na casa da mãe, quando contou ao marido, Juan Carlos Lecompte, e a familiares as tristezas do cativeiro. A seu pedido, tomou um café da manhã de laranjas e se reencontrou por volta das 8h, entre lágrimas, com os filhos Lorenzo, 19, e Melanie, 22, que chegaram da França.
"O paraíso, o nirvana deve ser algo muito parecido com o que estou sentindo agora. Estes filhos são minha luz, minha lua, minhas estrelas. Por eles continuei com vontade de sair da selva, para voltar a vê-los", disse.
Ela não esperou Melanie e Lorenzo saírem da aeronave: subiu correndo as escadas do avião e teve uma reunião particular de 15 minutos. Ao sair do avião, ainda abraçada aos dois, ela disse entre beijos que "agora vão ter de aturá-la, pois vai ficar grudada que nem chiclete".
Ontem também se reuniu com Emmanuel, filho de sua companheira de seqüestro Clara Rojas que nasceu na selva.
Mas Ingrid não perdeu a oportunidade apresentada pelos holofotes. Ela convidou os presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, do Equador, Rafael Correa, e da Argentina, Cristina Kirchner, a ajudar a fortalecer a democracia na Colômbia -e "não a guerrilha".
A ex-refém afirmou que o papa a receberá para uma audiência, talvez na próxima semana.
Ingrid partiu para a França ontem à noite.
Sobre os anos de cativeiro, ela disse que foi tratada "como um cachorro". "Não era tratamento nem para um animal. Só havia crueldade, arbitrariedade e maldade."
O cabo do Exército colombiano e ex-refém William Pérez, que foi resgatado com Ingrid, contou que usou conhecimentos de enfermagem para salvar a vida da colega. Ele disse que ela "sumiu" de depressão, não podia mover os braços e quase perdeu a lucidez. "Estava muito debilitada e foi preciso lhe dar soro e alimentá-la com cuidado, pois vomitava tudo."
Hoje, para o marido, "ela está muito bem, generosa de espírito e lúcida. O corpo tem algumas seqüelas, mas nada grave. Sua alma está fortalecida".
Mas os relatos dos ex-reféns mostram uma vida de espera e sofrimento. Refeições eram limitadas a arroz e feijão, às vezes macarrão ou lentilhas. Banhos eram feitos em rios e, quando não estavam acorrentados a árvores, os seqüestrados eram forçados a caminhar por longas distâncias.
A situação piorou no último ano, com a aproximação de forças do governo, que tornou os recursos difíceis de obter.
Em um dia comum, eles seriam acordados às 5h30. Tomariam café e comeriam bolo de milho; escutariam o rádio e fariam exercícios por uma hora. Dormiriam às 18h. Como escreveu Ingrid à mãe durante o cativeiro: "A vida aqui não é vida. É uma total perda de tempo".


Com agências internacionais

NA INTERNET
www.folha.com.br/081852

Veja vídeos com relatos dos ex-reféns


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