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Ingrid aceita terceiro mandato de Uribe
"Se o povo quiser, qual é o problema?", pergunta ex-refém das Farc, que age como política no primeiro dia de liberdade
Após seis anos de cativeiro, ex-candidata à Presidência reencontra filhos e afirma ainda não ter planos para disputar cargos eletivos
Rodrigo Arangua/France Presse
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Ingrid Betancourt reencontra os dois filhos, Melanie e Lorenzo Delloye, em base aérea de Bogotá; eles chegaram da França ontem
DA REDAÇÃO
De um lado, abraços emocionados nos filhos; de outro, promessas de luta pela libertação
de reféns em todo o mundo. Em
seu primeiro dia de liberdade
após seis anos de cativeiro, a ex-refém das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) Ingrid Betancourt, 46, se
dividiu ontem entre a maternidade e a política.
Sua face política teve o ponto
alto no final da tarde, quando
Ingrid disse em entrevista coletiva na Embaixada da França
em Bogotá que a questão do
acordo humanitário entre as
Farc e governo perdeu um pouco de lugar com o resgate, na
quarta, dela e de mais 14 reféns.
Ingrid defendeu uma solução
negociada para a questão e pediu "todo o apoio internacional" para fazer com que "as
Farc compreendam que a opção da guerra está acabada".
Depois de ter afirmado que
"ainda aspira à Presidência", a
ex-candidata colombiana não
se opôs, quando indagada, a um
eventual terceiro mandato do
presidente Álvaro Uribe. "Se o
povo quiser, por que não?"
"A reeleição [de Uribe em
2006] foi muito boa para a Colômbia. Isso não quer dizer que
[eu] concorde com tudo o que o
presidente fez", afirmara antes.
Partidários do presidente colhem assinaturas para um referendo que mude a lei e permita
a Uribe se candidatar.
Já sobre uma possível candidatura própria, a franco-colombiana afirmou que essa é
uma decisão que precisa de "reflexão" com sua família, em especial com seus filhos. Ela disse
não saber do futuro. "Tinha me
programado para passar mais
quatro anos na selva. A liberdade chegou de surpresa, ainda
estou anestesiada."
Ingrid foi resgatada na quarta-feira pelo Exército colombiano. A operação, ainda cercada de mistério, contou com soldados disfarçados de guerrilheiros que buscaram a ex-candidata à Presidência, três americanos e outros 11 colombianos na selva em um helicóptero
militar simulando o de uma
agência humanitária fictícia.
Agenda cheia
Anteontem, Ingrid estreou a
liberdade com noite insone na
casa da mãe, quando contou ao
marido, Juan Carlos Lecompte,
e a familiares as tristezas do cativeiro. A seu pedido, tomou
um café da manhã de laranjas e
se reencontrou por volta das
8h, entre lágrimas, com os filhos Lorenzo, 19, e Melanie, 22,
que chegaram da França.
"O paraíso, o nirvana deve ser
algo muito parecido com o que
estou sentindo agora. Estes filhos são minha luz, minha lua,
minhas estrelas. Por eles continuei com vontade de sair da selva, para voltar a vê-los", disse.
Ela não esperou Melanie e
Lorenzo saírem da aeronave:
subiu correndo as escadas do
avião e teve uma reunião particular de 15 minutos. Ao sair do
avião, ainda abraçada aos dois,
ela disse entre beijos que "agora vão ter de aturá-la, pois vai ficar grudada que nem chiclete".
Ontem também se reuniu
com Emmanuel, filho de sua
companheira de seqüestro Clara Rojas que nasceu na selva.
Mas Ingrid não perdeu a
oportunidade apresentada pelos holofotes. Ela convidou os
presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, do Equador, Rafael
Correa, e da Argentina, Cristina Kirchner, a ajudar a fortalecer a democracia na Colômbia
-e "não a guerrilha".
A ex-refém afirmou que o papa a receberá para uma audiência, talvez na próxima semana.
Ingrid partiu para a França
ontem à noite.
Sobre os anos de cativeiro,
ela disse que foi tratada "como
um cachorro". "Não era tratamento nem para um animal. Só
havia crueldade, arbitrariedade
e maldade."
O cabo do Exército colombiano e ex-refém William Pérez, que foi resgatado com Ingrid, contou que usou conhecimentos de enfermagem para
salvar a vida da colega. Ele disse
que ela "sumiu" de depressão,
não podia mover os braços e
quase perdeu a lucidez. "Estava
muito debilitada e foi preciso
lhe dar soro e alimentá-la com
cuidado, pois vomitava tudo."
Hoje, para o marido, "ela está
muito bem, generosa de espírito e lúcida. O corpo tem algumas seqüelas, mas nada grave.
Sua alma está fortalecida".
Mas os relatos dos ex-reféns
mostram uma vida de espera e
sofrimento. Refeições eram limitadas a arroz e feijão, às vezes macarrão ou lentilhas. Banhos eram feitos em rios e,
quando não estavam acorrentados a árvores, os seqüestrados eram forçados a caminhar
por longas distâncias.
A situação piorou no último
ano, com a aproximação de forças do governo, que tornou os
recursos difíceis de obter.
Em um dia comum, eles seriam acordados às 5h30. Tomariam café e comeriam bolo de
milho; escutariam o rádio e fariam exercícios por uma hora.
Dormiriam às 18h. Como escreveu Ingrid à mãe durante o cativeiro: "A vida aqui não é vida. É
uma total perda de tempo".
Com agências internacionais
NA INTERNET
www.folha.com.br/081852
Veja vídeos com relatos dos ex-reféns
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