São Paulo, quarta-feira, 04 de agosto de 2004

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AMÉRICA LATINA

Polícia brasileira acha que o destino do material recolhido em apreensão recorde no AM era o conturbado vizinho

PF suspeita de envio de munição à Venezuela

FABIANO MAISONNAVE
DA REDAÇÃO

KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS

Investigações da Polícia Federal apontam que a maior apreensão de material bélico já realizada na região amazônica brasileira não tinha como destino a guerrilha colombiana, como inicialmente se supunha, mas a polarizada Venezuela, que no próximo dia 15 realiza um plebiscito que pode tirar Hugo Chávez da Presidência.
O material foi descoberto por acaso num depósito em Manaus no último dia 15 de julho pela Polícia Civil do Amazonas, que realizava uma operação antidrogas.
No depósito havia 15.058 cartuchos de uso restrito tanto da PF e quanto das Forças Armadas. Havia cartuchos .50, que servem em metralhadoras antiaéreas, de uso exclusivamente militar. A munição incluía 5.000 espoletas (detonadores) elétricas.
Um brasileiro e um colombiano foram presos no local, sem oferecer resistência.
Uma das hipóteses levantadas logo após a apreensão era que o carregamento fosse destinado às Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
Agora, segundo a Folha apurou, essa possibilidade foi praticamente abandonada, em razão das características do material apreendido e de questões logísticas.
Restou a linha de investigação segundo a qual a munição iria abastecer algum grupo armado venezuelano -não se sabe se favorável ou contrário a Chávez.

Pistas
Um forte indício do "elo venezuelano" foi um pedido de regularização de residência na Venezuela pelo piloto brasileiro Francisco Ferraz de Souza, 49, no dia 26 de junho, na cidade de Upata (nordeste) -longe, portanto da conturbada fronteira venezuelo-colombiana.
Dias mais tarde, ele foi preso com as munições em Manaus ao lado do colombiano Edward Andrey Camacho, 22.
A polícia também já descobriu que Camacho entrou no Brasil clandestinamente pela cidade de Cucuí (AM), na fronteira do Brasil com a Venezuela. Ele esteve garimpando ali e passou pela cidade de Santa Elena do Uairén.
As informações colhidas sobre Camacho foram enviadas pela polícia à Colômbia, mas até agora não apareceram indícios de que ele esteja ligado às Farc ou aos paramilitares de direita, o segundo mais importante grupo terrorista daquele país.

Rota aérea
Para a PF, no entanto, o principal indício de que a munição seria levada para a Venezuela foi a descoberta de um plano para transportar as munições àquele país num pequeno avião, que faria uma parada de reabastecimento em Roraima.
Como se trata de uma aeronave pequena, seriam necessárias algumas viagens para levar todo o material bélico.
Por outro lado, a hipótese do envio para a Colômbia perdeu força pelos seguintes motivos:
1) a encomenda de 500 uniformes, encontrada junto com a munição. As Farc não têm necessidade desse material e dificilmente fariam esse pedido no Brasil;
2) as 5.000 espoletas (detonadores) elétricas não fazem parte do tipo de material usado pela guerrilha colombiana em seus ataques terroristas, que utilizam detonadores por controle remoto;
3) descartadas as Farc, a munição de grosso calibre encontrada não é do tipo usado pelos paramilitares de direita colombianos, que se movem bastante e, por isso, não utilizam as pesadas metralhadoras antiaéreas;
3) logística -o transporte desse material de Manaus até a Colômbia é muito difícil e arriscado.

Trocas de acusação
A própria situação explosiva da política venezuelana contribui para as suspeitas da PF. Às vésperas do plebiscito convocado pela oposição, os dois lados vêm trocando acusações sobre planos de ações violentas.
Em maio, a polícia venezuelana prendeu um grupo de mais de cem supostos paramilitares colombianos. O governo acusou parte da oposição, sobretudo a coalizão radical Bloque Democrático, de planejar um golpe, que incluiria o assassinato de Chávez.
Na semana passada, a Justiça venezuelana decretou a prisão de 59 oficiais militares, acusados de conspiração. Alguns deles tiveram envolvimento no frustrado golpe de Estado de abril de 2002.
Recentemente, o ex-presidente Carlos Andrés Perez chegou a defender um levante armado para derrubar o governo. Já a oposição rechaça essas acusações e denuncia a existência de planos do governo para armar milícias chavistas pelo país.
O medo de um eventual conflito armado respingar no Brasil levou a PF a reforçar seu efetivo na fronteira.


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