São Paulo, domingo, 04 de setembro de 2005

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TRAGÉDIA NOS EUA

Turistas chegaram a Nova Orleans na antevéspera da passagem do Katrina e não puderam remarcar passagem

"Pior medo foi ouvir o furacão", diz brasileira

IURI DANTAS
ENVIADO ESPECIAL A HOUSTON

Num espaço de cinco dias, as brasileiras Monica Vassao, 25, e Letícia Campos, 21, viveram duas manhãs bem diferentes: na segunda-feira, foram acordadas pelo barulho, luzes e danos ao telhado do Superdome, em Nova Orleans, durante a passagem do furacão Katrina. Ontem, conseguiram tomar um banho pela primeira vez desde domingo passado, a salvo, em um hotel em Dallas, a cerca de 800 quilômetros da devastada capital do jazz.
"Foi um grande aprendizado, aprendemos a ser mais solidárias, e ter paciência, muita paciência. E que, nessa hora, todo mundo é igual. É claro, sofremos preconceito, mas aprendemos a dividir comida. O pior medo foi quando ouvimos o furacão lá fora e pensamos que iríamos morrer. Depois, foi quando disseram que iam apagar as luzes. Nessa hora, não pensávamos mais em dinheiro ou nos pertences. Só em salvar a própria vida", conta Vassao.
As duas brasileiras chegaram a Nova Orleans na antevéspera da passagem do Katrina, e não conseguiram remarcar a passagem aérea para sair da cidade.
Orientadas pela polícia, dirigiram-se para o Superdome no domingo, onde se uniram a outros estrangeiros que também visitavam a cidade. De lá, foram levadas para um motel onde ajudaram doentes e idosos, alimentando-os, dando água e até mesmo abanando para aliviar o calor.
"A gente procurou ajudar, dar comida, água, abanar. Passamos a noite em pé, no banheiro trabalhando. O banheiro era a mesma coisa que no Superdome, todo sujo, com vômitos e gente urinando no chão. A gente tentava usar máscara e luva, para evitar contaminação", disse Campos.

Sorrisos e agradecimentos
Ao ajudar, receberam sorrisos e agradecimentos. "Foi muito válido, muito emocionante. A gente podia ver o sorriso no rosto e nos olhos deles. Eles contaram a história de suas vidas e agradeciam. E a gente precisava se fazer de forte para não perceberem nada e ficarem bem", contou Vassao.
Durante todo o tempo mantiveram um diário. Sentiram medo. Muito medo, segundo contam. E sofreram preconceito por serem brancas, turistas e receberem, talvez, muita atenção da polícia em meio ao caos (leia ao lado trechos do que escreveram).
"Disseram que havia cem mortos no hospital. Nessa hora, o oficial da polícia se emocionou e começou a chorar. Todos em volta começaram a chorar e se abraçar. Também foi aí que nos contaram que uma mulher tinha sido estuprada e outra cometeu suicídio. A gente até entendeu. Não é tão difícil ficar louco e fazer uma coisa dessas no meio daquela confusão", lembra Campos.

Comida repartida
Desde a primeira noite no Superdome, repartiram a comida. Recebiam refeições prontas, como as utilizadas pelos soldados durante a Guerra do Iraque. No cardápio: sopa de galinha, arroz, feijão preto, jambalaia e um doce. Também dividiam o meio litro de água mineral que recebiam com as refeições.
Não viram mortos, mas ouviram o barulho de um corpo batendo no chão do estádio; uma mulher se suicidou, souberam depois. Vassão acordou com barulho de tiros. Campos viu um homem entrar e sair de um banheiro feminino. Horas mais tarde recebeu a informação de que houve um estupro no mesmo lugar. Junto aos estrangeiros, organizaram-se para que cada mulher dormisse com dois homens de cada lado nas cadeiras do estádio.
Depois de dois dias, os turistas foram transferidos para o motel. No primeiro andar, dormiam os estrangeiros, e no segundo, os doentes. Assustaram-se quando uma mulher gritou, homens com armas se aproximavam do local. A polícia conseguiu abordá-los, e tudo terminou bem.
Na sexta-feira, entraram em um caminhão fechado. Dez minutos depois, embarcaram em um ônibus com ar-condicionado e água. Fizeram uma parada para se alimentar e às 6h -8h, horário de Brasília- chegaram em Dallas (Texas), onde receberam auxílio do consulado brasileiro, foram para o hotel e puderam tomar seu primeiro banho em cinco dias.
E ainda puderam optar por esquecer ou lembrar dos piores e decisivos momentos. "Tem muitas lembranças, muitos fatos na memória. Vamos lembrando de algumas coisas, mas outras é melhor esquecer", resumiu Vassao.


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