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TRAGÉDIA NOS EUA
Turistas chegaram a Nova Orleans na antevéspera da passagem do Katrina e não puderam remarcar passagem
"Pior medo foi ouvir o furacão", diz brasileira
IURI DANTAS
ENVIADO ESPECIAL A HOUSTON
Num espaço de cinco dias, as
brasileiras Monica Vassao, 25, e
Letícia Campos, 21, viveram duas
manhãs bem diferentes: na segunda-feira, foram acordadas pelo barulho, luzes e danos ao telhado do Superdome, em Nova Orleans, durante a passagem do furacão Katrina. Ontem, conseguiram tomar um banho pela primeira vez desde domingo passado, a salvo, em um hotel em Dallas, a cerca de 800 quilômetros da
devastada capital do jazz.
"Foi um grande aprendizado,
aprendemos a ser mais solidárias,
e ter paciência, muita paciência. E
que, nessa hora, todo mundo é
igual. É claro, sofremos preconceito, mas aprendemos a dividir
comida. O pior medo foi quando
ouvimos o furacão lá fora e pensamos que iríamos morrer. Depois,
foi quando disseram que iam apagar as luzes. Nessa hora, não pensávamos mais em dinheiro ou nos
pertences. Só em salvar a própria
vida", conta Vassao.
As duas brasileiras chegaram a
Nova Orleans na antevéspera da
passagem do Katrina, e não conseguiram remarcar a passagem
aérea para sair da cidade.
Orientadas pela polícia, dirigiram-se para o Superdome no domingo, onde se uniram a outros
estrangeiros que também visitavam a cidade. De lá, foram levadas
para um motel onde ajudaram
doentes e idosos, alimentando-os,
dando água e até mesmo abanando para aliviar o calor.
"A gente procurou ajudar, dar
comida, água, abanar. Passamos a
noite em pé, no banheiro trabalhando. O banheiro era a mesma
coisa que no Superdome, todo sujo, com vômitos e gente urinando
no chão. A gente tentava usar
máscara e luva, para evitar contaminação", disse Campos.
Sorrisos e agradecimentos
Ao ajudar, receberam sorrisos e
agradecimentos. "Foi muito válido, muito emocionante. A gente
podia ver o sorriso no rosto e nos
olhos deles. Eles contaram a história de suas vidas e agradeciam.
E a gente precisava se fazer de forte para não perceberem nada e ficarem bem", contou Vassao.
Durante todo o tempo mantiveram um diário. Sentiram medo.
Muito medo, segundo contam. E
sofreram preconceito por serem
brancas, turistas e receberem, talvez, muita atenção da polícia em
meio ao caos (leia ao lado trechos
do que escreveram).
"Disseram que havia cem mortos no hospital. Nessa hora, o oficial da polícia se emocionou e começou a chorar. Todos em volta
começaram a chorar e se abraçar.
Também foi aí que nos contaram
que uma mulher tinha sido estuprada e outra cometeu suicídio. A
gente até entendeu. Não é tão difícil ficar louco e fazer uma coisa
dessas no meio daquela confusão", lembra Campos.
Comida repartida
Desde a primeira noite no Superdome, repartiram a comida.
Recebiam refeições prontas, como as utilizadas pelos soldados
durante a Guerra do Iraque. No
cardápio: sopa de galinha, arroz,
feijão preto, jambalaia e um doce.
Também dividiam o meio litro de
água mineral que recebiam com
as refeições.
Não viram mortos, mas ouviram o barulho de um corpo batendo no chão do estádio; uma
mulher se suicidou, souberam depois. Vassão acordou com barulho de tiros. Campos viu um homem entrar e sair de um banheiro
feminino. Horas mais tarde recebeu a informação de que houve
um estupro no mesmo lugar. Junto aos estrangeiros, organizaram-se para que cada mulher dormisse
com dois homens de cada lado
nas cadeiras do estádio.
Depois de dois dias, os turistas
foram transferidos para o motel.
No primeiro andar, dormiam os
estrangeiros, e no segundo, os
doentes. Assustaram-se quando
uma mulher gritou, homens com
armas se aproximavam do local.
A polícia conseguiu abordá-los, e
tudo terminou bem.
Na sexta-feira, entraram em um
caminhão fechado. Dez minutos
depois, embarcaram em um ônibus com ar-condicionado e água.
Fizeram uma parada para se alimentar e às 6h -8h, horário de
Brasília- chegaram em Dallas
(Texas), onde receberam auxílio
do consulado brasileiro, foram
para o hotel e puderam tomar seu
primeiro banho em cinco dias.
E ainda puderam optar por esquecer ou lembrar dos piores e
decisivos momentos. "Tem muitas lembranças, muitos fatos na
memória. Vamos lembrando de
algumas coisas, mas outras é melhor esquecer", resumiu Vassao.
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