São Paulo, domingo, 04 de setembro de 2005

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TRAGÉDIA NOS EUA

Diários virtuais, facilitados pela conexão sem fio, se destacam na cobertura da devastação do furacão Katrina

Na dúvida, mundo se informa por blogs

SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

Se o 11 de Setembro foi o evento marcado pelos recados nos celulares e pelos e-mails enviados pelas vítimas e o período oficial da Guerra do Iraque não viu mais do que meia dúzia de diários virtuais narrarem os acontecimentos do front (como Salam Pax), a tragédia do furacão Katrina entrará para a história como o dia em que a imprensa tradicional cedeu lugar aos blogs.
A começar pelo principal jornal de Nova Orleans e região, o "The Times-Picayune", que, impedido de rodar em papel, passou os últimos dias tirando suas edições virtualmente, até sexta, quando voltou ao normal -mas há dúvidas sobre sua sobrevivência financeira, assim como a de diversas empresas de diversos setores de lá.
Seu blog -termo que é uma abreviatura de weblog, diário virtual-, porém, continuava um dos mais visitados na sexta-feira à noite, principalmente o fórum das pessoas desaparecidas, criado na última quarta. Só nas primeiras 24 horas, o endereço recebeu 7.400 mensagens.
A característica da tragédia explica a dificuldade de a imprensa tradicional chegar até o local, o que levou os diretores de notícias das três principais emissoras de TV norte-americanas (ABC, CBS e NBC) a fazerem um mea-culpa coletivo no fim da semana.
Estradas interrompidas, telefones e celulares em pane, eletricidade incerta e dificuldade de acesso: os mesmos problemas afligiram e estão afligindo tanto o resgate do governo como o repórter.

Presos
Assim, a agilidade dos blogs reside numa palavra: "wireless" (sem fio, em inglês). Muitos dos cidadãos, jornalistas ou não, que continuaram a escrever in loco lançaram mão do serviço de conexão para computador, que prescinde de meios tradicionais.
Foi o caso, por exemplo, do Humid City (cidade úmida), e do Nola View (Nola, acrônimo de New Orleans e LA, por sua vez sigla daquele Estado americano, Louisiana), dois dos mais vistos. O último trazia na sexta à tarde uma mensagem desesperadora:
"Sexta, 2 de setembro de 2005
Presos em Bayou Road
16h03
Nome: Siddika Jacson
Assunto: Minha história do furacão - Presos na Bayou Road
História: Há pelo menos 5-6 pessoas presas numa casa no número 1735 da Bayou Road. Alguém por favor os ajude!!!!"
Até mesmo brasileiros entraram no ar. Um deles é o Liberal, Libertário, Libertino, de Alex Castro, 31, estudante de pós-graduação na Universidade de Tulane, uma das mais atingidas, e que comoveu o mundo virtual ao narrar o sumiço de seu cachorro, o Oliver (até a conclusão desta edição, não se sabia o destino do poodle). No meio da crise, seu site completou um milhão de "page views".
Outro, Idelber Avelar, fez de seu O Biscoito Fino e a Massa um necessário centro de divulgação de nomes de pessoas, a maioria brasileiros, que se encontravam no centro do furacão e, passado o pior, já deram sinal de vida ou continuam desaparecidas.
Ele relata: "Conversei com dois sobreviventes hoje à noite: se o que você está vendo na televisão é horrendo o suficiente, você não imagina o que são os relatos dos que escaparam. Pelo que pude avaliar até agora: Ninth Ward, Chalmette, St. Bernard Parish não existem mais, simplesmente. Airline Highway e West End continuam submersos. O Oakwood Mall foi incendiado. Há partes do French Quarter que não estão submersas, mas lá é onde os saques (e inclusive incêndios) campeiam. Nossa cidade, a mais brasileira de todas as cidades americanas, está literalmente sendo destruída. A sensação de impotência aqui é muito grande."
Até um grande jornal inglês, o "Guardian", resolveu abrir seu metablog emergencial, um blog que cobre os blogs que estão cobrindo a catástrofe, como os citados acima. Chama-se "A Fúria de Katrina" e está sob a chancela "reportagens especiais".


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