São Paulo, segunda-feira, 04 de outubro de 2010 |
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ENTREVISTA OSCAR GUARDIOLA-RIVERA Lula teve economia conservadora e não foi esquerdista o suficiente
Oscar Guardiola-Rivera, professor da Universidade de Londres e autor de livro sobre a
América Latina, diz que mundo será dominado por latino-americanos, e não chineses Folha - A primeira pergunta é o título de seu livro: e se a América Latina governasse o mundo? Oscar Guardiola-Rivera - A América Latina está mostrando ao mundo novos caminhos para lidar com questões econômicas e de relações internacionais. Desde o 11 de Setembro, o mundo viu crescer o uso de forças militares para a solução de conflitos. Mas a América Latina, liderada pelo Brasil, tenta um caminho mais negociado, como aconteceu na tentativa de trazer de volta o Irã para o diálogo sobre armas nucleares. Um dos resultados dessa mudança de poder será uma desmilitarização do mundo. Na questão econômica, a crise de 2008 mostrou que o modelo de endividamento das pessoas, que depois virou endividamento dos Estados, é insustentável. Já a América Latina tem adotado programas de distribuição de renda que funcionam como um antídoto contra crises. Enquanto a Europa e os EUA socorreram os bancos, na América Latina, os governos socorreram as pessoas. Mas as situações eram bem diferentes. Por exemplo, no Brasil, o governo não socorreu os bancos porque a situação deles não era ruim. Mas socorreu empresas com redução de impostos. A América Latina pratica hoje uma combinação muito inteligente de políticas macroeconômicas que favorecem a economia como um todo e que, ao mesmo tempo, reduzem a desigualdade. Essa é outra diferença e é algo que também mudaria com a ascensão dos latinos. O senhor trata da América Latina como um bloco, mas o subcontinente é complexo. Muitos países, como Chile e México, preferem fazer acordos individuais em vez de negociar em conjunto. Como acreditar que a região irá virar uma potência unificada? É verdade que há uma tremenda diversidade entre os países e mesmo dentro de cada país. Mas, na última década, vimos uma mudança, com a criação de fóruns que permitem à região falar com uma única voz. Por exemplo, como foi resolvida a questão diplomática recente entre a Colômbia e a Venezuela? Todo mundo me dizia que essa crise provava a impossibilidade de unificar a América Latina. Mas eu afirmava que o problema seria resolvido em um mês, se tanto, e não pela OEA [Organização dos Estados Americanos, que conta com a participação dos EUA], mas pela Unasul [União de Nações Sul-Americanas]. Foi o que aconteceu. Essas novas instituições que se formaram são muito mais efetivas que as antigas. Outro ponto que o senhor destaca é que a população de latinos nos Estados Unidos deve ultrapassar a dos chamados brancos antes da metade deste século. Para o senhor, isso mudará completamente os EUA. Por quê? Porque os latinos terão o poder do voto e vão querer mudanças. Durante o período de pesquisas para o livro, conversei com muitos latinos nos EUA. Eles apontavam a crise econômica, a guerra no Iraque e a imigração como seus principais problemas. Na parte econômica, eles foram deixados de lado com o modelo de Estado pequeno e redução de impostos, que é identificado com os Republicanos. Eles vão exigir um Estado mais forte e mais política de bem-estar social. Na questão da guerra, estão preocupados porque seus filhos estão morrendo no campo de batalha. A proporção de latinos nas Forças Armadas americanas é maior do que na população. Com relação à imigração, eles perceberam que as leis querem punir não apenas os imigrantes ilegais, mas aqueles que os ajudam. E aí você compromete todo mundo. Quase todo mundo conhece alguém ou ajuda alguém que está ilegalmente nos EUA. Quando os EUA terão um presidente latino? Logo. O Bill Richardson, governador do Novo México, era para ter sido candidato a vice na chapa do Barack Obama. Não foi por causa de umas acusações, que depois se mostraram inverdades. Ele é um sério candidato para o Partido Democrata. Vamos voltar à América Latina. Uma das características de alguns governantes dessa região é a incapacidade de lidar com a mídia. Há ataques contra a liberdade de imprensa na Venezuela, na Argentina, no Equador... Se a América Latina dominar o mundo, isso também será exportado? Sim, há ataques contra a liberdade de expressão, mas ao mesmo tempo parte da mídia nesses países age politicamente. Há uma monopolização da informação que seria impensável nos EUA ou na Europa. Isso é algo que nós latinos precisamos aprender. Temos que ter uma legislação firme que impeça o monopólio da informação, o controle de toda a mídia por apenas um grupo econômico. Você sabe quantos jornais nacionais há na Colômbia? Apenas um. Os leitores não têm escolha. O senhor escreveu cinco páginas elogiosas sobre Dilma Rousseff em seu livro. O senhor acompanha a política brasileira? Sim. Estou muito interessado na eleição brasileira, que é extremamente importante para toda a região. Muita gente pensava que o José Serra iria ganhar e que, junto com [Sebastián] Piñera, no Chile, [Juan Manuel] Santos, na Colômbia, e [Felipe] Calderón, no México, iria mostrar o fim da onda esquerdista na América Latina. Mas essa ideia é ilusória, primeiro porque não há essa guinada à esquerda na América Latina. Essa esquerda que está no governo em alguns países é muito diferente daquela esquerda radical dos anos 70. É radical em algumas coisas, como na defesa do fim da desigualdade. Mas em outras é extremamente conservadora. Veja, por exemplo, o Brasil. O governo Lula tem sido muito conservador em questões macroeconômicas. Com relação a Dilma, sua provável eleição representa muitas coisas para a América Latina. Por ela ser mulher, por ter o passado que tem, de luta contra a ditadura militar, e por mostrar a maturidade da nova esquerda, que abandonou a ideia de um caminho de mudanças que passa pela revolução. O que me preocupa com relação a Dilma e ao PT é que eles ficaram muito conservadores na política econômica. O senhor acredita que ela fará um governo mais à esquerda do que foi a gestão Lula? Espero que sim. O governo Lula não foi de esquerda o bastante. O senhor diz que a visão que a Europa tem do Chávez não é justa. Que ele não é um ditador, que foi eleito e reeleito. Mas um dos pilares da democracia é a alternância do poder. Com o que Chávez parece não concordar. Chávez passou por umas 13 ou 14 eleições, todas supervisionadas por instituições internacionais. Então, não dá para dizer que ele é o clássico caudilho. Mas a imprensa europeia muitas vezes faz propaganda, em vez de noticiar. Sempre às vésperas de eleições aparecem reportagens dizendo que Chávez é narcisista, egocêntrico. Isso não é notícia e precisa ser combatido. Assim como deve ser combatido o processo de concentração de poder na Venezuela. Uma vez o Néstor Kirchner [ex-presidente argentino] disse que o que a revolução bolivariana necessitava era de dez líderes como o Chávez, não apenas um, para não ficar um processo de eternização do poder como aconteceu na Cuba castrista.
O senhor é facilmente catalogado como o clássico pensador de esquerda da América
Latina que fala maravilhas da
região, mas prefere morar na
Europa. Como responde a essa identificação?
Não escondo que sou um
pensador de esquerda. Mas
não represento a esquerda
dos anos 70. A Guerra Fria
acabou, o realismo socialista
foi um desastre, mas isso não
significa que o que temos hoje é o único modelo possível.
O modelo neoliberal não
deu certo na América Latina
e prova não funcionar aqui
na Europa também.
Sobre morar na Europa,
acho que aqui é o local para
iniciar esse debate e mostrar
ao mundo a América Latina
real, que não é apenas um lugar exótico. |
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