São Paulo, quinta-feira, 04 de novembro de 2004

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TODA MÍDIA

Nelson de Sá

De quem é a culpa

Desta vez foram blogs, não TVs, que correram para adiantar o resultado e criaram, segundo um blogueiro que não entrou na briga pela boca-de-urna, a "presidência de sete horas" de John Kerry.
Mas quem buscasse retratação dos blogs ontem, sobretudo dos "liberais", não encontraria.
Era possível achar recriminação dos blogs pelas TVs, sites de jornais e pela agência Associated Press. Mas os blogueiros prosseguiam na ofensiva, à esquerda e à direita, sem piscar.
 
O pró-republicano Glenn Reynolds, em seu Instapundit e no "Guardian", saudou menos a vitória de George W. Bush do que a dos blogs, na eleição.
Para ele, foi "graças à internet, aos canais a cabo e aos radialistas que a inclinação da mídia [pró-Kerry] ficou mais fácil de identificar e mais fácil, para os cidadãos, de superar". Foi o que evitou, diz ele, o estabelecimento de "falso consenso".
De sua parte, o pró-democrata Markos Moulitsas, do Daily Kos, não diferiu muito na avaliação do que levou à reeleição:
- Nós ["liberais"] tivemos uma explosão no mundo dos blogs e iniciamos uma rede de rádio, mas a nossa máquina foi vencida de longe pela máquina de barulho da direita (Fox News, Drudge, radialistas etc.).
 
Mas e a boca-de-urna? Quase sem exceção, nos principais blogs, sobraram ironia e ataques ao "pool" de pesquisa formado pelas redes, os principais jornais e a agência AP, que levantou os números vazados.
Mickey Kaus, do Kausfiles, recorreu a um palavrão para dizer que o "pool" se perdeu.
Do outro lado, "Washington Post", com Howard Kurtz, e "New York Times", em seu blog eleitoral, recriminaram levemente os blogs. O "Wall Street Journal" ironizou:
- O festejado novo meio se provou tão vulnerável a gafes quanto a mídia "mainstream".
Mas o mesmo "WSJ" disse que os blogs derrubaram Wall Street "quase imediatamente" e que "a atenção dada a eles sublinha sua importância crescente nos mundos da política e da mídia". A colunista de web do "WP acresceu, exagerando:
- Num histórico dia de eleição, os blogueiros fizeram tremer a mídia "mainstream".
 
Atenta às críticas ao "pool", a AP soltou despacho ontem à noite passando a responsabilidade adiante, aos blogs e às próprias redes de TV.
Sobre os primeiros, disse que "organizações de notícias responsabilizaram os blogueiros por espalhar notícias que deram uma visão equivocada".
No texto, pesquisadores contratados pelo "pool" reclamaram que os números vazados eram da manhã e que, à tarde, eles se aproximaram.
Sobre as redes, o despacho foi ainda mais incisivo, citando horários em que ABC, NBC e Fox News comentaram as pesquisas de boca-de-urna no ar, contra o conselho da agência.
O problema da AP é que a Fox News já veio a público atacar o "pool" -de que a própria emissora faz parte. E assim o despacho se revela sobretudo um esforço de defesa da agência.
Kathleen Carrol, editora-executiva da AP, apareceu no próprio despacho e prometeu:
- Nós vamos examinar nos próximos dias como os instrumentos funcionaram, com nossos especialistas e nossos colegas do "pool". E esperamos poder responder a qualquer preocupação quanto ao processo.

PESQUISAS

zogby.com/Reprodução
O logo de Zogby diz que ele está sempre "à frente da tendência"


Além do "pool" da agência AP, dois personagens se destacaram no universo das pesquisas, na reta final e no "dia seguinte" à eleição americana. O blog Mystery Pollster (logotipo acima), do pesquisador Mark Blumenthal, era louvado ontem por outros blogueiros e curiosamente pela grande mídia, até pela AP, por ter chamado a atenção para os riscos da boca-de-urna.
E o próprio Mystery Pollster trazia ontem a avaliação ao que parece definitiva sobre a vitória de Bush:
- Simplesmente não se consegue vencer um presidente em tempo de guerra. Depois da guerra, certamente, mas nunca no meio. Os republicanos vinham disseminando isso por meses -e estavam certos.
O outro personagem é o pesquisador John Zogby, cujo site apontou vitória democrata no dia da eleição. Zogby, que chegou a ser descrito como um grande vencedor nesta campanha pela "New Yorker", saiu-se ontem com um comunicado, novamente em seu site:
- Eu achei que havíamos captado uma tendência, mas aparentemente o resultado não se materializou...

Guerra cultural
No site da pró-republicana "National Review", os primeiros sinais de uma nova "guerra" que vem por aí, com Bush.
Um texto em destaque apontava que a vitória se devia ao apoio evangélico. E o "ideólogo" republicano William Bennett escrevia que o presidente havia conseguido "um mandato para fazer a mudança cultural".
Para Bennett, citando pesquisa do "Los Angeles Times" e os plebiscitos que recusaram a união homossexual, os "valores morais" definiram a vitória.
- Bush vai estabelecer uma sociedade mais decente.

Homofobia
Do lado oposto, o blogueiro e colunista da "New Republic" Andrew Sullivan, autodescrito como um conservador gay, se torturava ao apontar o "sucesso" da estratégia "homofóbica" da campanha Bush para vencer em vários Estados-chave.
Sullivan disse não ter ficado surpreso com a recusa da união homossexual em 11 Estados, por se tratar de demanda de minoria -que tende a cair em plebiscito. Sem maior esperança, citou que os republicanos ainda podem se lembrar que são federalistas e deixar o caminho aberto nos Estados menos moralistas.


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