São Paulo, domingo, 04 de novembro de 2007

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Petróleo leva crescimento recorde a Angola

Com fim de guerra civil, PIB do país tem aumentado em mais de 20% anuais

Novos empreendimentos erguem-se em meio a cenário de desigualdade social; dependência do produto preocupa governo

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Angolanas na favela Boa Vista, em Luanda; crescimento não elimina as disparidades sociais


FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A LUANDA (ANGOLA)

Cinco anos após o fim de uma das piores guerras civis da história africana, Angola, movida por um boom do petróleo, tornou-se o país que mais cresce no mundo.
A previsão para 2008 é de um salto de 27,2% no PIB da ex-colônia portuguesa, segundo o Fundo Monetário Internacional -o maior entre 180 países. Perto disso, os 23,4% esperados para 2007 parecem modestos. Logicamente, o crescimento é sobre uma base reprimida por décadas de crise.
O superaquecimento da economia vem dando origem a uma nova geração de empreendedores, mas preserva e pode até estar agravando a diferença entre ricos e pobres.
Novos capitalistas proliferam. Um caso típico é o de Daniel Nunes, 31. Dez anos atrás ele combatia ao lado de tropas marxistas na selva. Hoje, de óculos escuros e relógio vistoso, viaja três vezes por ano para Dubai a fim de comprar carros de luxo e revendê-los em Angola, lucrando até o equivalente a R$ 15 mil por unidade.
No centro de Luanda, a capital, as contradições são visíveis. Erguendo arranha-céus para o governo ou petroleiras, guindastes disputam espaço com prédios dilapidados. A moderníssima sede da estatal do petróleo Sonangol, 19 andares em vidro fumê, é vizinha de cortiços com fachadas tomadas por roupas em varais. Concessionárias despejam carros 4X4, preferência nacional, nas ruas esburacadas. Os engarrafamentos são intermináveis.
Em Angola, nada é mais comum do que deixar o ar-condicionado de um vistoso edifício e pular uma poça de água esverdeada e malcheirosa na calçada. Ao lado, provavelmente haverá uma pilha de lixo. Blecautes são uma certeza cotidiana num país que extrai 2 milhões de barris diários de petróleo, a segunda maior produção africana. Em 2006, o país era o 17º mais pobre do mundo, segundo as Nações Unidas.

Petróleo
Angola enche os cofres com o petróleo (e, em menor escala, com diamantes), mas cresce tanto por partir de uma base dilacerada por 27 anos de um conflito que envolveu marxistas leninistas, cubanos, aa CIA e guerrilheiros financiados pelo apartheid sul-africano.
O saldo foi de 1 milhão de mortos e 4 milhões de refugiados. Uma herança são 1.400 km quadrados de minas, área equivalente à cidade de São Paulo, as quais têm sido removidas lentamente.
A paz, após a vitória dos marxistas do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), coincidiu com a descoberta de gigantescos campos de petróleo. Com a explosão dos preços do produto, o mineral hoje representa cerca de 60% do PIB do país. O apetite de EUA e europeus, ansiosos por reduzir a dependência em relação ao Oriente Médio, abriu-se. Mas quem saiu na frente foi a China, de quem Angola em 2006 passou a ser o segundo fornecedor, depois da Arábia Saudita.
O fluxo de petróleo deve cair a partir de 2012, o que já preocupa o governo. "Estamos trabalhando para desenvolver outros setores e deixar de ter a economia vinculada ao petróleo", disse a ministra do Planejamento, Ana Dias.
O fluxo repentino de recursos tornou a corrupção endêmica. A cultura de pagar "gasosa" (literalmente, refrigerante) para policiais e funcionários públicos está enraizada. Angola, no ano passado, foi considerada pela ONG Transparência Internacional o 34º país mais corrupto do mundo, entre 180.
Há ainda sinais de que o petróleo pode estar contribuindo para empurrar uma parcela da população para um estado mais agudo de pobreza. A explosão da demanda gerada por petrodólares não foi acompanhada por similar aumento de oferta. O custo de vida disparou, e hoje Luanda é uma das cidades mais caras do mundo.
Os ricos e a classe média emergente refugiam-se em novos condomínios fechados e aproveitam o primeiro shopping e as primeiras salas cinemax do país. Na Ilha de Luanda, o bairro boêmio, lotam restaurantes dispostos a pagar o equivalente a R$ 80 por uma lagosta ou R$ 55 por um prato (individual) de picanha com farofa.
Na periferia, onde o desemprego é de 60%, jovens recorrem a biscates ou à venda de badulaques em semáforos. Roubo de carros e assaltos tornaram-se problemas sérios.
"Crescimento não é necessariamente desenvolvimento. O crescimento ainda não se reflete na melhoria das condições de vida das pessoas", admite Custódio Armando, da Agência Nacional para o Investimento da Presidência.
Sintomaticamente, num país que sempre foi fanático pelo kuduro, o samba funk angolano, é o rap de protesto de artistas como MC Kappa, 25, que hoje mais cresce.
"Já estou no asfalto, os cidadãos reclamam, os preços estão mais altos. Lixo na rua é o semblante matinal, subida do combustível é a manchete do jornal", canta ele, no hit "Atrás do Prejuízo".


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