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África torce por Obama como se estivesse na Copa do Mundo
ANA FLOR
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma das maiores festas para
o caso de vitória de Barack Obama está em preparação bem
longe dos EUA. Mais exatamente a 12 mil quilômetros de
Washington -no Quênia, costa
leste da África.
O Quênia -e a África como
um todo- vive uma febre com a
possível eleição de Obama que
para os brasileiros só poderia
ser comparada a uma vitória de
Copa do Mundo. O candidato
democrata está em camisetas,
outdoors, bonés, chaveiros e
adesivos de carros. Está em todos os jornais diariamente. As
vans (chamadas de matatus)
que fazem o transporte coletivo, sempre pintadas com cores
fortes, substituíram os jogadores de futebol de todo o mundo
pelo mais novo ídolo do país.
Em outros países da África,
como Nigéria, Tanzânia e África do Sul, eventos com performances musicais e correntes de
oração pelo candidato foram
organizados. Os responsáveis
são grupos intitulados "Africanos por Obama 08" e "Negros
Unidos por Obama".
Há uma razão bastante compreensível para a obamamania
atravessar o oceano e chegar ao
Quênia. Esse é o país em que o
pai do candidato democrata
nasceu. Barack Obama Sr. morreu em um acidente de carro há
mais de 20 anos, mas lá vivem a
avó paterna, tios e primos do
político. Obama já foi duas vezes ao país, a última em 2006.
Naquele ano, enquanto para
o Brasil o nome do senador significava pouco, Obama já era
anunciado como o futuro presidente dos EUA. A possibilidade
parecia improvável, mas era
discutida em jornais e rodas
acadêmicas e políticas.
Obama foi recebido com
pompas que excediam o tratamento dado a um senador,
mesmo dos EUA. Reuniu-se
com chefes de Estado, fez carreata e foi acompanhado de forte segurança na visita que fez ao
vilarejo de Kogelo, no noroeste
do país, onde vive sua avó Sarah. Naquela época, talvez apenas os quenianos acreditassem
que Obama pudesse chegar
aonde as pesquisas de intenção
de voto o colocam hoje.
Os parentes quenianos do
candidato não escaparam ilesos da febre. Mama Sarah, 86, a
avó, há mais de um ano recebe
diariamente jornalistas, políticos e interessados em fazer pedidos ao neto famoso. Há cerca
de um mês, uma agência de viagem lançou um pacote turístico
que inclui uma visita ao ermo
vilarejo, onde não há asfalto ou
água encanada.
Com tanto assédio, a idosa
-que vive sozinha na mesma
casa há décadas- obrigou-se a
ter uma agenda. Um dos netos
passa o dia atendendo pessoas
que ela não irá receber. Há poucas semanas, o premiê do país,
Raila Odinga -um luo, o grupo
étnico do pai de Obama e de sua
avó-, que foi derrotado nas
eleições presidenciais de dezembro, visitou a octagenária.
Fez um discurso afirmando
que a vitória de Obama ajudará
o Quênia a superar o problema
da divisão étnica.
Animado com as chances de
vitória, o governo queniano está ampliando o aeroporto de
Kisumu, a 50 quilômetros do
vilarejo dos Obamas quenianos. Os políticos querem abrir
espaço para o Air Force One, e
torcem para que o Quênia seja
o destino da primeira viagem
de Obama como presidente.
Alta expectativa
A expectativa de que Obama
mude as relações entre os EUA
e a África é grande no continente. Há quem espere o fim de
subsídios agrícolas, o perdão de
dívidas e mais investimentos.
Os mais realistas optam por pedidos pontuais: maior intervenção para acabar com conflitos como o de Darfur, no Sudão.
No jogo político do Quênia, a
vitória de Obama tem um toque
quase irônico. O país viveu, há
pouco menos de um ano, um
grave conflito que opôs grupos
étnicos locais em decorrência
das eleições presidenciais. No
centro da crise estavam duas
tribos: kikuyus, grupo do presidente reeleito sob acusações de
fraude, Mwai Kibaki, e os luos,
do atual premiê Odinga.
Na época em que Obama se
sagrou candidato democrata,
era piada corrente no Quênia
que os luos, incapazes de fazer
um presidente no Quênia, venceriam nos EUA. Se a vitória do
senador não trouxer mudanças
para o continente, pelo menos
deixará seus conterrâneos orgulhosos. Na lei do país africano, a cidadania é adquirida por
consangüinidade. Filho de um
queniano, Obama é, em tese,
africano. Daí a comemoração.
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