São Paulo, quarta-feira, 04 de novembro de 2009

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ANÁLISE

A duvidosa dignidade de cada cultura humana

JOÃO PEREIRA COUTINHO
COLUNISTA DA FOLHA

Claude Lévi-Strauss concedeu em 1979 uma entrevista ao "Le Monde". É um documento notável para observarmos a cabeça de um contra-iluminista.
Para ele, o século 20 foi um longo cortejo de horrores: genocídios, fascismos etc. Porém, esse cortejo não poderia ser explicado por qualquer anti-humanismo. Para ele, o horror do século 20 era consequência lógica do humanismo ocidental levado aos extremos.
As palavras de Lévi-Strauss interessam porque o ilustre pensador parecia esquecer, ou ignorar, que os horrores do século 20 não são apenas explicados pelos excessos do iluminismo continental. Os campos de concentração seriam explicados pelos excessos do contra-iluminismo continental: esse movimento fortemente irracionalista do qual ele foi um dos grandes herdeiros.
Se, como afirmava o compatriota Joseph De Maistre, não existe o "ser humano" abstratamente considerado, o que resta são culturas particulares, dotadas de escolhas que têm de ser respeitadas e, no caso de Lévi-Strauss, preservadas na sua "pureza" intocada. Ao negar-se qualquer padrão objetivo de avaliação crítica, todas as sociedades e culturas passam a estar no mesmo plano moral.
O mais perverso deste raciocínio é que um regime como o da Alemanha nazista será tão válido como uma democracia liberal. Ao pretender evitar as consequências nefastas do racionalismo, Lévi-Strauss caiu na posição oposta: a defesa holística das culturas humanas e da duvidosa dignidade de cada uma delas.


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